terça-feira, 15 de abril de 2014

O problema não é Pasadena. O problema é a refinaria em Pernambuco.

Agência Reuters, jornalista Jeb Blount

(...) mesmo que a Petrobras tenha pago caro, a refinaria de Pasadena, com capacidade para processar 100 mil barris por dia, pode ter sido o melhor negócio em refino que a petroleira já fez em pelo menos três décadas.(...)

(...) Cada barril de nova capacidade de refino da Rnest custará cerca de 87 mil dólares à Petrobras, sete vezes mais do que em Pasadena, e duas a três vezes mais do que em refinarias modernas semelhantes que estão sendo construídas em outras partes do mundo.(...)


Obtido de:
http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRSPEA3A04220140411?sp=true



Por Jeb Blount



SÃO PAULO, 11 Abr (Reuters) - A compra de uma refinaria nos Estados Unidos pela Petrobras por 1,2 bilhão de dólares virou tema de campanha eleitoral, com a oposição afirmando que a estatal pagou 20 vezes mais que o valor justo pela unidade no Texas e que Dilma Rousseff errou ao aprovar o negócio quando era presidente do Conselho da empresa em 2006.
A investigação, porém, está provavelmente mirando na refinaria errada: mesmo que a Petrobras tenha pago caro, a refinaria de Pasadena, com capacidade para processar 100 mil barris por dia, pode ter sido o melhor negócio em refino que a petroleira já fez em pelo menos três décadas.
A Petrobras está pagando bem mais por novas refinarias no Brasil. É o caso da Refinaria do Nordeste (Rnest), perto do Recife, a primeira a ser construída no Brasil desde 1980. Com capacidade de 230 mil barris por dia, deverá custar 20 bilhões de dólares até ser inaugurada, dentro de alguns meses.
Cada barril de nova capacidade de refino da Rnest custará cerca de 87 mil dólares à Petrobras, sete vezes mais do que em Pasadena, e duas a três vezes mais do que em refinarias modernas semelhantes que estão sendo construídas em outras partes do mundo.
Desde que Dilma aprovou a construção da refinaria no Nordeste, no período em que foi presidente do Conselho da empresa (2003-2010), seu custo mais do que quadruplicou.
"Nunca ouvi falar de uma refinaria que custasse mais do que isso", disse Sam Margolin, analista de refino na empresa Cowan and Company, em Nova York.
"As refinarias são caras, e estouros de custos e (interferências) políticas são comuns, mas isso ainda está bem além de qualquer coisa que eu já tenha visto em qualquer lugar."
A Petrobras, incapaz de atender à demanda doméstica por combustíveis com as refinarias locais, precisa importar derivados de petróleo e sofre prejuízos com isso por causa dos controles de preços no mercado interno.
Por isso, é essencial para a empresa obter mais capacidade de refino a custo baixo, especialmente porque seu plano quinquenal de expansão, num valor de 221 bilhões de dólares, está mais focado na exploração de petróleo.
Os custos elevados contribuem para fazer da Petrobras a mais endividada e menos lucrativa entre todas as grandes companhias petrolíferas mundiais.
Dilma alega que não recebeu dados completos para a compra de Pasadena, e que por isso não pôde tomar uma decisão embasada.
A Petrobras já demitiu o diretor responsável pelo relatório que recomendou a compra, e o ex-diretor de operações de refino foi detido no mês passado em uma investigação sobre lavagem de dinheiro.
Críticos da compra afirmam que funcionários da Petrobras podem ter sido subornados para aprovar a transação.
A Petrobras não quis comentar sobre Pasadena, pois está conduzindo sua própria investigação, mas José Sergio Gabrielli, que era presidente da Petrobras na época da aquisição, disse nesta semana que a compra de Pasadena foi "um grande investimento".
Dilma até recentemente era vista como franca favorita para conseguir a reeleição em outubro, mas sua taxa de aprovação nas últimas semanas caiu de 42 para 36 por cento, e os escândalos do tempo da presidente na Petrobras podem prejudicá-la ainda mais.
CUSTOS ALTOS
É difícil comparar refinarias. A de Pasadena é uma instalação antiga, que precisava de modernizações, ao passo que a Rnest é uma refinaria nova e "limpa", com equipamentos tecnologicamente avançados e eficientes. Mas ainda assim é cara, mesmo em comparação a unidades novas.
O governo de Dilma Rousseff continua usando imagens da refinaria, uma vez chamada de Abreu e Lima, nos comerciais de TV que elogiam seus feitos, e a Petrobras atribuiu os estouros orçamentários à dificuldade de prever os preços e prazos para equipamentos, instalações e alvarás.
Para efeito de comparação, a saudita Aramco e a francesa Total construíram em Jubail (Arábia Saudita) uma refinaria para 400 mil barris diários por 10 bilhões de dólares, ou 25 mil dólares por barril --menos de um terço do custo da Rnest.
