segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O fim dos modelos econômicos - Keynes ou Adam Smith?

http://www.cartacapital.com.br/politica/o-fim-dos-modelos


Sobre o texto do link acima, de Cynara Menezes à Carta Capital, creio ser um grave engano procurar soluções a partir do caminho fácil dos 'modelos'. Por isso mesmo é que é bastante confortável negá-los. Desconfio e sempre desconfiarei de 'modelos' e desconfiar deles é fácil, repito. Mas a repórter cai na própria armadilha ao sugerir que, um dia, enfim, haveria um 'modelo brasileiro'? Talvez seja somente uma irônica provocação de sua parte, embora isso não se evidencie no resto do texto.
'Ideias neoliberais', ou 'medidas sociais' são classificações didáticas para aulas na faculdade, mas, na vida prática são somente rótulos. Afinal, privatizar é neoliberal e estatizar é socialista? Ou, ainda estamos polarizados entre Keynes - pela ação do governo em momentos oportunos - e Adam Smith - pela ação pura do mercado -, a partir do equilíbrio entre gastos e arrecadação dos governos?

A redução no crescimento das economias dos países ricos tornou imediato o problema do crescimento das despesas públicas em velocidade maior que os países podem pagá-las. A crise atual é que os governos não arrecadam o suficiente para cobrir seus gastos, por várias razões. O que fazer?

Os EUA apresentam um arsenal de ferramentas que podem recolocar a economia americana no eixo, desde que a hipocrisia da politicagem americana permita. Grécia reduziu a carga de benefícios sociais, assim como a França. Por trás disso tudo estão, sempre, os gastos dos governos de cada país, as consequências dos gastos sobre a economia, e, principalmente as ferramentas para se buscar soluções em momentos de crise nas despesas públicas.   Grécia, Itália, França, EUA e Inglaterra possuem mecanismos legais para reduzir as despesas públicas, simplesmente reduzindo o funcionalismo público, os gastos com previdência e os gastos sociais. Evidentemente, os resultados políticos são perversos, porque as medidas são impopulares. Manifestações recentes na França, Grécia e Inglaterra são resultantes dessas medidas.
E é nesse aspecto que o Brasil pode sofrer e muito.O Brasil não possui parte dessas ferramentas, porque está legalmente impossibilitado de reduzir despesas com o funcionalismo público e com a previdência pública. Enquanto a arrecadação de impostos for favorável e, se o peso das despesas do Estado não crescer na mesma velocidade  que a riqueza do País, a conta do governo fecha. Hoje, os  gastos e arrecadação de impostos estarão fragilmente equilibrados (sem entrar no mérito da qualidade dos gastos do governo, que são perversos). E, acredita-se que, no futuro, os gastos serão proporcionalmente menores que a arrecadação de impostos à medida que o PIB do Brasil crescer. Mas essa é uma aposta arriscada, porque os gastos com previdência e saúde aumentam na mesma medida que o envelhecimento da população.

Belo Monte e a caixa preta do setor energético

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ELIANE BRUM Jornalista, escritora e
documentarista. Ganhou mais
de 40 prêmios nacionais e
internacionais de reportagem.
É autora de um romance -
Uma Duas (LeYa) - e de três
livros de reportagem: Coluna
Prestes – O Avesso da Lenda
(Artes e Ofícios), A Vida Que
Ninguém Vê
(Arquipélago
Editorial, Prêmio Jabuti 2007)
e O Olho da Rua (Globo).
E codiretora de dois
documentários: Uma História
Severina e Gretchen Filme
Estrada.
elianebrum@uol.com.br
@brumelianebrum 
Se você é aquele tipo de leitor que acha que Belo Monte vai “afetar apenas um punhado de índios”, esta entrevista é para você. Talvez você descubra que a megaobra vai afetar diretamente o seu bolso. Se você é aquele tipo de leitor que acredita que os acontecimentos na Amazônia não lhe dizem respeito, esta entrevista é para você. Para que possa entender que o que acontece lá, repercute aqui – e vice-versa. Se você é aquele tipo de leitor que defende a construção do maior número de usinas hidrelétricas já porque acredita piamente que, se isso não acontecer, vai ficar sem luz em casa para assistir à novela das oito, esta entrevista é para você. Com alguma sorte, você pode perceber que o buraco é mais embaixo e que você tem consumido propaganda subliminar, além de bens de consumo. Se você é aquele tipo de leitor que compreende os impactos socioambientais de uma obra desse porte, mas gostaria de entender melhor o que está em jogo de fato e quais são as alternativas, esta entrevista também é para você.
Como tenho escrito com frequência sobre a megausina hidrelétrica de Belo Monte, por considerar que é uma das questões mais relevantes do país no momento, observo com atenção as manifestações dos leitores que comentam neste espaço ou em redes sociais como o Twitter. Anotei as principais dúvidas para incluí-las aqui e assim colaborar com o debate.
Desta vez, propus uma conversa sobre Belo Monte a Célio Bermann, um dos mais respeitados especialistas do país na área energética. Bermann é professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia da Universidade de São Paulo (USP), com doutorado em Planejamento de Sistemas Energéticos pela Unicamp. Publicou vários livros, entre eles: “Energia no Brasil: Para quê? Para quem? – Crise e Alternativas para um País Sustentável” (Livraria da Física) e “As Novas Energias no Brasil: Dilemas da Inclusão Social e Programas de Governo” (Fase). Ex-petista, ele participou dos debates da área energética e ambiental para a elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e foi assessor de Dilma Rousseff entre 2003 e 2004, no Ministério de Minas e Energia. Célio Bermann foi também um dos 40 cientistas a se debruçar sobre Belo Monte para construir um painel que, infelizmente, foi ignorado pelo governo federal.
Vale a pena ouvir o professor a qualquer tempo. Mas, especialmente, depois de uma semana dramática como a passada. Na quarta-feira (26/10), o julgamento da ação movida pelo Ministério Público Federal reivindicando que os índios sejam ouvidos sobre a obra, como determina a Constituição, foi interrompida e adiada mais uma vez no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília. Na mesma quarta-feira, chamado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) para explicar por que não suspendeu as obras de Belo Monte, o Brasil não compareceu, desrespeitando o organismo internacional e exibindo um comportamento mais usual em ditaduras. Em reportagem publicada em 20/10, o Estadão denunciou que, como retaliação por ter sido advertido sobre Belo Monte, o Brasil deixou de pagar sua cota anual como estado-membro.
Na quinta-feira (27/10), centenas de pessoas, entre indígenas, ribeirinhos e moradores das cidades atingidas, ocuparam pacificamente o canteiro de obras de Belo Monte, no rio Xingu, pedindo a paralisação da construção da usina. Foram expulsos por ordem judicial. Enquanto o canteiro de obras era ocupado por uma população invisível para o governo de Dilma Rousseff, o cineasta Daniel Tendler apresentava no Seminário Nacional de Grandes Barragens, no Rio de Janeiro, o projeto de uma megaprodução cinematográfica que se propõe a documentar as obras de Belo Monte por cinco anos. O projeto é comandado pela LC Barreto, a produtora da poderosa família Barreto, a mesma que fez “Lula, O Filho do Brasil”. Tendler, aliás, foi um dos roteiristas do filme sobre a vida do ex-presidente. Entre as repercussões da megaprodução cinematográfica sobre a megaobra do PAC no Twitter, destacou-se uma: “Os Barreto estão para o cinema nacional como os Sarney para a política”.
Ainda na semana passada, o governo federal publicou um pacote de sete portarias ministeriais com o objetivo de “destravar a concessão de licenças ambientais no país para acelerar grandes empreendimentos, como rodovias, portos, exploração de petróleo e gás, hidrelétricas e até linhas de transmissão de energia”. Ou seja: o governo caminha para anular as conquistas socioambientais obtidas na redemocratização do país.
Dias antes, em 26/10, o Senado havia aprovado um projeto de lei que retira o poder do Ibama para multar crimes ambientais, como desmatamentos. Se não for vetado pela presidente, o poder de multar passará para estados e municípios, sujeito às pressões locais já bem conhecidas. A aprovação do projeto aconteceu quatro dias depois de mais um assassinato no Pará: João Chupel Primo, mais conhecido como João da Gaita, foi morto com um tiro na cabeça, depois de denunciar ao Ministério Público Federal, em Altamira, uma rota de desmatamento ilegal na reserva extrativista Riozinho do Anfrísio e na Floresta Nacional Trairão, área do entorno de Belo Monte. Como de hábito, o Congresso decide os rumos do país desconectado com o que acontece na vida real para além do aquário brasiliense.
No momento histórico em que recursos como água e biodiversidade se consolidam como o grande capital de uma nação, o Brasil, um dos países mais beneficiados pela natureza no planeta, corre em marcha à ré. O cenário que você acabou de ler tem no centro – como obra simbólica e estratégica – Belo Monte, a maior obra do PAC. A seguir, parte de minha conversa de quase três horas com o professor Célio Bermann, em sua sala no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. 
    - Por que o senhor, assim como outras pessoas que estudam o setor, afirma que a área energética do país é uma “caixa preta”. Afinal, que caixa preta é essa?
    Célio Bermann – A política energética do nosso país é uma caixa preta e é mantida dessa forma por uma série de razões. Primeiro, porque a baixa escolaridade da população brasileira não permite, por exemplo, que o leitor da Época entenda o que é terawatts-hora. Mas seria interessante que a população toda tivesse conhecimento e pudesse, com informação, começar a definir junto com empresas e governo os rumos que são mais adequados. Acho que a academia tem um papel fundamental nesse processo. Eu, particularmente, tento, na área do meu conhecimento, procurar as populações tradicionais, mostrar o que é uma usina hidrelétrica, por que alaga quando você interrompe o fluxo, o que é uma barragem, e como isso vai acabar transformando a vida da comunidade. Acho importante que a academia preste esse tipo de informação, já que governo e empresas não o fazem.
    - Sim, mas por que o setor energético tem sido uma caixa preta por décadas?
    Bermann -
    A governabilidade foi encontrada através de uma aliança que mantém o círculo de interesses que sempre estiveram no nosso país. É a mesma turma que continua na área energética. E isso é impressionante. A população não participa do processo de decisões. Não existem canais para isso. Ainda no governo FHC, durante a privatização, o governo criou um Conselho Nacional de Política Energética. Nos dois mandatos de FHC participavam os dez ministros, mas havia um assento para um representante da academia e um da chamada sociedade civil. Eles sentavam, discutiam as diretrizes energéticas de uma forma aparentemente saudável, mas, no frigir dos ovos, na prática não mudava nada. De qualquer forma, havia pelo menos esse sentido de escutar. Isso, com Lula, acabou. O resultado do governo "democrático popular" do Lula, nos dois mandatos, e da Dilma, agora, é a negação de escutar outros interesses que não sejam aqueles que sempre estiveram junto ao poder. A própria Dilma, no início do governo Lula, tinha uma dificuldade muito grande de ouvir, de sentar-se com os movimentos sociais e ouvir. Eu tive a oportunidade de vivenciar o primeiro mandato do Lula, lá, em Brasília.
    - E qual era o seu papel?
    Bermann –
    Era apagar fogo, este era o meu papel...
    - Mas, oficialmente...
    Bermann -
    O meu papel era tentar amenizar um pouco os conflitos, mas, oficialmente, eu fui trabalhar com a Dilma como assessor ambiental no Ministério de Minas e Energia. A ideia inicial era criar uma Secretaria de Meio Ambiente dentro do ministério. Era a época em que tínhamos a Marina (Silva) falando em transversalidade, então havia um ambiente extremamente propício para aparar arestas e ver se a coisa poderia caminhar de uma forma mais adequada. Achei, então, que a melhor forma de fazer isso não era criar um lugar dos ambientalistas no ministério, mas colocar em todas as secretarias do ministério gente que pensasse o meio ambiente. Mas acabei ficando um ano lá em Brasília. Mesmo assim, foi extremamente interessante, porque me permitiu sair da academia e ter, na prática, a percepção de como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo.
    - E como as coisas se dão no dia a dia dentro do governo?
    Bermann –
    É um horror. É uma lentidão. É um imobilismo. É incrível a capacidade da máquina de governo de fazer de conta que faz sem estar fazendo absolutamente nada. Eu falo isso com todos os pontos nos “is”. No início do governo se buscava um entendimento entre os chamados "ministérios fins" e o meio ambiente. Transportes, por causa da construção de estradas e portos, e Minas e Energia, por causa da atividade mineral, metalúrgica e energética, e as questões ambientais que são intrínsecas a essas atividades. Houve uma boa intenção de levar adiante a possibilidade do estabelecimento de pontos comuns. Fizemos, então, um acordo entre Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente em função da definição de "pontos comuns", de procurar verificar onde poderíamos estabelecer alguns consensos. Era um documento em que se definia uma agenda energética e ambiental comuns aos dois ministérios. Se bem me lembro, o documento foi concluído em setembro de 2003. Mas as duas ministras só foram assinar em 31 de março de 2004.
    - Por quê?
    Bermann –
    Boa pergunta. Por quê? Boas intenções... mas por quê? Eu realmente não consigo definir exatamente se era uma questão de veleidade... não sei. No final de 2003 a Marina começou a perceber a dificuldade de ela continuar, e o Lula, daquele jeito dele, deixando a coisa acontecer. Naquele momento, o governo poderia ter tido uma agenda comum, um processo extremamente positivo de entender que existem usinas hidrelétricas que não devem ser construídas.

