A 21ª eleição presidencial direta ganha o merecido destaque nos 125
anos de história da República brasileira. O seu desfecho foi não só o
mais parelho desde 1989, quando Collor venceu Lula, como de todos os
tempos, com a vitória da candidata petista à reeleição, Dilma Rousseff,
por apenas 3,2 pontos percentuais sobre o oposicionista tucano Aécio
Neves, metade da já estreita margem observada em 89: 51,64% contra
48,36%, uma diferença, em grandes número, de 3 milhões de votos,
equivalente a um eleitorado pouco maior que o da Paraíba. O desenho
esboçado no primeiro turno, com a divisão do país em dois grandes
blocos, recebeu traços mais fortes: grosso modo, o Norte-Nordeste
perfilado ao PT, o Sudeste-Sul-Centro/Oeste com a oposição. Fica
evidente que o país que produz e paga impostos — pesados, ressalte-se —
deseja o PT longe do Planalto, enquanto aquele Brasil cuja população se
beneficia dos lautos programas sociais — não só o Bolsa Família —,
financiados pelos impostos, não quer mudanças em Brasília, por óbvias
razões.
Este comportamento eleitoral previsível foi explorado pelo PT. A
campanha de Aécio denunciou uma série de golpes baixos desfechados para
aterrorizar beneficiários desses programas — considerando os
dependentes, apenas o Bolsa Família congrega uma clientela de 50 milhões
de pessoas, um quarto da população brasileira, muitos deles eleitores.
Há registro de mensagens recebidas por bolsistas de que Aécio acabaria
com o BF, o mesmo tendo ocorrido com participantes do Minha Casa Minha
Vida. Quem teria acesso a esses cadastros a não ser gente do governo? A
arma do terrorismo é peça de artilharia da marquetagem eleitoral já
conhecida. Mas, desta vez, seu emprego teria aumentado de escala.
Partidos do governo, num país como o Brasil, de grandes desníveis
sociais e regionais, costumam cavar trincheiras nas áreas mais pobres,
por serem elas as mais dependentes de repasses de recursos públicos. Não
é novidade. A ressalva está na demarcação de um forte sentimento
antipetista no Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mais que em outros pleitos.
A avassaladora antipetização do Estado de São Paulo, o mais populoso e
rico da Federação, leva mensagem que precisa ser decifrada pelo
Planalto e partido. O mais otimista tucano não poderia esperar que um
mineiro receberia 15,3 milhões de votos no estado, 64,3% do colégio
eleitoral paulista, contra 35,6% confiados a Dilma. Foi dura a derrota
do PT no estado em que nasceu, inclusive na região específica do ABC, na
qual o movimento sindical dos metalúrgicos, na década de 70, gerou Lula
e outras lideranças do partido e da CUT.
Em contrapartida, o mais pessimista tucano não imaginaria que Aécio
perderia na própria Minas, no primeiro turno e no segundo. No primeiro,
além de ficar atrás de Dilma, não conseguiu que seu candidato Pimenta da
Veiga impedisse Fernando Pimentel (PT) de vencer a eleição para
governador no primeiro turno. No segundo, o máximo que o tucano
conseguiu foi reduzir danos, perder para Dilma por uma diferença menor
(52,4% a 47,6%). O equívoco na escolha para disputar Minas de um
político já desligado do Estado, uma demonstração de excesso de
confiança, se somou à enorme e nada surpreendente vitória de Dilma no
Nordeste e Norte para explicar a derrota de Aécio, na maior chance que a
oposição teve de voltar ao Planalto desde a primeira vitória de Lula,
em 2002.
Foi, portanto, com justificada alegria que Dilma, Lula e
correligionários subiram ao palco, num hotel em Brasília, na noite de
domingo, para comemorar a difícil vitória. O fato de Dilma e Lula
estarem de branco, e uma bandeira do Brasil ficar exposta no púlpito,
foi um símbolo positivo: os dois fizeram questão de não trajar o
vermelho partidário, forma de sinalizar uma adequada preocupação em
engavetar, pelo menos naquela hora, a paixão partidária. Que continue
assim.
No primeiro discurso como candidata reeleita, a presidente reforçou a
mensagem simbólica ao dar um importante aceno, mesmo sem admitir a
divisão do país: “algumas vezes na história, os resultados apertados
produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas.
(...) Minhas primeiras palavras são de chamamento da base e da união.
(...) Esta presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro
compromisso no segundo mandato: o diálogo."
O discurso, infelizmente, teve partes contraditórias, como se
houvesse sido escrito por dois redatores diferentes. Esta parte da
proposta de diálogo, e uma outra, em oposição ao entendimento, de defesa
de uma reforma política por meio de plebiscito, já rejeitada pelo
Congresso, no ano passado, quando a ideia foi gestada em frações
nacional-populistas do PT, em meio às manifestações de junho, e levadas a
Dilma.
Ora, se em 2013 a ameaça de inspiração chavista de escantear o
Congresso por meio de uma consulta popular para viabilizar projetos
petistas — eleição em lista fechada, financiamento público de campanha,
etc — já não prosperou, na próxima legislatura é que não vingará mesmo.
Afinal, no Congresso que assume em 2015, o PT continuará o maior partido
da Câmara (70 deputados), porém com a supressão de 18 cadeiras. O PMDB,
contra o plebiscito, perderá menos deputados — 66 contra 71 —, e ainda
haverá um PSDB com 54 cadeiras, dez a mais que no Congresso que está em
fim de legislatura. Isso sem considerar a forte bancada que a oposição
terá no Senado, com a volta dos tucanos José Serra (SP) e Tasso
Jereissatti (CE), que se juntam a Aloysio Nunes e Aécio, donos de ainda
quatro anos de mandato, tendo o candidato derrotado por Dilma saído da
eleição como forte líder das oposições. A melhor alternativa é negociar
alterações tópicas e eficazes: cláusula de barreira e fim das coligações
em eleições proporcionais.,
Erra Dilma ao anular seu aceno de diálogo com a reafirmação de uma
proposta que crispará os ânimos a partir de 2015. Entende-se que ela, no
domingo, precisava animar a militância. Mas exagerou. Em vez de semear
conflitos, a presidente reeleita deve tratar de começar a desatar nós
cegos que existem na economia — razão pela qual os mercados regiram
ontem com mau humor aos mais quatro anos deste governo. Esta urgente
lição de casa passa pela escolha de nomes para postos-chave da área
econômica que mostre que a presidente não cometerá o erro fatal de
dobrar a aposta numa política fracassada. Os sinais são gritantes:
inflação engessada em torno do limite superior da meta (6,5%),
estagnação na produção com inexoráveis reflexos no mercado de trabalho —
um trunfo eleitoral que se esvai —, contas externas em sério
desequilíbrio e contas públicas desalinhadas e em total descrédito.
Este quadro também foi denunciado pela metade do país que ficou na oposição. Faz parte da mensagem a ser entendida.
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