A chinesa Sinopec planeja concluir no ano que vem em Guangdong uma refinaria para 200 mil barris diários ao preço de 9 bilhões de dólares (45 mil dólares por barril), quase metade do custo da refinaria no Nordeste.
Em Port Arthur (Texas), a Aramco e a anglo-holandesa Royal Dutch Shell gastaram 10 bilhões de dólares por uma refinaria para 350 mil barris/dia, o que também equivale a um terço do valor em Pernambuco.
Em nível mundial, refinarias novas para o processamento de petróleo pesado estão custando "no máximo" 38 a 45 mil dólares por barril, segundo um consultor de refino dos EUA que trabalhou em refinarias da América do Norte, Oriente Médio, América Latina e Ásia.
Esse consultor, que pediu anonimato, considerou "exorbitante" o preço da refinaria nordestina, mesmo levando em conta os atrasos habituais em projetos na América Latina. Uma refinaria semelhante da Ecopetrol na Colômbia teve um a dois anos de atraso e um aumento de quase 50 por cento no preço, mas mesmo assim não chegou a custar 35 mil dólares por barril/dia, o que ainda é menos da metade da Rnest.
No fim das contas, a refinaria de Pasadena tem uma boa chance de dar lucro, ao passo que a Rnest provavelmente nunca cobrirá seus custos.
As refinarias na costa norte-americana do Golfo do México, onde fica Pasadena, geralmente lucram cerca de 10 dólares por barril refinado, segundo Margolin, da Cowan and Company, e Alen Good, analista de ações de empresas de petróleo e refino na Morningstar, em Chicago.
Se a Petrobras conseguir reproduzir essa margem de lucro em Pernambuco, levará mais de 20 anos para cobrir os custos da refinaria. No entanto, a divisão de refino da Petrobras perdeu quase 11 dólares por barril refinado no Brasil em 2013 e quase 16 dólares por barril em 2012, segundo o balanço de 2013.
Com base no desembolso de 1,2 bilhão de dólares, a Petrobras provavelmente conseguiria reaver o investimento de Pasadena em cinco anos, segundo Good.
Isso pode se dever mais à sorte do que a um investimento inteligente. Quando a compra foi aprovada, em 2006, a Petrobras estava procurando formas de refinar seu petróleo nos EUA, pois havia a expectativa de que esse país passaria a comprar mais petróleo bruto do Brasil.
Desde então, o boom do petróleo de xisto nos EUA aumentou a demanda pelo refino de petróleo, tornando mais valiosas as refinarias na costa do Golfo.
A cifra de 1,2 bilhão de dólares também pode representar um valor superestimado em relação ao verdadeiro custo de Pasadena, já que o total incluía 595 milhões de dólares em outros itens, como uma parte do estoque de petróleo da empresa Astra já presente na unidade, além de multas e taxas legais. Good e Margolin disseram que esses custos deveriam ser excluídos da avaliação da refinaria.
Quando isso é feito, chega-se ao valor de 486 milhões de dólares pela refinaria propriamente dita, ou 4.860 dólares por barril --valor que pode ser recuperado em um ano de operação a plena capacidade. Ainda para efeito de comparação, 18 vezes menos que a Rnest.
"Faz pouco sentido se comover com Pasadena quando você considera o que a Petrobras está pagando mais pela capacidade de refino no Brasil", disse Good. "Com esses preços, faz mais sentido para a Petrobras comprar refinarias nos EUA do que construí-las no Brasil."
Gabrielli também questionou a cifra de 1,2 bilhão de dólares, alegando que na verdade a refinaria texana custou menos de 500 milhões de dólares.
GASOLINA POLÍTICA
Pedro Galdi, analista-chefe da SLW Corretora, de São Paulo, disse que os investigadores deveriam se voltar muito mais para a Rnest do que para Pasadena.
"Todas as refinarias da Petrobras são, de alguma forma, fora da norma, e tenho poucas dúvidas de que, se uma CPI for realmente instalada, isso vai aparecer muito claramente", disse ele. "Houve uma séria má gestão."
A refinaria Rnest surgiu de um acordo entre os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Hugo Chávez, da Venezuela.
A ideia inicial era que a unidade recebesse 60 por cento do petróleo do Brasil e 40 por cento da Venezuela, numa demonstração de amizade internacional e como forma de impulsionar a indústria regional.
Mas para lidar com petróleo venezuelano, que é mais pesado e com poluentes tóxicos do que o produto brasileiro, a Petrobras precisava de duas linhas de refino separadas, e por isso foi preciso acrescentar instalações adicionais.
Funcionários do governo já alertaram aos críticos de Pasadena que uma investigação mais ampla poderá respingar sobre eles próprios. Pernambuco, afinal, é um Estado que já foi governado por Eduardo Campos, ex-aliado e hoje rival eleitoral de Dilma.
"A investigação sobre Pasadena deve continuar, mas Pasadena é apenas a ponta do iceberg", disse Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura, uma consultoria energética com sede no Rio.
 