    Em 2003, a Dilma estava feliz porque tinha conseguido afastar a turma do Sarney do setor elétrico"
    Célio Bermann
    - Imagino que não era fácil ser assessor ambiental da Dilma Rousseff...
    Bermann -
    É, foi uma coisa meio... difícil. Como falei, eu tinha uma relação particular com os movimentos sociais e estava mais numa situação de bombeiro. Vou te contar uma coisa, como referência. Eu encontrei a Dilma na posse do (físico) Luiz Pinguelli Rosa, no Rio de Janeiro, como presidente da Eletrobrás. Ela estava extremamente satisfeita, alegre, contente, porque tinha conseguido, politicamente, afastar a turma do (José) Sarney da seara energética. (Luiz Pinguelli Rosa deixaria o cargo em 2004, a pedido de Lula, que precisava colocar alguém ligado ao PMDB e a José Sarney.) Para você ver. Na época, o (José Antonio) Muniz (Lopes) era diretor da Eletronorte... e depois tornou-se presidente da Eletrobrás (de 2008 a 2011).
    - O José Antonio Muniz Lopes, um homem da cota do Sarney, é um personagem longevo nessa história de Belo Monte... Só para situar os leitores, em 1989, no último ano do governo Sarney, ele era diretor da Eletronorte e foi no rosto dele que a índia caiapó Tuíra encostou seu facão por causa da proposta de Belo Monte (então chamada de Kararaô), naquela foto histórica que correu mundo. O tal do Muniz já estava lá... Depois de deixar a presidência da Eletrobrás, no início deste ano, continuou lá, agora como diretor de Transmissão da Eletrobrás...
    Bermann –
    Pois então. Naquela época, em 2003, era ele o diretor da Eletronorte que a Dilma tinha ficado feliz por ter conseguido afastar. Por isso que eu falo que não é o governo Lula, é o governo Lula/Sarney. E agora Dilma/Sarney. Constituiu-se um amálgama entre os interesses históricos do superfaturamento de obras, sempre falado, nunca evidenciado. Não se trata de construir uma usina para produzir energia elétrica. Uma vez construída, alguém vai precisar produzir energia elétrica, mas não é para isso que Belo Monte está sendo construída. O que está em jogo é a utilização do dinheiro público e especialmente o espaço de cinco, seis anos em que o empreendimento será construído. É neste momento que se fatura. É na construção o momento onde corre o dinheiro. É quando prefeitos, vereadores, governadores são comprados e essa situação é mantida. Estou sendo muito claro ao expor a minha percepção do que é uma usina hidrelétrica como Belo Monte.
    - No momento em que o senhor encontrou a Dilma, logo na constituição da equipe do primeiro mandato de Lula, o senhor conta que ela estava feliz porque tinha conseguido tirar a turma do Sarney do comando da área energética. O que aconteceu a partir daí?
    Bermann -
    A pergunta é: tirou mesmo?
    - E qual é a resposta?
    Bermann -
    Naquele momento, manter esse pessoal à distância era estratégico para reconstruir as relações e viabilizar algumas das diretrizes que tinham sido objeto da proposta de governo. O que aconteceu é que a vida dessa situação (de afastamento) foi extremamente curta devido às relações de poder. Eles não gostaram de se sentir afastados. E eu suponho que a percepção do problema da governabilidade no governo Lula foi uma ação desses setores que tinham percebido que estavam longe da teta da vaca e que não podiam continuar assim. Qual era o jeito de fazer? PMDB era oposição. Vamos conversar... E aí se reacomodam as questões. Eu não digo que seja um grupo de ladrões mercenários. Não é isso que está em jogo. Mas essa capilaridade do Sarney permite manter o usufruto do poder. Eu não sou psicólogo para entender o que o senhor Sarney pensa quando vê o Muniz voltar para o governo, ou quando se encontra diante da incapacidade técnica do senador Edison Lobão ao conduzir o Ministério de Minas e Energia no governo Lula e agora no de Dilma. Não há lógica para isso. Vou dizer de novo: não é possível a gente acreditar na capacidade gerencial de um governo que se submete a esse tipo de articulação política, colocando uma pessoa absolutamente incapaz de entender o que é quilowatt, quilowatt-hora. De ir a público sem saber a diferença entre tensão em volts e energia em quilowatts-hora.
    - O senhor está falando do ministro de Minas e Energia, Edison Lobão?
    Bermann-
    Edison Lobão.
    - E Belo Monte ocupa que lugar nesse jogo?
    Bermann -
    É a oportunidade de se fazer dinheiro e de se reconstituir as relações de poder. Essa obra tinha sido sepultada em 1989, por conta da mobilização da população indígena, e voltou à tona no governo Lula, aprovada pelo Congresso (em 2005) com o discurso de que era um novo projeto.
    “O valor de Belo Monte aumentou em mais de R$ 20 bilhões em apenas cinco anos. E deverá ser maior ainda. Sem contar que 80% do financiamento é dinheiro público"
    Célio Bermann
    - A ameaça de retomar Belo Monte esteve presente também durante o governo Fernando Henrique Cardoso, mas só no governo Lula saiu mesmo do papel, o que ninguém imaginava que acontecesse, devido ao apoio massivo dos movimentos sociais da região à campanha de Lula. O senhor acha que o fato de Belo Monte ter saído do papel tem a ver com a denúncia do Mensalão, em 2005, e a recomposição das forças políticas para a eleição de 2006?
    Bermann - Não tenho a mínima ideia. Mas vamos falar em cifras, agora. Em 2006 o projeto foi anunciado com um custo de R$ 4,5 bilhões. Você sabe, as cifras avançaram violentamente. Antes de ir para o leilão, a usina foi avaliada em R$ 19 bilhões. Foi feito o leilão e se definiu um custo fictício de geração de energia elétrica de R$ 78 o megawatt-hora.
    - Por que fictício?
    Bermann -
    Fictício porque esse custo não remunera o capital investido. É por isso que várias empresas caíram fora do empreendimento, sob o ponto de vista da geração da energia elétrica. Mas as grandes empreiteiras estão presentes, porque não é na venda da energia elétrica, mas sim na obra que se dá uma parte significativa da apropriação da renda. Com o consórcio constituído com 50% entre Eletrobrás e Eletronorte, as empreiteiras voltaram para fazer a obra. A elas interessa a obra – e não ficar vendendo energia elétrica. Essa situação é entendida pelos dirigentes, pelo governo, como normal. Para o governo federal, é uma parceria público-privada que está dando certo. Em que termos? A obra hoje está oficialmente orçada em R$ 26 bilhões. Imagine, de R$ 4,5 bilhões para R$ 26 bilhões...
    - Em cinco anos, o valor da obra avançou em mais de R$ 20 bilhões?
    Bermann –
    Oficialmente está hoje orçada em R$ 26 bilhões. Mas existem estimativas de que não vai sair por menos de R$ 32 bilhões. Isso sem falar em superfaturamento.
    - Deste valor, quanto sairá do BNDES, ou seja, do nosso bolso?
    Bermann –
    Oitenta por cento da grana para isso é dinheiro público. O que estamos testemunhando é um esquema de engenharia financeira para satisfazer um jogo de interesses que envolve empreiteiras que vão ganhar muito dinheiro no curto prazo. Um esquema de relações de poder que se estabelece nos níveis local, estadual e nacional – e isso numa obra cujos 11.200 megawatts de potência instalada só vão funcionar quatro meses por ano por causa do funcionamento hidrológico do Xingu. Então, é preciso entender que a discussão sobre a volta da inflação não se dá porque está aumentando o preço da cebola, do tomate, do leite... É por causa da volúpia de tomar recursos públicos que será necessário fabricar dinheiro. O ritmo inflacionário vai se dar na medida em que obras como Belo Monte forem avançando e requerendo que se pague equipamento, que se pague operários, que se pague uma série de coisas e também que se remunere com superfaturamento.