domingo, 13 de abril de 2014

Armínio Fraga - limitar gasto público facilita reforma tributária

‘Gasto público deveria ser limitado por uma lei’, diz Armínio Fraga

Na avaliação do ex-presidente do Banco Central, medida abriria espaço para a reforma tributária


13 de abril de 2014 | 3h 00

Há poucas semanas, o senador Aécio Neves, candidato dado como certo para disputar a presidência pelo PSDB, oficializou a escolha do economista Armínio Fraga para o posto de coordenador econômico de sua campanha. Nesta série de entrevistas que ouve economistas integrados ao debate político e, não raro, ligados aos partidos, Fraga é o mais engajado. Muitos já o consideram ministro da Fazenda, caso o PSDB ganhe a eleição. Ex-presidente do Banco Central, Fraga diz que ainda não se aprofundou no estudo das propostas, mas o esboço tem pilares claros: fortalecer a política fiscal, ajustar a inflação para o centro da meta, desengavetar a reforma tributária, entre outras medidas que podem exigir ajustes nem sempre populares. Mas ele acredita que o importante é antecipar o que deve ser feito, sem "populismo" eleitoral. "O custo de tomar medidas impopulares é muito menor do que o de não tomar", diz na entrevista que segue.

Como o sr. vê a economia hoje?

Estou vendo um quadro que se quantifica com poucos números. Um crescimento baixo, já entrando pela quarto ano, e a sinalização de que o ano que vem também pode ser difícil por causa dos problemas que estão se acumulando. Ao mesmo tempo, há uma inflação alta, em torno de 6%, já há bastante tempo, mas reprimida. A inflação real anda mais alta. Talvez entre 7% e 8%. Esse não é um quadro bom. Há também o fato de que o déficit em conta corrente do Brasil caminha para 4% do PIB no momento em que os Estados Unidos segue para a normalização da taxa de juros e, eventualmente, a China deve desacelerar. Isso também é uma questão, especialmente porque a taxa de investimento do País não está aumentando. Agora está acontecendo um movimento no mercado - que eu diria ser técnico, com recursos mais de curto prazo, indo para um lado ou para outro, mas isso não deve trazer um grande conforto. O quadro geral ainda não é tranquilo lá fora. Olhando aqui para dentro no Brasil, hoje o governo concede 60% do crédito, que incorpora ainda repasses do BNDES. Há não muitos anos eram 40%. É um modelo testado por nós, testado por vários outros países que tende a não entregar o resultado que se quer - tanto do ponto de vista de produtividade, da qualidade das decisões de crédito e financiamento que são tomadas, quanto do ponto de vista do risco. O exemplo radical são os Estados Unidos com as grandes do mercado de hipotecas, Fannie Mae e Freddie Mac (empresas privadas, mas com propósito público, que eram implicitamente garantidas pelo governo), que tiveram uma participação fundamental na bolha - uma senhora bolha. Mesmo nos países mais maduros, essas lições permanecem válidas. Há outros temas, de caráter mais setorial. Energia está no topo da lista. Estamos correndo um risco muito grande nessa área. Os dados, infelizmente, vêm piorando. É grave a questão. O setor de petróleo é outro bem conhecido. À Petrobrás foi designado o papel de grande locomotiva do setor, mas, ao mesmo tempo, o governo vem asfixiando o fluxo de caixa da empresa. Para não falarmos de outras intervenções, como o mix de política industrial, política setorial também. Enfim, que não vem dando resultado. Talvez fosse até previsível. Em paralelo, estamos vivendo a crise no setor de etanol - o que é uma tristeza. O setor tem tudo para ser um líder global. Esse é um setor menos antipático ao meio ambiente do que o do petróleo, que o dos combustíveis fósseis. Estamos na situação singular de subsidiar o setor de combustíveis fósseis - algo que vai na contra mão da recomendação técnica. A determinação é taxar e não subsidiar, porque esse setor produz um efeito negativo para a sociedade. Esse é o típico caso em que se recomenda fazer o oposto do que estamos fazendo. A infraestrutura também é uma área que apresenta muitos desafios. Nesse caso, a visão é que temos uma moeda com dois lados. Por um lado, a infraestrutura virou um gargalo seriíssimo em praticamente todas as suas dimensões - e, portanto, é uma barreira ao crescimento. Mas ela deveria ser uma fantástica oportunidade. Eu acho que se os futuros governos acertarem a mão nas questões regulatórias e em outras que influenciam esse setor, eu penso que ele pode virar ao nosso favor. Mas, nesse momento, é um problema. O resumo é o seguinte, pensando de uma maneira mais esquemática: a minha leitura é que hoje nós temos uma macroeconomia que está perdendo as âncoras. A área fiscal perde credibilidade, o chamado tripé certamente está bem fragilizado. A microeconomia, que deveria funcionar mais livre, apostando na concorrência, sofre por estar muito amarrada - e amarrada na parte que cabe ao governo. Portanto, temos dificuldades em buscar mais produtividade. Subindo ainda mais um nível nesse esquema, penso que isso tudo espelha uma grande crise no Estado - um Estado que vem continuamente crescendo, mas não tem sucesso em entregar aquilo que se espera dele. A qualidade da educação avança lentamente. A população se queixa muito dos serviços de saúde. Hoje um tema absolutamente vivo e importante é o da segurança. No geral, seria preciso atacar essas questões. Claro que ninguém ainda inventou uma fórmula para fazer transplante de Estado - essa é uma questão de prática. São os governos que vão, aos poucos, melhorando ou piorando as instituições de um país - e o governo precisa cuidar disso melhor. Não há exemplo de país que tenha se desenvolvido sem um Estado bom. Pode ser pequeno ou médio. Eu sou cético em relação a ideia de que um País como nosso pode e se desenvolver com um Estado grande demais. Um país precisa crescer, precisa distribuir também, com certeza, mas eu não vejo o mundo social como um jogo de soma zero. É preciso balancear as coisas. Mas eu vejo o nosso modelo falhando, tanto pelo lado da distribuição, que ainda é muito ruim, como pelo lado do crescimento. Diga-se de passagem, não acho que os dois sejam incompatíveis. Ao contrário. Mas é preciso estruturar o funcionamento do Estado para que ele atinja esses objetivos - e nesse momento, eles não estão sendo atingidos. 

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Enciclopédia rápida de filosofia



Pequena enciclopédia SUPER de filosofia

O problema é que, nesse tempo todo, acabou criando um monte de palavras difíceis. Mas fique calmo: agora você vai entender o que elas significam 1.

por Texto Fabio Marton e Leandro Narloch para a Superinteressante

Obtido de: http://super.abril.com.br/cultura/pequena-enciclopedia-super-filosofia-447408.shtml?utm_source=redesabril_jovem&utm_medium=facebook&utm_campaign=redesabril_super

 (Todos os direitos reservados aos jornalistas Fabio Marton e Leandro Narloch, à Revista Superinteressante e à Editora Abril. A finalidade deste post é educacional e destinar o acesso aos que não tem acesso à Revista. Caso não seja seu caso, por favor, acesse o link acima.)

Há 3 mil anos o ser humano tenta resolver o problema da morte, descobrir sua missão no mundo e aprender a decidir o que é certo ou errado. O problema é que, nesse tempo todo, acabou criando um monte de palavras difíceis. Mas fique calmo: agora você vai entender o que elas significam:

Cartesianismo: Duvidar de tudo, negar tudo que não resiste à dúvida, como queria o francês René Descartes , o principal dos filósofos modernos. No livro Meditações Metafísicas, de 1641, Descartes propôs que todo conhecimento começasse de volta, do zero, recusando todos os “argumentos de autoridade”, aquilo que o homem acreditava por tradição ou por imposição de alguma autoridade ou religião. Para perceber o impacto da idéia, basta saber que, depois de Descartes, o mundo passou a viver séculos de revoluções em várias áreas, botando abaixo tudo o que não resistia à dúvida, seja a idéia de que a Terra é o centro do Universo, seja a de que os reis são pessoas superiores. Para o historiador francês Alexis de Tocqueville, a Revolução Francesa, por exemplo, foi “feita por cartesianos que saíram das escolas e desceram à rua”. Se você usa uma camiseta com o Che Guevara, mude já a estampa: revolucionário mesmo foi Descartes e sua idéia de duvidar de tudo.

Cinismo: Doutrina de filosofia grega que considerava a honestidade o único requisito para a felicidade. Único, mas único mesmo: os cínicos eram filósofos-mendigões, ascetas radicais que não estavam nem aí para roupa, dinheiro, família, costumes, tradição e higiene. Viviam conforme a natureza, como cachorros vira-latas, e não apenas aceitaram o rótulo como tomavam o bicho como símbolo de sua idéia de virtude, daí o nome (do grego cyon, “cachorro”). Diógenes (412-323 a.C.), o maior dos cínicos, era realmente um morador de rua e teve várias histórias famosas: quando perguntaram a ele como resistir aos desejos da carne, ele se masturbou em público e disse: “Se ao menos eu pudesse matar minha fome esfregando a barriga...” Quando Alexandre, o Grande, perguntou a Diógenes se podia lhe fazer algum favor, o cínico respondeu: “Sim, saia da frente do meu sol”. A fama dura até hoje.

Conservador: Vá ao verbete “modernidade”. Foi? O contrário de ser moderno é ser conservador. Não se trata tanto de uma posição política, mas de outro jeito de olhar o ser humano. Se os modernos achavam que o homem pode ser melhorado se a sociedade mudar, os conservadores preferiam pensar como na Idade Média: que o homem é naturalmente mau, e a sociedade (a polícia, a hierarquia, a religião) serve para civilizá-lo, contê-lo. É por isso que, para os conservadores, uma mudança lenta e gradual é sempre preferível à revolução, que, para eles, deixam à solta a tendência destrutiva do homem. “É impossível estimar a perda que resulta da supressão dos antigos costumes e regras da vida”, escreveu no século 18 o inglês Edmund Burke. Os conservadores são o grupo mais fora de moda nos últimos séculos, mas, a favor deles, está o fato de que, como previram, da Revolução Francesa até as revoluções do século 20, não foram poucas as que acabaram em tragédia, opressão e assassinatos em massa.

Modernidade: Pegue os verbetes humanismo, cartesiano e iluminismo e misture-os bem. Modernidade são os últimos 5 séculos, época em que o ser humano começou a se achar o centro do mundo, passou a usar a razão para conhecer o mundo e a acreditar que a mudança, o progresso, conduz a uma coisa melhor que o passado. O espírito da modernidade é a idéia de que a ciência – todas as ciências, da psicologia à arquitetura – pode melhorar a sociedade e até mexer com a alma humana, melhorando o próprio homem.

Deus: Platonismo com rosto .

Dialética: Diálogo. É a arte de debater, argumentar e contra-argumentar. Sócrates foi o homem que estabeleceu o costume do diálogo nas rodas de intelectuais da Grécia. Por isso, muita gente o chama de pai da filosofia. Antes de Sócrates, valia mais a retórica, a arte do bem falar, do que os argumentos em si. Séculos depois, no século 18, “dialética” passou a significar uma dinâmica em que as coisas se sobrepõem, uma substituindo outra. Como quando as crianças, em círculo, colocam em seqüência as mãos, uma acima da outra.