    Com Belo Monte, ganham as empreiteiras e os vendedores de equipamentos. E ganham os políticos que permitem que essa articulação seja possível"
    Célio Bermann
    - Quem perde a gente já sabe. Agora, quem ganha, além das empreiteiras envolvidas na obra?
    Bermann -
    Há as pessoas que ganham pela obra - fabricantes de equipamentos, empreiteiras. E há quem ganhe não financeiramente, mas politicamente, por permitir que essa articulação seja possível, porque é esse pessoal que vai bancar a campanha para o próximo mandato. É a escolinha ou o posto de saúde que eventualmente aquele vereador, aquele prefeito vai dizer: "É obra minha!". É isso que está em jogo. É dessa forma que a cultura política se estabelece hoje no nosso país. Isso precisa mudar. Como? É complicado.
    - O senhor costuma usar a expressão “Síndrome do Blecaute” para se referir ao pânico da população de ficar à luz de velas devido a um apagão energético. Acredita que essa “síndrome” é manipulada pelo governo federal e pelos grandes interesses empresariais para emprestar um caráter de legitimidade a megaobras como Belo Monte?
    Bermann –
    O que eu tenho chamado de "Síndrome do Blecaute" conduz à legitimação de empreendimentos absolutamente inconsistentes. Belo Monte, como foi provado pelo conjunto de cientistas que se debruçaram sobre o tema (painel dos especialistas), é uma obra absolutamente indesejável sob o ponto de vista econômico, financeiro e técnico. Isso sem falar nos aspectos social e ambiental. Mas se dissemina uma ideia do caos e, hoje, há 77 projetos de usinas hidrelétricas somente na Amazônia que utilizam a "Síndrome do Blecaute" para se viabilizarem. O fato de hoje o aquecimento global dominar a mídia e o senso comum, assim como a própria academia, ajuda a mostrar a hidroeletricidade como uma grande maravilha, independentemente do lugar em que a usina vai ser construída e dos impactos que ela vai causar. Mas o que é preciso compreender e questionar? Hoje, seis setores industriais consomem 30% da energia elétrica produzida no país. Dois deles são mais vinculados ao mercado doméstico, que é o cimento e a indústria química. Mas os outros quatro têm uma parte considerável da produção para exportação: aço, alumínio primário, ferroligas e celulose.
    - As chamadas indústrias eletrointensivas...
    Bermann –
    Isso. Eu não estou defendendo que devemos fechar as indústrias eletrointensivas, que demandam uma enorme quantidade de energia elétrica a um custo ambiental altíssimo. Mas acho absolutamente indesejável que a produção de alumínio dobre nos próximos 10 anos, que a produção de aço triplique nos próximos 10 anos, que a produção de celulose seja multiplicada por três nos próximos 10 anos. E é isso que está sendo previsto oficialmente.
    - O que poucos parecem perceber e menos ainda questionam, quando essas metas são comemoradas, é a forma como o Brasil está inserido no mercado internacional em pleno século XXI. O quanto o fato de nossa economia estar baseada na exportação de bens primários tem a ver com a necessidade de grandes hidrelétricas?
    Bermann –
    Desde a ditadura militar, passando pela redemocratização, pelos sucessivos governos até FHC, tem sido assim. Nós imaginávamos que, com Lula, essa questão ia ser reorientada. Porque o programa de governo em que eu me envolvi preconizava a necessidade dessa mudança. E o que aconteceu? Se você comparar os dados de 2001 com os dados de 2010, vai constatar que a economia brasileira está se primarizando cada vez mais. Isto é: cada vez mais são produzidos no Brasil bens industriais primários, sem agregação de valor. E são justamente os bens primários que consomem muita energia e geram pouco emprego. Além disso, satisfazem uma demanda marcada pelo consumismo. E o Brasil se mostrou incapaz de dizer: "Não, nós não vamos fazer isso".
    - E depois esses produtos retornam para o Brasil, via importação, com valor agregado...
    Bermann –
    É. Eu sempre chamo a atenção para o fato de que, do alumínio primário que o Brasil produz, 70% é exportado. E o alumínio consome muita energia. Para se pegar um barro vermelho, que é a bauxita, e transformá-la em alumínio, é preciso um processo de produção extremamente devastador sob o ponto de vista ambiental. Há um primeiro refino para obter a alumina, que é um pó branco. Esse pó branco tem como consequência ambiental uma borra chamada de “lama vermelha”. Um ano atrás, na Europa, na Hungria, houve uma catástrofe em função do rompimento de uma barragem que continha essa lama vermelha e tóxica. Ela se espalhou pelo Rio Danúbio e foi um horror. E cada vez mais se faz isso no nosso país – e, claro, não se faz mais isso nos países centrais. Isso não está acontecendo agora no Brasil, está acontecendo desde os anos 70.

    “Com Lula – e agora com Dilma – ocorreu a reprimarização da economia, com exportação de bens primários sem valor agregado, numa subordinação ao mercado internacional"
    Célio Bermann
    - Houve acentuação desse processo no governo Lula e agora no de Dilma Rousseff?
    Bermann –
    O que acontece a partir de Lula é o que eu tenho chamado de "reprimarização da economia". Nós já tivemos uma época em que a economia dependia basicamente da produção de bens primários: café, açúcar e também alguns bens industriais primários. Depois, tivemos Getúlio Vargas, Juscelino (Kubitschek), e nos anos 50 houve a substituição das importações com a vinda da indústria pesada. Aquele período marca um processo acelerado de industrialização da economia brasileira em que se buscava um desenvolvimento tecnológico para acompanhar o ritmo internacional. Agora, vivemos a reprimarização da economia. E não é uma questão do governo, simplesmente. O governo poderia tornar essa questão pública, dar condições para que a população compreendesse e debatesse o que está em jogo, e isso pudesse servir como base de apoio para uma tomada de decisão do tipo: "Olha, Alcoa (corporação de origem americana com grande presença no Brasil, é a principal produtora mundial de alumínio primário e alumínio industrializado, assim como a maior mineradora de bauxita e refinadora de alumina), vocês não vão continuar aumentando a produção aqui no Brasil. Procurem um outro lugar. A produção de energia elétrica gera um problema ambiental enorme, um problema social enorme, e nós vamos priorizar a demanda da população”. Mas, infelizmente, isso não é feito.
    - Mas essa obstinação do governo Lula, e agora do governo Dilma, em fazer Belo Monte, mesmo já tendo um prejuízo de imagem aqui e lá fora, mesmo tendo mais de uma dezena de ações judiciais contra a obra movidas pelo Ministério Público Federal, fora as outras... Essa obstinação se dá apenas por causa do esquema de governabilidade, do esquema político para as eleições a curto e médio prazo, ou é por mais alguma coisa?
    Bermann –
    Isso já não te parece plausível? Ou você acha que tem alguma coisa meio doentia, que precisa ser explicada? (risos)
    - Doentia, não sei. Mas eu gostaria de compreender melhor por que o senhor e a maioria dos especialistas que estudaram o projeto afirmam que esta obra é ruim também do ponto de vista técnico.
    Bermann –
    Divulgaram que esta será a única usina do Xingu. Inclusive, houve um seminário recente aqui na USP em que tive a oportunidade de discutir com o Mauricio Tolmasquim (presidente da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia). E ele veio com essa ladainha: “Vai ser a única...”. E eu disse a ele: “Com o perdão do poeta, o que você está afirmando, somente de papel passado, com firma em cartório e assinado: Deus”.
    - O senhor não acredita que será a única usina do Xingu, então?
    Bermann –
    Me diga alguma coisa no nosso país que vigorou como cláusula pétrea. Me fale alguma coisa aqui no nosso país que foi dito de uma forma e se manteve ao longo do tempo. VAI ser necessário construir outras usinas. No atual projeto, esta é uma usina que vai funcionar à plena carga, no máximo, quatro meses por ano, por causa do regime hidrológico. Se ela estiver sozinha, o volume de água para rodar as turbinas dependerá da quantidade de chuva. E aquela região tem a seguinte característica: quando chove, quando tem água, quando desce a água dos tributários para o Xingu é muita água, é um volume enorme de água. Mas isso só acontece durante quatro meses por ano. Só nesse período os 11.200 megawatts vão estar operando. Em outubro, na época da estiagem, será apenas 1.100 megawatts, um décimo. Então, a pergunta é: por que construir uma usina desse porte, se, na média anual, ela vai operar com 4.300 megawatts? Necessariamente vão vir as outras quatro. Eu estou afirmando isso, infelizmente. Tecnicamente, eu tenho absoluta certeza. Porque as usinas rio acima vão segurar a água e aí Belo Monte não vai depender da quantidade de chuva. É o único jeito dessa potência instalada de 11.200 megawatts existir de fato.

    “O conceito do governo e das empresas não é o de população atingida, mas o de população afogada"
    Célio Bermann
    - O senhor está dizendo que o governo federal está mentindo ao afirmar que será apenas uma usina, para conseguir vencer as resistências ao projeto e aprová-la, e depois fará mais três ou quatro?
    Bermann –
    Estou dizendo que, da forma como esta usina está colocada, é uma aberração técnica tão grande que é totalmente ilógico construí-la.
    - E essa afirmação, discutida hoje na Justiça, de que os povos indígenas não serão atingidos?
    Bermann –
    A noção que as empresas e o governo federal têm é a noção de população afogada – e não atingida.
    - Agora, digamos que nós concordássemos que a obstinação de construir Belo Monte, ainda que atropelando a população e talvez a Constituição, se devesse à necessidade de energia elétrica. E digamos que Belo Monte fosse de fato um projeto de engenharia viável e inteligente. As usinas hidrelétricas são as melhores opções para a geração de energia no Brasil de hoje? Quais são as alternativas a elas?
    Bermann –
    Não podemos olhar a questão da produção de energia sem questionar ou considerar o outro lado, que é o consumo de energia. Parece meio prosaico, porque envolve hábitos culturais da população. E a população sempre entendeu que energia elétrica se resume a você apertar o botão e ter eletricidade disponível. E por isso fica em pânico com a “Síndrome do Blecaute”. Mas é preciso pensar além disso. Não estou dizendo para fechar as fábricas de alumínio, de aço e de celulose no Brasil. O que estou dizendo é o seguinte: parem de ampliar a produção. Parem, porque diversos países desenvolvidos já fizeram isso. O Japão fez mais do que isso. O Japão produzia, em 1980, 1,6 milhões de toneladas de alumínio. Nós estamos produzindo quase 1,7 milhões de toneladas hoje. Só que a energia elétrica necessária para produzir alumínio tornou-se da ordem do absurdo. Então o governo japonês, as empresas japonesas produtoras de alumínio e os trabalhadores da indústria do alumínio realizaram um debate que culminou com o fechamento de todas as usinas de produção de alumínio primário no Japão, exceto uma. Isso ainda nos anos 80. Hoje, o Japão produz apenas 30 mil toneladas. De 1,6 milhões para 30 mil toneladas. Diante da necessidade de gerar muita energia para produzir alumínio, o que o Japão fez? O governo e a sociedade japonesa disseram: “Vamos priorizar a eficiência, o maior valor agregado. Nós não precisamos produzir aqui. Tem o Brasil, tem a Venezuela, tem a Jamaica, tem os lugares para onde a gente pode transferir as plantas industriais e continuar a assegurar o suprimento para a nossa necessidade industrial. A gente pega esse alumínio, agrega valor e exporta na forma de chip. Parece uma coisa tão besta, né? Mas foi isso o que os japoneses fizeram. Eles mantiveram o crescimento econômico e reduziram a demanda por energia. Nós estamos caminhando no sentido inverso. Estamos aumentando o consumo de energia a título de crescimento e desenvolvimento, e, numa atitude absolutamente ilógica, porque a gente exporta hoje a tonelada de alumínio a US$ 1.450, US$ 1.500 dólares. E, para se ter uma ideia, hoje falta esquadrias de alumínio no mercado interno, no mercado de construção brasileiro. O preço foi aumentado por indisponibilidade. Hoje, e fizemos um estudo recente sobre isso, é preciso importar esquadrias de alumínio porque a oferta no mercado interno é insuficiente. E, enquanto o Brasil exporta o alumínio por US$ 1.450, US$ 1.500, o preço da tonelada de esquadria importada é o dobro: cerca de US$ 3 mil a tonelada.
    - Para o senhor, a questão de fundo é outra...
    Bermann -
    Nós temos pouca capacidade de produzir alumínio com valor agregado. Então, não estou dizendo para fechar essas fábricas, botar os trabalhadores na rua, mas dizendo para parar de produzir alumínio primário, que exige uma enorme quantidade de energia, e investir no processo de melhoria da matéria-prima para satisfazer inclusive a demanda interna hoje insatisfeita. Agora, vai perguntar isso para a ABAL (Associação Brasileira de Alumínio). Veja se eles estão pensando dessa forma. Billiton, Alcoa, mesmo o sempre venerado Antônio Ermírio de Moraes, com a Companhia Brasileira de Alumínio. A perspectiva desse pessoal é a cega subordinação ao que define hoje o mercado internacional, o mercado financeiro. E é assim que o nosso país fica desesperado com a ideia de que vai faltar energia.

    Não é Programa Luz para Todos, mas Luz para quase Todos ou Conta de Luz para Todos"
    Célio Bermann
    - Além de ser um modelo de desenvolvimento que prioriza a exportação de bens primários, sem valor agregado, é também um modelo de desenvolvimento que ignora o esgotamento de recursos. Enquanto tem, explora e lucra. Alguns poucos ganham. O custo socioambiental, agora e no futuro, será dividido por todos...
    Bermann –
    Isso. Os recursos naturais são limitados. Por isso, no meu ponto de vista, a discussão do aquecimento global obscurece o entendimento da hidroeletricidade em particular. Ficamos às cegas. Para transformar o barro da bauxita naquele pó branco do alumínio, que depois é fundido através de uma corrente elétrica, é uma quantidade de energia enorme, absurda. Essa possibilidade você não vai conseguir com energia solar, com energia eólica. São processos produtivos que exigem a manutenção do suprimento de energia elétrica 24 por 24 horas. A solar não consegue fazer isso na escala necessária. Uma tonelada de alumínio consome 15 a 16 mil kilowatts-hora. Para se ter uma ideia, na média, o consumidor brasileiro consome, por domicílio, 180 kilowatts-hora por mês, o que é baixo. Nós ainda estamos vivendo uma situação muito próxima da miserabilidade em termos energéticos para a população. Nós temos uma demanda a ser satisfeita com equipamentos eletrodomésticos. Satisfeita não construindo grandes usinas hidrelétricas para as empresas eletrointensivas, mas para conseguirmos equilibrar a qualidade de vida, que se deve fundamentalmente a uma herança histórica: a de sermos um dos países com a pior distribuição de renda do mundo.
    - Uma das piores distribuições de renda e uma das piores distribuições de eletricidade do mundo...
    Bermann –
    Eu chamo o programa de universalização de "Luz para quase todos". Não é para todos, é para quase todos. Desde que estejam próximos da rede para extensão, tudo bem. Mas, para o sujeito distante, só agora é que se começa a pensar em sistemas de produção descentralizada. A percepção ainda é, infelizmente, de pegar e estender a rede. Mas o custo de extensão da rede é muito alto. Principalmente, se você pegar e atravessar 15 quilômetros para atender duas, três casas. O lógico seria a adoção de energia descentralizada em escala menor, que seja mais bem controlada pela população. Mas isso não passa pela cabeça porque define inclusive uma outra relação social. Eu também chamo esse programa de “Conta de luz para todos”, porque de repente você fica refém de uma companhia e necessariamente paga conta de luz, quando você poderia criar uma situação de autonomia energética.
    - O senhor poderia explicar melhor quais são as alternativas para a população, já que todos nós crescemos dentro de uma lógica em que recebemos a conta da luz e pagamos a conta da luz; apertamos um botão na parede e a luz se faz. A realidade está exigindo que sejamos mais criativos e tenhamos mais largura de raciocínio. Quais são as alternativas para o cidadão comum, especialmente o de regiões mais afastadas?
    Bermann –
    Depende muito do acesso à tecnologia existente no local ou na região. Hoje, por exemplo, temos no Rio Grande do Sul uma experiência de queimar casca de arroz para gerar energia. O calor da queima da casca de arroz aquece a água, a água se transforma em vapor e esse vapor é injetado num tubo e gira uma turbina produzindo energia elétrica. Não tem nada de fantástico nisso, esse processo é conhecido há muito tempo, mas, puxa vida, eu estou tão acostumado a simplesmente acender e apagar o botão... Vou ficar agora me preocupando se tem combustível? Existe um lado meio trágico da população em geral que é o comodismo: deixa que resolvam por mim. Então, quando você me pergunta sobre alternativas, depende do que a gente está falando. Existem alternativas promissoras deixando de produzir mais mercadorias eletrointensivas. Como também é promissor ter esquemas de financiamento para que o pequeno empresário adquira um painel fotovoltaico (placa que transforma luz solar em energia elétrica) ou uma usina de geração eólica (transformação de vento em energia elétrica). E use essa tecnologia que está disponível para satisfazer as suas necessidades, sem necessariamente ficar ligado a uma grande linha de transmissão, de distribuição, puxando energia não sei de onde.
    - O que o senhor diria para a parcela da população brasileira que faz afirmações como estas: "Ah, se não construir Belo Monte não vai ter luz na minha casa", ou "Ah, esses ecochatos que criticam Belo Monte usam Ipad e embarcam em um avião para ir até o Xingu ou para a Europa fazer barulho". O que se diz para essas pessoas para que possam começar a compreender que a questão é um pouco mais complexa do que parece à primeira vista?
    Bermann –
    Não é verdade que nós estamos à beira de um colapso energético. Não é verdade que nós estamos na iminência de um “apagão”. Nós temos energia suficiente. O que precisamos é priorizar a melhoria da qualidade de vida da população aumentando a disponibilidade de energia para a população. E isso se pode fazer com alternativas locais, mais próximas, não centralizadas, com a alteração dos hábitos de consumo. É importante perder essa referência que hoje nos marca de que esse tipo de obra é extremamente necessário porque vai trazer o progresso e o desenvolvimento do país. Isso é uma falácia. É claro que, se continuar desse jeito, se a previsão de aumento da produção das eletrointensivas se concretizar, vai faltar energia elétrica. Mas, cidadãos, se informem, procurem pressionar para que se abram canais de participação e de processo decisório para definir que país nós queremos. E há os que dizem: “Ah, mas ele está querendo viver à luz de velas...”. Não, eu estou dizendo que a gente pode reduzir o nosso consumo racionalizando a energia que a gente consome; a gente pode reduzir os hábitos de consumo de energia elétrica, proporcionando que mais gente seja atendida, sem construir uma grande, uma enorme usina que vai trazer enormes problemas sociais, econômicos e ambientais. É importante a percepção de que, cada vez que você liga um aparelho elétrico, a televisão, o computador, ou a luz da sua casa, você tenha como referência o fato de que a luz que está chegando ali é resultado de um processo penoso de expulsão de pessoas, do afastamento de uma população da sua base material de vida. E isso é absolutamente condenável, principalmente se forem indígenas e populações tradicionais. Mas também diz respeito à nossa própria vida. É necessário ter uma percepção crítica do nosso modo de vida, que não vai se modificar amanhã, mas ela precisa já estar na cabeça das pessoas, porque não é só energia, é uma série de recursos naturais que a gente simplesmente não considera que estão sendo exauridos e comprometidos. É necessário que desde a escola as crianças tenham essa discussão, incorporem essa discussão ao seu cotidiano. Eu também tenho uma dificuldade muito grande de chegar aqui na minha sala e não ligar logo o computador para ver emails, essas coisas. Confesso que tenho. Mas eu também percebo uma grande satisfação quando eu consigo não fazer isso. E essa percepção da satisfação é uma coisa cultural, pessoal, subjetiva. Mas ela precisa ser percebida pelas pessoas. De que o nosso mundo não existe apenas para nos beneficiarmos com essas "comodidades" que a energia elétrica em particular nos fornece. Agora isso exige um esforço, e a gente vive num mundo em que esse esforço de perceber a vida de outra forma não é incentivado. Por isso é difícil. E por isso, para quem quer construir uma usina, quer se dar bem, quer ganhar voto, quer manter a situação de privilégio, seja local ou nacional, para essas pessoas é muito fácil o convencimento que é praticado com relação a essas obras. Por mais que eu tenha sempre chamado a atenção para o caráter absolutamente ilógico da usina, das questões que envolvem a lógica econômico e financeira dessa hidrelétrica, para o absurdo que é a utilização do dinheiro público para isso, para a referência à necessidade de se precisar, num futuro próximo, enfrentar um ritmo violento de custo de vida, emitindo moeda para sustentar empreendimentos como esse, é muito difícil fazer com que as pessoas compreendam a relação dessa situação com as grandes obras. E Belo Monte é mais um instrumento disso. Eu não sou catastrofista, não tenho a percepção maléfica da hidroeletricidade. Não demonizo a hidroeletricidade. Eu apenas constato que, da forma como ela é concebida, particularmente no nosso país nos últimos anos, é uma das bases da injustiça social e da degradação ambiental. Se não é pensando em você, você necessariamente vai precisar pensar nas gerações futuras. Este é o recado para o leitor: é preciso repensar a relação com a energia e o modelo de desenvolvimento, é preciso mudar o nosso perfil industrial e também é preciso mudar a cultura das pessoas com relação aos hábitos de consumo. Nós precisamos mudar a relação que nos leva a uma cega exaustão de recursos.