Ética: Definir o que é certo e o que é errado. Simples, não? O problema é que a idéia de certo e errado muda sempre, dependendo de como enxergamos o mundo. Por exemplo: os gregos achavam que o homem deveria se integrar à harmonia do Cosmos. Por isso, usavam a natureza para saber o que era certo ou errado. Se, na natureza, havia hierarquia entre animais mais fortes que outros, então era muito bem aceitável que, entre os homens, houvesse escravidão. Já na Idade Moderna, quando o homem se considera superior à natureza, a escravidão torna-se, aos poucos, uma idéia absurda.

Epicurismo: Para Epicuro (340-270 a.C.), o ideal do bem é viver sem medo e sem dor, aproveitando o dia de hoje. “Quem menos sente a necessidade do amanhã mais alegremente se prepara para o amanhã”, diz Epicuro. Parece culto ao prazer, mas ele dizia também que, para viver bem, o jeito é se abster de grandes prazeres, evitando assim a frustração quando eles não puderem ser obtidos. Essas palavras fizeram muito sucesso na Roma antiga, quando o prazer falava acima de quase tudo.

Estoicismo: Diferentemente do epicurista, o estóico acredita que o mundo é governado por uma lógica divina, ou seja, Deus está no mundo e sua manifestação é a ordem das coisas. Assim sendo, o negócio é estar do lado da natureza, mesmo que isso possa implicar desconforto mental ou físico. O estoicismo prega que somente pelo desapego, ignorando dor e prazer, é que se descobre a verdade.

Hermenêutica: Interpretação de texto. É a parte da filosofia que pensa no que o autor realmente quis dizer com um discurso, um filme ou um evangelho escrito 2 mil anos atrás. Por exemplo: na Bíblia, o fato de os judeus serem os traidores de Jesus é encarado como uma estratégia para os evangelhos caírem no gosto dos romanos, que, na época, perseguiam os judeus.

Humanismo: Fenômeno que começou no século 16 e colocou o ser humano no centro do Universo. Se você já leu várias vezes essa explicação sem entender muito bem, tente pensar numa época antes do humanismo: a Idade Média. A vida humana então não tinha tanto valor quanto hoje: os filhos só eram batizados se persistissem em sobreviver, já que a maioria morria nos primeiros anos. A idéia de infância não existia – as crianças vestiam roupas de adultos e, nas obras de arte, eram representadas como adultos pequenos. Como os pintores trabalhavam por devoção a Deus, e não por um reconhecimento pessoal, muitas pinturas não eram assinadas. E a idéia de que Deus decidia tudo era tão forte que ninguém imaginava que poderia melhorar de vida, progredir por esforço próprio. Se você nascesse um camponês pobre, encararia isso como uma decisão divina, sem imaginar que poderia agir para ser diferente. Com o humanismo, o ser humano aos poucos virou o centro das atenções – pinturas (assinadas) do rosto de pessoas ficaram cada vez mais comuns, assim como o estudo do corpo humano e suas medidas (lembra-se daquele desenho do Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci?). A idéia é de que quem determina o que é certo ou errado não é Deus nem as tradições, mas as pessoas e sua capacidade individual de pensar. Um exemplo é Maquiavel (1469-1527), autor de O Príncipe. Ele rejeitou a moral bíblica para que seu príncipe conquistasse um bem permanente pelas vias do mal passageiro – o famoso “os fins justificam os meios”. Também surge com o humanismo a idéia de que o ser humano pode trazer o céu à terra. Foi nessa época que o termo “utopia” foi inventado, pelo inglês Thomas Moore (1478-1535) – o livro Utopia descreve uma ilha em que tudo seria perfeito.

Imanência: Repare neste fragmento de Tales de Mileto: “Todas as coisas estão cheias de deuses”. Imanência é isso: a idéia de que Deus ou algum princípio divino, ou qualquer ideal, está aqui, entre nós, presente no mundo, nas leis da física, nas pessoas, nos seres vivos e talvez em todas as coisas. Por isso, para os gregos da época de Tales, era preciso abrir os olhos para o mundo, ou seja, apreciar a ordem natural das coisas, a harmonia da natureza. Não é à toa que a palavra teoria vem do grego to theion, ou “eu vejo o divino”. E que os filósofos dessa época, como Tales, se dedicaram a estudar os princípios da natureza, como na geometria .

Transcendência: contrário da imanência, é a idéia de que Deus é algo separado do mundo (ou seja, “transcende” a ele) e que o mundo segue por sua própria conta as regras criadas por Ele. Depois dos livros de Kant, transcendência passou a significar também pensar não nas coisas em si, mas na relação entre as coisas como elas são vistas e o que existe de fato. Ou seja, “transcender” o senso comum não filosófico, atingir a verdade por trás das coisas.

Iluminismo: Nos séculos 16 e 17, as pessoas se sentiam perdidas no escuro. As descobertas científicas de Newton, Kepler e Galileu derrubaram a idéia de que o mundo era uma coisa pronta e ordenada por Deus. Começamos a olhar o Universo como um lugar sem ordem, em que forças da física a todo momento se debatem. Então, o que fazer? Iluminar-se, criar uma ordem para o mundo. É o que propõem os filósofos da época, principalmente Emmanuel Kant , com o livro Crítica da Razão Pura. Por meio da ciência, da razão, o ser humano passou a tentar a explicar o mundo e catalogá-lo – vêm daí os primeiros museus e disciplinas científicas.

Modernidade: Pegue os verbetes humanismo, cartesiano e iluminismo e misture-os bem. Modernidade são os últimos 5 séculos, época em que o ser humano começou a se achar o centro do mundo, passou a usar a razão para conhecer o mundo e a acreditar que a mudança, o progresso, conduz a uma coisa melhor que o passado. O espírito da modernidade é a idéia de que a ciência – todas as ciências, da psicologia à arquitetura – pode melhorar a sociedade e até mexer com a alma humana, melhorando o próprio homem.

Materialismo: Lembra-se do Kléber Ban-Ban, aquele do Big Brother que dizia “faz parte” a toda hora? Materialismo é acreditar que o sonho acabou e, como faz o ex-BBB, dar de ombros aos problemas da vida. Literalmente, é acreditar na matéria, amar o mundo tal como ele é. O materialista não tem utopias, tenta esperar pouco da vida. “Esperar é desejar sem fruir, sem saber e sem poder”, afirma o filósofo André Comte-Sponville, a voz do materialismo no século 20. O problema do materialismo contemporâneo é: como amar a realidade em momentos como o genocídio de Ruanda sem dizer “faz parte” ou recorrer a utopias?

Metafísica: O nome certo era para ser “primeira filosofia”, como Aristóteles a chamava. Mas, quando o filósofo Andrônico de Rhodes foi organizar os livros de Aristóteles na biblioteca de Alexandria, simplesmente colocou esses volumes à direita da “física” aristotélica e escreveu: “os livros que vêm depois da física”. Os romanos entenderam tudo errado: achavam que a tal “metafísica” era o estudo das coisas “além do mundo físico” – em outras palavras, coisas inventadas, como os deuses. Na verdade, é a metafísica que faz as perguntinhas mais amplas, tipo “quem somos, de onde viemos?”

Niilismo: É negar a realidade, dizer não ao mundo real em prol da imaginação de um mundo perfeito, de um ideal transcendente, do “nada” – que em latim é nihil. Os niilistas proliferaram no século 19, com as grandes ideo­logias políticas, e seu maior inimigo foi Friedrich Nietzsche . Pense com ele: depois da modernidade, quando deixamos de explicar o mundo por atos de Deus, tivemos de arranjar outros ídolos, outros ideais sublimes para dar à vida uma sensação de eternidade. Em vez do paraíso da Bíblia, o novo ideal virou o nacionalismo, o cientificismo (pensar que a ciência resolveria todos os problemas do homem) ou o comunismo. Nietzsche chega a tratar o comunismo como uma religião, com apenas uma diferença do cristianismo: atribuir nossos problemas aos outros ou a nós mesmos – “a primeira coisa faz o socialista, a segunda o cristão”, afirma ele em Crepúsculo dos Ídolos. Niilismo também significa achar que nada tem valor – que não há motivos para respeitar tradições, leis ou princípios morais. É a perigosa idéia de que “se Deus não existe, então não há crime, não há pecado; tudo é permitido”, como diz um personagem do livro Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski, outro grande crítico do niilismo.

Platonismo: Ver o mundo em duas partes. Platão (427-347 a.C.) dividia o mundo em dois: para ele, antes das coisas reais, do mundo real em que vivemos, existem as idéias das coisas, que são eternas e vivem no “mundo das idéias”. Esse mundo das idéias seria o único de fato verdadeiro; e este aqui, em que vivemos, seria uma sombra, uma ilusão. Platão também acreditava na imortalidade da alma, que, de vez em quando, era aprisionada em corpos humanos. O platonismo lembra muito uma religião, não? Pois é exatamente a visão de mundo de Platão que o judaísmo, o cristianismo e o islamismo se apropriaram. Séculos depois de Platão, suas idéias se misturaram com crenças judaicas, que deram ao mundo das idéias uma cara, uma forma de pessoa: Deus.

Deus: Platonismo com rosto .

Pós-Modernidade: Sabe alguém que não gosta de usar celular, toma remédio de homeopatia e, nas férias, percorreu a pé o Caminho de Santiago? Pois eis aí um belo pós-moderno. Na teoria, o pós-modernismo é uma recusa à modernidade, uma desconfiança dos valores do iluminismo. Na prática, ele aparece em toda parte, principalmente como uma recusa às grandes correntes . Em vez das grandes religiões tradicionais, doutrinas orientais como o budismo. Na moda, é aquela camiseta única, cuja estampa você mesmo inventou. Na arquitetura: em vez dos prediões de linhas retas e funcionais do começo do século 20, linhas curvas. E até no turismo: em vez do pacotão da CVC, uma experiência única, como fazer o Caminho de Santiago ou percorrer a França de bicicleta .

Verdade: O objetivo final da filosofia – apesar de que, para alguns filósofos, acreditar na verdade é cair num grande mal-entendido. Ou não.