    Em Brasília há um vírus letal que se chama ‘Brasilite’. É um verme que entra pelo umbigo e faz com que a pessoa se ache o centro do universo"
    Célio Bermann
    - O senhor acha que a Dilma tem essa obstinação com Belo Monte, em parte, por teimosia?
    Bermann -
    Ela é muito cabeça dura.
    - Às vezes eu acho que as questões subjetivas têm um peso maior do que a gente costuma dar. Não sei...
    Bermann -
    É, mas eu também não sei, não tenho nenhuma proximidade maior com o que ela está pensando agora. O que eu sei é que, no dia a dia, lá no ministério, ela demonstrava uma capacidade muito reduzida de ouvir. Ela pode até ouvir, mas as coisas na cabeça dela já estão postas.
    - Por que o senhor saiu do governo em 2004?
    Bermann -
    Porque venceu o contrato, e eu achei que não valia a pena continuar. Há conhecidos meus que foram na mesma época que eu e estão até hoje em Brasília. Não estão mais no ministério, mas estão em Brasília. Acho que Brasília é uma cidade com um vírus letal, que é a "Brasilite". A "Brasilite" se compõe de um verme que entra no umbigo e toma a barriga da pessoa de forma a ela achar que é o centro do universo. A partir daí, mudam as relações pessoais, o que a pessoa era e o que ela passa a ser. Eu mesmo perdi muitos amigos que começaram a empinar o queixo. Fazer o quê? E isso faz parte do “modus vivendi” brasiliense. Basta você ter um terno e uma gravata que você é doutor. Eu acho que a gente não vai muito longe alimentando isso.
    - O senhor participou da elaboração do programa de Lula na campanha de 2002 e participou do primeiro ano de governo. Está desiludido?
    Bermann –
    Eu não aceito quando me definem como: "Ah, você também é daqueles que estão desiludidos, estão chateados...". Tem essa conotação, né? Em absoluto. Eu não estou desiludido, chateado, bronqueado. Eu estou indignado!
    - Quando o senhor se desfiliou do PT?
    Bermann –
    Ah, quando o bigode do Sarney estava aparecendo muito nas fotos.

    sábado, 14 de setembro de 2013

    As organizações Globo reconhecem: apoiar o golpe militar de 64 foi um erro

    Apoio editorial ao golpe de 64 foi um erro

    • A consciência não é de hoje, vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo concluíram que, à luz da História, o apoio se constituiu um equívoco

    RIO - Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura.
    Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.

    Há alguns meses, quando o Memória estava sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma excelente oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. E um texto com o reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse pronto.
    Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.
    Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas.
    De nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos, ao reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema que está no Memória, a partir de hoje no ar:
    1964
    “Diante de qualquer reportagem ou editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar de 1964.
    A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais.
    Naqueles instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas.
    Na noite de 31 de março de 1964, por sinal, O GLOBO foi invadido por fuzileiros navais comandados pelo Almirante Cândido Aragão, do “dispositivo militar” de Jango, como se dizia na época. O jornal não pôde circular em 1º de abril. Sairia no dia seguinte, 2, quinta-feira, com o editorial impedido de ser impresso pelo almirante, “A decisão da Pátria”. Na primeira página, um novo editorial: “Ressurge a Democracia”.
    A divisão ideológica do mundo na Guerra Fria, entre Leste e Oeste, comunistas e capitalistas, se reproduzia, em maior ou menor medida, em cada país. No Brasil, ela era aguçada e aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída negociada para que ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio Quadros. Obteve, então, os poderes plenos do presidencialismo. Transferir parcela substancial do poder do Executivo ao Congresso havia sido condição exigida pelos militares para a posse de Jango, um dos herdeiros do trabalhismo varguista. Naquele tempo, votava-se no vice-presidente separadamente. Daí o resultado de uma combinação ideológica contraditória e fonte permanente de tensões: o presidente da UDN e o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o rastilho da crise institucional.
    A situação política da época se radicalizou, principalmente quando Jango e os militares mais próximos a ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de “base” “na lei ou na marra”. Os quartéis ficaram intoxicados com a luta política, à esquerda e à direita. Veio, então, o movimento dos sargentos, liderado por marinheiros — Cabo Ancelmo à frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e o oficialato reagiu.
    Naquele contexto, o golpe, chamado de “Revolução”, termo adotado pelo GLOBO durante muito tempo, era visto pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma democracia. Os militares prometiam uma intervenção passageira, cirúrgica. Na justificativa das Forças Armadas para a sua intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à esquerda, o poder voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas, num primeiro momento, as eleições presidenciais de 1966.
    O desenrolar da “revolução” é conhecido. Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos, até saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes de receber a faixa.
    No ano em que o movimento dos militares completou duas décadas, em 1984, Roberto Marinho publicou editorial assinado na primeira página. Trata-se de um documento revelador. Nele, ressaltava a atitude de Geisel, em 13 de outubro de 1978, que extinguiu todos os atos institucionais, o principal deles o AI5, restabeleceu o habeas corpus e a independência da magistratura e revogou o Decreto-Lei 477, base das intervenções do regime no meio universitário.
    Destacava também os avanços econômicos obtidos naqueles vinte anos, mas, ao justificar sua adesão aos militares em 1964, deixava clara a sua crença de que a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha urbana. E, ainda, revelava que a relação de apoio editorial ao regime, embora duradoura, não fora todo o tempo tranquila. Nas palavras dele: “Temos permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução], embora conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.”
    Não eram palavras vazias. Em todas as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade. Cobrou de Getúlio uma constituinte que institucionalizasse a Revolução de 30, foi contra o Estado Novo, apoiou com vigor a Constituição de 1946 e defendeu a posse de Juscelino Kubistchek em 1955, quando esta fora questionada por setores civis e militares.
    Durante a ditadura de 1964, sempre se posicionou com firmeza contra a perseguição a jornalistas de esquerda: como é notório, fez questão de abrigar muitos deles na redação do GLOBO. São muitos e conhecidos os depoimentos que dão conta de que ele fazia questão de acompanhar funcionários de O GLOBO chamados a depor: acompanhava-os pessoalmente para evitar que desaparecessem. Instado algumas vezes a dar a lista dos “comunistas” que trabalhavam no jornal, sempre se negou, de maneira desafiadora.
    Ficou famosa a sua frase ao general Juracy Magalhães, ministro da Justiça do presidente Castello Branco: “Cuide de seus comunistas, que eu cuido dos meus”. Nos vinte anos durante os quais a ditadura perdurou, O GLOBO, nos períodos agudos de crise, mesmo sem retirar o apoio aos militares, sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática.
    Contextos históricos são necessários na análise do posicionamento de pessoas e instituições, mais ainda em rupturas institucionais. A História não é apenas uma descrição de fatos, que se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.
    Os homens e as instituições que viveram 1964 são, há muito, História, e devem ser entendidos nessa perspectiva. O GLOBO não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país.
    À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”


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    domingo, 25 de agosto de 2013

    Importação de médicos cubanos não é nova - José Serra também importou

    obitido de : http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff2605200310.htm

    SAÚDE

    Convênio entre Tocantins e Cuba trouxe 258 profissionais da área; governo diz que faltam especialistas brasileiros

    Médico cubano ganha até R$ 10 mil no TO
    FÁTIMA FERNANDES
    CLAUDIA ROLLI
    DA REPORTAGEM LOCAL
    Um convênio firmado em janeiro do ano passado entre o governo do Tocantins e o Ministério da Saúde de Cuba para a contratação de 210 médicos, 40 enfermeiros e 8 técnicos cubanos para hospitais públicos da região causa alvoroço e expõe um problema que o governo Lula vai ter de enfrentar: como lidar com o empregado estrangeiro, considerando o elevado índice de desemprego no país.
    O Conselho Regional de Medicina do Estado de Tocantins informa que há 53 médicos cubanos com registro no conselho, mas estima que 150 trabalham no Estado sem registro, o que desrespeita o convênio que os trouxe ao Brasil. O contrato estabelece que os cubanos estão sujeitos à legislação brasileira (diplomas reconhecidos e registro no CRM).
    A ausência de inscrição no conselho e o fato de os cubanos -que chegam a ganhar R$ 10 mil/ mês- não terem prestado concurso público para trabalhar no Estado levaram o Ministério Público do Trabalho do Tocantins a investigar as contratações.
    "O Estado tem de realizar concurso público, como estabelece o artigo 37, inciso II da Constituição", afirma Antônio Carlos Cavalcante Rodrigues, procurador do trabalho do Tocantins.
    Henrique Furtado, secretário da Saúde do Estado do Tocantins, diz que o convênio com Cuba foi feito porque faltam profissionais brasileiros para trabalhar no interior. Segundo ele, há na região 134 médicos e 19 enfermeiros cubanos, que estão em processo de revalidação de diploma e registro no CRM. O Estado prepara a realização de concurso público, diz.
    "Os médicos brasileiros querem morar em Copacabana [no Rio de Janeiro]. Se os cubanos saírem daqui, teremos dificuldade para substituí-los", diz Furtado. Quase metade dos 139 municípios do Tocantins possui menos de 5.000 habitantes, que vivem em áreas com saneamento básico precário.
    Os médicos cubanos já estavam instalados no Tocantins antes de o convênio ter sido firmado. Desde 98, o Estado optou pela contratação desses profissionais. Alguns médicos foram transferidos da Fundap (Fundação de Apoio à Pesquisa da Universidade Federal do Amapá) para o Tocantins.
    O Ministério do Trabalho foi informado recentemente pelo Ministério Público do Trabalho do Tocantins e pelo Conselho Regional de Medicina do Estado sobre esse convênio. O ministério pediu à DRT (Delegacia Regional do Trabalho) do Estado para fiscalizar e relatar o caso na região.
    O que chama a atenção do ministério -além do grande número de cubanos na região- é a renda mensal dos profissionais. Pelo convênio, os médicos recebem um salário mensal de R$ 2.880, o mesmo pago aos brasileiros.
    Os cubanos ainda têm direito a R$ 2.500 mensais por participarem do Programa Saúde da Família, além de verbas do SUS e de convênios. Os médicos recebem uma parte dessa verba por atendimento feito. Isso não vale para os brasileiros, segundo o ministério.
    Cálculos de técnicos do Ministério do Trabalho mostram que os salários dos médicos cubanos podem chegar a R$ 10 mil por mês. O secretário da Saúde do Tocantins confirma que, em alguns municípios, os médicos chegam a receber até R$ 10 mil por mês, pois, para manter os profissionais, as prefeituras oferecem vantagens como moradia e alimentação.
    "O estranho é que sei de muito médico brasileiro que tem salário de R$ 500 a R$ 800 e que gostaria de trabalhar por esse salário que está sendo oferecido", diz o procurador-geral do Trabalho, Guilherme Mastrichi Basso.
    Em fevereiro deste ano, o CRM do Tocantins encaminhou ao Ministério da Justiça um relatório para informar sobre a ausência de registro dos médicos cubanos.
    "O ministro [Jaques Wagner] pediu para verificarmos o que acontece no Tocantins. Não estamos aqui para defender o CRM, mas, se o ministério constatar irregularidade trabalhista, os vistos dos cubanos serão indeferidos", afirma Hebe Romano, coordenadora-geral de imigração do Ministério do Trabalho.
    Para o presidente da Associação Médica Brasileira (AMB), Eleuses Vieira de Paiva, o Brasil tem "excesso" de médicos. Segundo dados da AMB, dos 285 mil médicos brasileiros cerca de 60% atuam na capital e 40%, no interior.

    A desproporção da participação de SP na Câmara dos Deputados - Isso é democracia?

    obtido de: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000300006

    A coluna 'A-B' mostra que SP tem 41 representantes a menos do que deveria. Se não houvesse limite do número de cadeiras, SP teria 111 representantes, em vez de 70.
    Um cidadão mineiro, no voto, vale 1,5 mais que um eleitor paulista. O do RJ vale 1,7 a mais. Um cidadão de Roraima vale 12 vezes mais que um paulista. Essa é nossa democracia.

    Percentual da População dos Estados, Número de Cadeiras dos Estados na Câmara (Absoluto e Percentual) e Número de Cadeiras dos Estados na Câmara Proporcional à População (Absoluto e Percentual) ¾ 1994

    Estado %
    População
    Número de
    Cadeiras
    (1994)
    [A]
    % Número de Cadeiras
    Proporcional à
    População dos
    Estados
    [B]
    % A - B
    SP 21,6 70 13,6 111 21,6 - 41
    MG 10,6 53 10,3 54 10,5 - 1
    RJ 8,5 46 9,0 44 8,6 + 2
    BA 8,1 39 7,6 42 8,2 - 3
    RS 6,1 31 6,0 32 6,2 - 1
    PR 5,6 30 5,8 29 5,7 + 1
    PE 4,8 25 4,9 25 4,9 0
    CE 4,3 22 4,3 22 4,3 0
    PA 3,5 17 3,3 18 3,5 - 1
    MA 3,4 18 3,5 17 3,3 + 1
    SC 3,1 16 3,1 16 3,1 0
    GO 2,8 17 3,3 14 2,7 + 3
    PB 2,1 12 2,3 11 2,1 + 1
    ES 1,8 10 1,9 9 1,8 + 1
    PI 1,7 10 1,9 9 1,8 + 1
    AL 1,7 9 1,8 9 1,8 0
    RN 1,7 8 1,6 8 1,6 0
    AM 1,5 8 1,6 8 1,6 0
    MT 1,5 8 1,6 8 1,6 0
    MS 1,2 8 1,6 6 1,2 + 2
    DF 1,1 8 1,6 6 1,2 + 2
    SE 1,0 8 1,6 5 1,0 + 3
    RO 0,9 8 1,6 4 0,8 + 4
    TO 0,6 8 1,6 3 0,6 + 5
    AC 0,3 8 1,6 1 0,2 + 7
    AP 0,2 8 1,6 1 0,2 + 7
    RR 0,2 8 1,6 1 0,2 + 7
    Total 100,0 513 100,0 513 100,0

    sábado, 24 de agosto de 2013

    No Congresso, um cidadão de São Paulo vale 10 vezes menos que um cidadão de Roraima. Democracia?

    Excelente artigo de Roberto Pompeu de Toledo, sobre o grande flagelo de uma democracia fraca: no Congresso, um cidadão de São Paulo vale 10 vezes menos que um cidadão de Roraima

    Onde está a democracia?

    obtido de: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/roberto-pompeu-de-toledo-o-teto-para-o-numero-de-deputados-para-os-estados-distorce-completamente-a-representacao-popular/

    O GRANDE AUSENTE

    O limite para o número de deputados para os Estados distorce completamente a representação popular

    Roberto Pompeu de Toledo
    Roberto Pompeu de Toledo

    O grande ausente das atuais cogitações sobre a reforma política é o dispositivo constitucional que estabelece o mínimo de oito deputados e o máximo de setenta para cada bancada estadual.
    A “crise de representatividade” é alardeada sempre como motivo central para a reforma do sistema. No entanto, não se fala nesse grande fator de distorção na representatividade que é o artigo 45 da Constituição, ao estabelecer um mínimo de oito deputados e um máximo de setenta por estado.
    Para citar o exemplo clássico, São Paulo, que bate no teto constitucional, tem um deputado para cada 600.000 habitantes, enquanto Roraima, o menos populoso dos estados, tem um para cada 58.750.
    Resulta daí uma sub-representação de São Paulo, uma super-representação de Roraima e, computadas todas as outras distorções, entre tais extremos, uma Câmara dos Deputados capenga, muito longe de espelhar equitativamente a população brasileira.
    Voto distrital é feito para eleger representantes de uma comunidade de eleitores, não de um Estado. Misturar populações de Estados diferentes para formar distritos viria ao encontro do espírito que o anima.
    Costuma-se culpar o “pacote de abril”, funesta reforma baixada pela ditadura, em 1977, pela distorção. O pacote de abril é culpado por muita coisa, inclusive pela grotesca instituição do “senador biônico” (não eleito, mas nomeado), mas não por isso.
    Os limites vêm desde a Constituição republicana de 1891 (mínimo de quatro e máximo por um cálculo variável) e vieram se agravando (a Constituição de 1946 previa mínimo de sete e máximo também por um cálculo variável) até chegar ao ápice na Constituição de 1988, justamente a mais democrática de nossa história.
    Segundo teoria geralmente aceita, interessa aos governantes conferir maior representatividade a regiões menos populosas por serem de mais fácil manipulação. A imposição de limites seria portanto um freio de espírito conservador contra as aspirações dos setores sociais mais avançados.
    A questão não vem de agora, nem é apenas daqui. No Japão agora mesmo a má distribuição dos distritos pelos quais são eleitos os deputados levou a Suprema Corte a declarar a Câmara em “estado de inconstitucionalidade”.
    Em toda parte do mundo, as relações entre regiões, estados, municípios ou até bairros são embaraçosas e difíceis de superar. A equidade é ainda mais reclamada, e a distorção fica mais evidente, quando o sistema de eleição dos deputados é o majoritário em distritos reduzidos — o sistema conhecido no Brasil por “voto distrital”. Caso fosse instituído entre nós, sem mexer com os limites constitucionais vigentes, cada distrito de São Paulo teria 600.000 eleitores, contra 58.750 em Roraima — receita certa para uma Câmara estapafúrdia, em que a carência de representatividade ficaria ainda mais exposta do que na atual.
    É difícil estabelecer negociações entre unidades federativas quando de algumas se pede que abram mão do que supõem sejam conquistas. O Tribunal Superior Eleitoral determinou em abril, com base nos resultados do Censo de 2010, uma atualização das bancadas que implicaria, nas eleições de 2014, o aumento delas em cinco Estados e a diminuição em oito.
    Maior ganhador, o Pará ficaria com quatro deputados a mais, mas a maioria ganharia ou perderia apenas um. O presidente da Câmara avisou de pronto que o assunto era delicado e demandava reflexão. Nunca se procedeu à atualização das bancadas, desde a Constituição de 1988; a tendência é sempre deixar as coisas como estão.
    Se é assim com os pequenos ajustes, imagine-se com um maior, como o que revogaria os limites máximo e mínimo. E, se os ajustes são difíceis assim no sistema atual, imagine-se no caso de ser implantado o voto distrital.
    Uma possível estratégia para quebrar o impasse seria radicalizar o conceito de que deputado é representante do povo. O conceito já está escrito na Constituição: radicalizá-lo significaria precisar que, sendo representante do povo, não é do Estado. Nas regiões fronteiriças, haveria distritos que misturariam populações de um lado e de outro; e Estados de escassa população, como Roraima, se juntariam a vizinhos para formar um distrito.
    Voto distrital é feito para eleger representantes de uma comunidade de eleitores, não de um Estado. Misturar populações de Estados diferentes para formar distritos viria ao encontro do espírito que o anima. De quebra, com isso se valorizaria o papel do Senado, esta sim a Casa de representação dos Estados, hoje tão redundante com relação à Câmara.