Notas
1. Dormia pelado e fumava maconha para se inspirar.
2. Calma, a gente explica: veja o verbete platonismo.
3. Prova dessa mudança de valores é a Declaração Universal dos Direitos do Homem: conceito básico hoje em dia, ela demorou até 1789 para surgir.
4. Filosofava com os amigos no jardim de casa, enquanto sua mãe praticava magia.
5. Se hoje você acredita que o que é natural é melhor do que o artificial, que alimentos orgânicos são melhores que os industrializados, agradeça aos gregos por essa crença.
6. Morreu solteiro e, dizem, virgem.
7. Odiava o cunhado, que queria levar sua irmã para morar no Paraguai.
8. Na pós-modernidade, não existe uma verdade única, que vale para todos, como no iluminismo. Vem daí a idéia de relativismo cultural, de que é impossível julgar culturas diferentes, como as tribos amazônicas que sacrificam bebês.
9. Por isso, se você quer ganhar dinheiro em tempos pós-modernos, ofereça às pessoas uma experiência diferente – como um city tour de bicicleta pela madrugada ou chinelos com dezenas de opções de cores.
"Pensarei que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons, e todas as coisas exteriores que vemos não passam de ilusões e enganos de que ele [um deus enganador] se serve para surpreender minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo como não tendo mãos, nem olhos, nem carne, nem sangue, como não tendo nenhum dos sentidos, mas acreditando falsamente possuir todas essas coisas. Perma­necerei obstinadamente apegado a esse pensamento; e se, por esse medo, não estiver em meu poder atingir o conhecimento de nenhuma verdade, pelo menos estará em meu poder fazer a suspensão de meu juízo. [...] Posso duvidar de tudo, mas tenho certeza de que estou aqui, pensando, duvidando. Sou uma coisa que duvida, que pensa."
RENÉ DESCARTES, MEDITAÇÕES METAFÍSICAS
"É injusto que se apeguem a mim, embora o façam com prazer e voluntariamente. Eu iludiria aqueles em quem despertasse desejo, pois não sou o fim de ninguém e não tenho com o que satisfazê-Ios. Não estou eu pronto a morrer? E, assim, o objeto do apego dessas pessoas morrerá. Logo, quando não seria eu culpado por fazer crer numa falsidade, embora eu a adoçasse e acreditasse nela com prazer, e que ela me desse prazer, ainda assim sou culpado de me fazer amar. E, se atraio as pessoas para que se apeguem a mim, devo advertir aqueles que estariam prontos a consentir na mentira de que não devem acreditar, qualquer que seja a vantagem que daí me advenha."
BLAISE PASCAL, PENSAMENTOS
"Viver significa ter de ser fora de mim, no absoluto fora que é a circunstância ou mundo: é ter de, querendo ou não, enfrentar-me e chocar-me, constantemente, inces­san­temente com tudo que integra esse mundo: minerais, plantas, animais, os outros homens. Não há remédio. Tenho de atracar-me com isso tudo. Tenho de me ajustar com tudo isso. Mas isso acontece ultimamente a mim só, e tenho de fazê-lo solitariamente."
JOSÉ ORTEGA Y GASSET, O HOMEM E A GENTE
"Todos os célebres ideais da política, da moral e da religião são apenas ídolos, inchaços metafísicos, ficções que não visam nada a não ser fugir da vida, antes de se voltar contra ela."
Friedrich Nietzsche

quarta-feira, 2 de abril de 2014

Supremo Tribunal Federal e o fim das doações de empresas às eleições

Maioria do STF vota pelo fim das doações de pessoas jurídicas às campanhas

 Valmar Hupsel Filho

Obtido de: http://blogs.estadao.com.br/radar-politico/2014/04/02/maioria-do-stf-vota-pelo-fim-das-doacoes-de-pessoas-juridicas-as-campanhas/ 

Direitos reservados ao jornalista Valmar Hupsel Filho e ao jornal 'O Estado de São Paulo'.

Este post tem objetivo educacional. Caso você tenha acesso ao jornal 'O Estado de São Paulo', por favor acesse o link acima.


Seis ministros do Supremo Tribunal Federal se posicionaram pela inconstitucionalidade das doações de campanha eleitorais por pessoas jurídicas. Um deles votou contra. Com isso, o Supremo alcança a maioria parcial pelo acolhimento da Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil.
A decisão final foi adiada pelo pedido de vista do ministro Gilmar Mendes.
Apesar de sete ministros já terem apresentados seus respectivos votos, e o já plenário ter alcançado maioria, o resultado não pode ser considerado definitivo. Ainda faltam quatro votos e até o final do julgamento os ministros podem voltar atrás e alterar suas opiniões.
Até o momento, votaram pela procedência integral da ação os ministros Luiz Fux (relator), Dias Toffoli, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e o presidente da Corte, Joaquim Barbosa. O ministro Marco Aurélio votou pela procedência parcial da ação, mas seu voto, na essência, veda as doações para campanhas por pessoas jurídicas. O único voto contra foi do ministro Teori Zavascki.
Os ministros que ainda não votaram são Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Celso de Mello.
Decisão do Supremo pode alterar substancialmente sistema eleitoral brasileiro – Foto: André Dusek/Estadão

Modulação. Uma vez decidido o fim da doação de campanha por pessoas jurídicas, os ministros passarão a analisar a partir de quando as novas regras poderão valer. A OAB, entidade autora da ação, propõe que as novas regras passem a valer a partir de 2016. O ministro Dias Toffoli, entretanto, durante a apresentação de seu voto, disse ver elementos para que as alterações já sejam feitas a tempo de valerem para as eleições presidenciais de 2014.
A ação proposta pela OAB visa uma mudança substancial no sistema eleitoral brasileiro. Pelas regras atuais, as empresas podem doar até 2% do faturamento bruto alcançado no ano fiscal anterior.
Durante a apresentação de seu voto, o ministro Marco Arélio lembrou que as empresas as principais financiadoras de candidatos a cargos eletivos. Segundo ele, de acordo com dados do TSE, pessoas jurídicas foram responsáveis pela doação de R$ 6 bilhões na campanha eleitoral de em 2012.

terça-feira, 1 de abril de 2014

"As Forças Armadas têm que admitir que erraram", diz FHC


Fernando Henrique: 'As Forças Armadas têm que admitir que erraram'.