    quinta-feira, 22 de agosto de 2013

    Médicos cubanos no Haiti deixam o resto do mundo envergonhado / Cuban medics in Haiti put the world to shame

    obtido de: http://www.independent.co.uk/life-style/health-and-families/health-news/cuban-medics-in-haiti-put-the-world-to-shame-2169415.html


    (See the original English text after this translated to Portuguese)



    (em português)

    Médicos e enfermeiros de Castro são a espinha dorsal da luta contra a cólera

    Eles são os verdadeiros heróis do desastre do terremoto no Haiti, a catástrofe humana
    bem na porta da América, para quem Barack Obama prometeu uma monumental missão humanitária. Porém, esses heróis vêm da arqui-inimiga dos EUA, Cuba, cujos médicos e enfermeiros deixaram os esforços norteamericanos ridicularizados.

    Uma brigada de 1.200 médicos cubanos está operando em tod
    a a área do Haiti devastada pelo terremoto e infectado pela cólera, como parte da missão médica internacional de Fidel Castro, que fez o Estado socialista ganhar a simpatia de muitos, mas pouco reconhecimento internacional.
     
    Observadores do terremoto no Haiti poderiam ser perdoados por pensar que as agências de ajuda internacionais estavam sozinhas na luta contra a devastação que matou 250.000 pessoas e deixou cerca de 1,5 milhão de desabrigados. De fato, trabalhadores da saúde cubanos estão no Haiti desde 1998. Portanto,, quando o terremoto aconteceu, logo uma equipe médica de 350 pessoas entrou em ação. E em meio a fanfarra e publicidade em torno da chegada de ajuda os EUA e do Reino Unido, mais centenas de médicos cubanos, enfermeiros e terapeutas chegaram com uma ou outra menção. A maioria dos países deixaram o Haiti em dois meses, novamente deixando os cubanos e os Médicos Sem Fronteiras como os principais prestadores de serviços médicos para a ilha caribenha.

    Números divulgados na semana passada mostram que o pessoal médico cubano, trabalhando em 40 centros em todo o Haiti, tem tratado mais de 30.000 doentes de cólera desde outubro. Eles são o maior contingente estrangeiro, tratando cerca de 40 por cento de todos os doentes de cólera. Outro grupo de médicos da brigada cubana Henry Reeve, uma equipe especializada em desastres e emergência, chegou recentemente, e tornou-se claro que o Haiti estava sofrendo com a epidemia que já matou centenas de pessoas.

    Desde 1998, Cuba treinou 550 médicos haitianos gratuitamente na Escola Latinoamericana de Medicina en Cuba (Elam), um dos empreendimentos médicos mais avançados do país. Outros 400 estão sendo treinados na faculdade, que oferece ensino gratuito - incluindo livros gratuitos e um pouco de dinheiro para as despesas - para qualquer pessoa suficientemente qualificada que não pode pagar os estudos de Medicina em seu próprio país.

    John Kirk é professor de Estudos Latino-Americanos na Universidade Dalhousie, no Canadá, que pesquisa equipes médicas internacionais de Cuba. Ele disse: "A contribuição de Cuba no Haiti é como o maior segredo do mundo.  Eles raramente são mencionados pela mídia , apesar de fazer a maior parte do trabalho pesado."

    Esta tradição remonta a 1960, quando Cuba enviou médicos para o Chile, atingido por um forte terremoto, seguido por uma equipe de 50 para a Argélia em 1963. Isso foi quatro anos após a revolução, que viu perto da metade dos 7.000 médicos deixarem o país, em direção aos EUA.

    Os médicos que viajam têm servido como um instrumento extremamente útil da política externa e econômica do governo, ganhando simpatias e favores pelo mundo. O programa mais conhecido é a Operação Milagre, que começou com os oftalmologistas tratando portadores de catarata venezuelanos em aldeias pobres em troca de petróleo. Esta iniciativa tem restaurado a visão de 1,8 milhões de pessoas em 35 países, incluindo o de Mario Terán, o sargento boliviano que matou Che Guevara em 1967.

    A Brigada Henry Reeve, rejeitada pelos americanos após o furacão Katrina, foi a primeira equipe a chegar ao Paquistão após o terremoto de 2005, e a última a sair seis meses depois.

    A Constituição de Cuba estabelece a obrigação de ajudar os países mais desfavorecidos, mas a solidariedade internacional não é a única razão, segundo o professor Kirk. "Isso permite aos médicos cubanos, que são terrivelmente mal pagos, ganharem um dinheiro extra no estrangeiro e aprenderem mais sobre as doenças e condições sobre as quais apenas estudou. É também uma obsessão de Fidel porque ganha votos na ONU."

    Um terço dos 75 mil médicos de Cuba, juntamente com outros 10 mil trabalhadores de saúde, estão atualmente trabalhando em 77 países pobres, incluindo El Salvador, Mali e Timor Leste. Isso ainda deixa um médico para cada 220 pessoas no país, uma das mais altas taxas do mundo, em comparação com um para cada 370 na Inglaterra.


    Onde quer que sejam convidados, os cubanos implementam o seu modelo holístico focado na prevenção, visitando famílias em casa, monitorando de forma proativa a saúde materna e infantil. Isso produziu "resultados impressionantes" em regiões de El Salvador, Honduras e Guatemala, reduzindo as taxas de mortalidade infantil e materna, redução de doenças infecciosas e deixando para trás trabalhadores locais de saúde mais qualificados, de acordo com a pesquisa do professor Kirk.

    A formação médica em Cuba dura seis anos - um ano mais do que no Reino Unido - após o qual todos os pós-graduados trabalham como um médico de família por três anos no mínimo. Trabalhando ao lado de uma enfermeira, o médico de família cuida de 150 a 200 famílias na comunidade em que vive.

    Este modelo ajudou Cuba a alcançar algumas das melhorias de saúde mais invejáveis do mundo, apesar de gastar apenas $ 400 (£ 260) por pessoa no ano passado em comparação com $ 3.000 (£ 1.950) no Reino Unido e $ 7.500 (£ 4,900) em os EUA, de acordo com dados das Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento.

    As taxas de mortalidade infantil, uma das medidas mais confiáveis da saúde de uma nação, é de 4,8 por mil nascidos vivos - comparável com a Grã-Bretanha e menor do que os EUA. Apenas 5 por cento dos bebês nascem com baixo peso ao nascer, um fator crucial para a saúde a longo prazo, e a mortalidade materna é a mais baixa da América Latina, demonstram os números da Organização Mundial de Saúde. Policlínicas de Cuba, abertas 24 horas por dia para emergências e cuidados especializados, é um passo à frente dos médicos de família. Cada uma provê de 15.000 a 35.000 pacientes por meio de um grupo de consultores em tempo integral, bem como acompanham os médicos, garantindo que a maioria dos cuidados médicos são prestados na comunidade.

    Imti Choonara, um pediatra de Derby, lidera uma delegação de profissionais de saúde internacionais, em mutirões anuais na terceira maior cidade de Cuba, Camagüey. "Saúde em Cuba é fenomenal, e a chave é o médico de família, que é muito mais proativo, e cujo foco é a prevenção ... A ironia é que os cubanos vieram ao Reino Unido após a revolução para ver como o NHS funcionava. Eles retornam com aquilo que aprenderam, refinaram e desenvolveram ainda mais, enquanto nós nos movemos em direção ao modelo dos EUA ", disse o professor Choonara.

    A política, inevitavelmente, penetra muitos aspectos da saúde cubana. Todos os anos os hospitais produzem uma lista de medicamentos e equipamentos que estão indisponíveis por causa do embargo americano que impede muitas empresas dos EUA a negociar com Cuba, e convence outros países a seguir o exemplo. O relatório de 2009/10 inclui medicamentos para o cancro infantil, HIV e artrite, alguns anestésicos, bem como produtos químicos necessários para o diagnóstico de infecções e armazenamento de órgãos. Farmácias em Cuba são caracterizados por longas filas e prateleiras esparsamente empilhados, embora, em parte, isso ocorre porque eles estocam apenas marcas genéricas.

    Antonio Fernandez, do Ministério da Saúde Pública, disse: "Nós fazemos 80 por cento dos medicamentos que usamos O resto nós importamos da China, países da ex-União Soviética, Europa -
    qualquer um que venda para nós - mas isso torna muito caro. por causa das distâncias. "

    Em geral, os cubanos são imensamente orgulhosos
    e favoráveis a sua contribuição ao Haiti e a outros países pobres, pela satisfação de cumprir com prazer de estar fazendo algo aparentemente além de suas possibilidades na cena internacional. No entanto, algumas pessoas queixam-se do aumento da espera para ver o seu médico, pois muitos estão trabalhando no exterior. E, como todas as commodities em Cuba, os medicamentos estão disponíveis no mercado negro para aqueles dispostos a arriscar grandes multas se for pego comprando ou vendendo.
    As viagens internacionais estão além do alcance da maioria dos cubanos, mas os médicos e enfermeiros qualificados estão entre os proibidos de deixar o país por cinco anos após a graduação, salvo como parte de uma equipe médica oficial.

    Como todo mundo, os profissionais de saúde ganham salários miseráveis
    em torno de 20 dólares por mês. Assim, ao contrário do contas oficiais, a corrupção existe no sistema hospitalar, o que significa que alguns médicos e até hospitais, estão além dos limites, a menos que os pacientes podem oferecer alguma coisa, talvez almoçar ou alguns pesos, para tratamento preferencial.

    Empreendimentos internacionais de Cuba na área da saúde estão se tornando cada vez mais estratégicos. No mês passado, funcionários mantiveram conversações com o Brasil sobre o desenvolvimento do sistema de saúde pública do Haiti, no qual o Brasil e a Venezuela concordaram em ajudar a financiar.

    A formação médica é outro exemplo. Existem atualmente 8.281 alunos de mais de 30 países matriculados na Elam, que no mês passado comemorou o seu 11 º aniversário. O governo espera incutir um senso de responsabilidade social, em que os alunos, na esperança de que eles vão trabalhar dentro de suas próprias comunidades pobres pelo menos cinco anos.

    Damien Joel Suárez, 27, um segund
    anista de New Jersey, é um dos 171 estudantes norte-americanos; 47 já se formaram. Ele rejeita as alegações de que Elam é parte da máquina de propaganda cubana. "É claro que Che é um herói aqui, mas ele não o obriga a nada."

    Outros 49 mil alunos estão matriculados no El Nuevo Programa de Formação de Médicos Latino-americanos,
    de autoria de Fidel Castro e Hugo Chávez, que prometeram em 2005 treinar 100 mil médicos para o continente. O curso é muito mais prático, e os críticos questionam a qualidade da formação.

    O professor Kirk discorda:. "A abordagem
    high-tech para a saúde necessários em Londres e Toronto é irrelevante para milhões de pessoas no Terceiro Mundo que estão vivendo na pobreza É fácil ficar de fora e criticar a qualidade, mas se você vivesse em algum lugar sem médicos, então você ficaria feliz em levar alguém. "

    Há nove milhões de haitianos que provavelmente concordariam.

    Cuban medics in Haiti put the world to shame

    Castro's doctors and nurses are the backbone of the fight against cholera

    They are the real heroes of the Haitian earthquake disaster, the human catastrophe on America's doorstep which Barack Obama pledged a monumental US humanitarian mission to alleviate. Except these heroes are from America's arch-enemy Cuba, whose doctors and nurses have put US efforts to shame.

    A medical brigade of 1,200 Cubans is operating all over earthquake-torn and cholera-infected Haiti, as part of Fidel Castro's international medical mission which has won the socialist state many friends, but little international recognition.
    Observers of the Haiti earthquake could be forgiven for thinking international aid agencies were alone in tackling the devastation that killed 250,000 people and left nearly 1.5 million homeless. In fact, Cuban healthcare workers have been in Haiti since 1998, so when the earthquake struck the 350-strong team jumped into action. And amid the fanfare and publicity surrounding the arrival of help from the US and the UK, hundreds more Cuban doctors, nurses and therapists arrived with barely a mention. Most countries were gone within two months, again leaving the Cubans and Médecins Sans Frontières as the principal healthcare providers for the impoverished Caribbean island.
    Figures released last week show that Cuban medical personnel, working in 40 centres across Haiti, have treated more than 30,000 cholera patients since October. They are the largest foreign contingent, treating around 40 per cent of all cholera patients. Another batch of medics from the Cuban Henry Reeve Brigade, a disaster and emergency specialist team, arrived recently as it became clear that Haiti was struggling to cope with the epidemic that has already killed hundreds.
    Since 1998, Cuba has trained 550 Haitian doctors for free at the Escuela Latinoamericana de Medicina en Cuba (Elam), one of the country's most radical medical ventures. Another 400 are currently being trained at the school, which offers free education – including free books and a little spending money – to anyone sufficiently qualified who cannot afford to study medicine in their own country.
    John Kirk is a professor of Latin American studies at Dalhousie University in Canada who researches Cuba's international medical teams. He said: "Cuba's contribution in Haiti is like the world's greatest secret. They are barely mentioned, even though they are doing much of the heavy lifting."
    This tradition can be traced back to 1960, when Cuba sent a handful of doctors to Chile, hit by a powerful earthquake, followed by a team of 50 to Algeria in 1963. This was four years after the revolution, which saw nearly half the country's 7,000 doctors voting with their feet and leaving for the US.
    The travelling doctors have served as an extremely useful arm of the government's foreign and economic policy, winning them friends and favours across the globe. The best-known programme is Operation Miracle, which began with ophthalmologists treating cataract sufferers in impoverished Venezuelan villages in exchange for oil. This initiative has restored the eyesight of 1.8 million people in 35 countries, including that of Mario Teran, the Bolivian sergeant who killed Che Guevara in 1967.
    The Henry Reeve Brigade, rebuffed by the Americans after Hurricane Katrina, was the first team to arrive in Pakistan after the 2005 earthquake, and the last to leave six months later.
    Cuba's constitution lays out an obligation to help the worst-off countries when possible, but international solidarity isn't the only reason, according to Professor Kirk. "It allows Cuban doctors, who are frightfully underpaid, to earn extra money abroad and learn about diseases and conditions they have only read about. It is also an obsession of Fidel's and it wins him votes in the UN."
    A third of Cuba's 75,000 doctors, along with 10,000 other health workers, are currently working in 77 poor countries, including El Salvador, Mali and East Timor. This still leaves one doctor for every 220 people at home, one of the highest ratios in the world, compared with one for every 370 in England.
    Wherever they are invited, Cubans implement their prevention-focused holistic model, visiting families at home, proactively monitoring maternal and child health. This has produced "stunning results" in parts of El Salvador, Honduras and Guatemala, lowering infant and maternal mortality rates, reducing infectious diseases and leaving behind better trained local health workers, according to Professor Kirk's research.
    Medical training in Cuba lasts six years – a year longer than in the UK – after which every graduate works as a family doctor for three years minimum. Working alongside a nurse, the family doctor looks after 150 to 200 families in the community in which they live.
    This model has helped Cuba to achieve some of the world's most enviable health improvements, despite spending only $400 (£260) per person last year compared with $3,000 (£1,950) in the UK and $7,500 (£4,900) in the US, according to Organisation for Economic Co-operation and Development figures.
    Infant mortality rates, one of the most reliable measures of a nation's healthcare, are 4.8 per 1,000 live births – comparable with Britain and lower than the US. Only 5 per cent of babies are born with a low birth weight, a crucial factor in long-term health, and maternal mortality is the lowest in Latin America, World Health Organisation figures show. Cuba's polyclinics, open 24 hours a day for emergencies and specialist care, are a step up from the family doctors. Each provides for 15,000 to 35,000 patients via a group of full-time consultants as well as visiting doctors, ensuring that most medical care is provided in the community.
    Imti Choonara, a paediatrician from Derby, leads a delegation of international health professionals at annual workshops in Cuba's third city, Camaguey. "Healthcare in Cuba is phenomenal, and the key is the family doctor, who is much more proactive, and whose focus is on prevention ... The irony is that Cubans came to the UK after the revolution to see how the NHS worked. They took back what they saw, refined it and developed it further; meanwhile we are moving towards the US model," Professor Choonara said.
    Politics, inevitably, penetrates many aspects of Cuban healthcare. Every year hospitals produce a list of drugs and equipment they have been unable to access because of the American embargo which prevents many US companies from trading with Cuba, and persuades other countries to follow suit. The 2009/10 report includes drugs for childhood cancers, HIV and arthritis, some anaesthetics, as well as chemicals needed to diagnose infections and store organs. Pharmacies in Cuba are characterised by long queues and sparsely stacked shelves, though in part this is because they stock only generic brands.
    Antonio Fernandez, from the Ministry of Public Health, said: "We make 80 per cent of the drugs we use. The rest we import from China, former Soviet countries, Europe – anyone who will sell to us – but this makes it very expensive because of the distances."
    On the whole, Cubans are immensely proud and supportive of their contribution in Haiti and other poor countries, delighted to be punching above their weight on the international scene. However, some people complain of longer waits to see their doctor because so many are working abroad. And, like all commodities in Cuba, medicines are available on the black market for those willing to risk large fines if caught buying or selling.
    International travel is beyond the reach of most Cubans, but qualified nurses and doctors are among those forbidden from leaving the country for five years after graduation, unless as part of an official medical team.
    Like everyone else, health professionals earn paltry salaries of around $20 (£13) a month. So, contrary to official accounts, bribery exists in the hospital system, which means some doctors, and even hospitals, are off-limits unless patients can offer a little something, maybe lunch or a few pesos, for preferential treatment.
    Cuba's international ventures in healthcare are becoming increasingly strategic. Last month, officials held talks with Brazil about developing Haiti's public health system, which Brazil and Venezuela have both agreed to help finance.
    Medical training is another example. There are currently 8,281 students from more than 30 countries enrolled at Elam, which last month celebrated its 11th anniversary. The government hopes to inculcate a sense of social responsibly into the students in the hope that they will work within their own poor communities for at least five years.
    Damien Joel Suarez, 27, a second year from New Jersey, is one of 171 American students; 47 have already graduated. He dismisses allegations that Elam is part of the Cuban propaganda machine. "Of course, Che is a hero here but he isn't forced down your neck."
    Another 49,000 students are enrolled in the El Nuevo Programa de Formacion de Medicos Latinoamericanos, the brainchild of Fidel Castro and Hugo Chavez, who pledged in 2005 to train 100,000 doctors for the continent. The course is much more hands-on, and critics question the quality of the training.
    Professor Kirk disagrees: "The hi-tech approach to health needed in London and Toronto is irrelevant for millions of people in the Third World who are living in poverty. It is easy to stand on the sidelines and criticise the quality, but if you were living somewhere with no doctors, then you'd be happy to get anyone."
    There are nine million Haitians who would probably agree.