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/politica/3500130/forcas-armadas-tem-que-admitir-que-erraram-diz-fhc#ixzz2xg4pmp3a


Por Cristian Klein | De São Paulo

Nem esquecimento, nem revanche. Mas, para o acerto de contas do país com o passado marcado pela brutalidade das torturas e demais violações aos direitos humanos, as Forças Armadas brasileiras deveriam reconhecer que erraram.
É o que defende o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ao analisar os 50 anos, completos hoje, do golpe militar de 1964.
Para o sociólogo, o caminho do Brasil não é o de tantos outros países (Argentina, Chile, Peru, Uruguai) que, uma vez terminada a ditadura, puseram na cadeia líderes e agentes da repressão. A trilha aqui seria a da reconciliação, semelhante à da África do Sul pós-apartheid. Mas, para isso, ainda falta um passo: o reconhecimento do erro pelos militares.
"Eu não entendo por que é que as Forças Armadas ainda não dizem: 'Olha aqui. Nós fizemos isso e foi errado'. Porque se eles disserem isso, acabou", argumentou FHC, em entrevista ao Valor PRO, serviço de notícias em tempo real do Valor.
O ex-presidente sugere o "mea culpa" como alternativa às demandas, ainda existentes, de derrubada da Lei da Anistia, que impede a punição dos torturadores. Em 2010, por 7 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) rechaçou a revisão da lei.
Na conversa, FHC critica o governo federal, entre outras razões, pelo aparelhamento da Petrobras. O tucano vê indícios de um propinoduto na compra da refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, no caso que pode levar a estatal a ser alvo de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso.
Sobre as eleições deste ano, Fernando Henrique descarta a possibilidade de vir a ser o vice na chapa presidencial do PSDB, encabeçada pelo senador mineiro Aécio Neves, mas sinaliza sua preferência por um nome de São Paulo. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Valor: Qual é a lição que o golpe deixa 50 anos depois?
Fernando Henrique Cardoso: Ninguém pensa mais que para obter igualdade vamos suprimir a liberdade. De lá para cá, o Brasil melhorou muito. As instituições estão mais enraizadas. E ficou demonstrado que a solução não é o golpe. Ninguém hoje prega golpe. As Forças Armadas que eram muito ativas como um partido político deixaram de ser. Elas são institucionais, órgãos do Estado. Isso tudo foi um aprendizado. Levou muito tempo, mas aprendemos.
Valor: Em vários países que tiveram ditaduras, revelações feitas em comissões da verdade comoveram a população e levaram à punição de torturadores. Qual deve ser o legado para as próximas gerações: esquecer ou mexer no passado?
FHC: Esquecer, não. Mas a revanche também não ajuda. Não adianta nada. A Comissão da Verdade que foi criada na África do Sul, inicialmente, era para reconciliar. Não era para punir. Aqui, hoje, não tem como punir, porque tem a Lei da Anistia.
Valor: Mas ela poderia ser derrubada pelo Supremo.
FHC: Pode, mas não derrubou. E faz 50 anos já. As famílias têm o direito de saber o que foi feito com as vítimas. É absolutamente necessário.
Valor: Mas e a punição aos torturadores?
FHC: Eles estão confessando, publicamente. Aliás, é uma coisa horripilante o cinismo com que eles falam. Mas acho que a esta altura não há quem esteja pedindo revanche. E também tem que entender que as Forças Armadas mudaram. Eu não entendo porque é que as Forças Armadas ainda não dizem: "Olha aqui. Nós fizemos isso e foi errado". Porque se eles disserem isso, acabou. Ninguém é contra as Forças Armadas no Brasil. Quem se rebela ou acha que elas são de direita? Ninguém. Não tem isso. Acho que elas [Forças Armadas] também poderiam ajudar a, digamos, botar uma pedra final nisso.
Valor: As Forças Armadas têm uma postura muito defensiva?
FHC: Eu, como presidente da República, pedi desculpas em nome do Estado brasileiro. E avisei que ia fazer isso e criei aquela primeira comissão de reparação. O Estado teve responsabilidade. E não vejo agora porque não as próprias Forças Armadas dizerem: "Erramos". As dependências eram administrativas das Forças Armadas. Não podia ter deixado. Foi mais que um erro. Fez uma coisa ativa. Mas foi uma minoria. Por que essa maioria de hoje não diz isso: "Não temos nada [a ver] com isso"? E todo mundo sabe que eles não têm.
Valor: A presidente Dilma Rousseff errou no caso da compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras?
FHC: Isso eu acho que vem de longe. Foi antes da Dilma. A Petrobras foi perdendo sua capacidade de tomar decisões de uma maneira mais consequente primeiro porque houve uma penetração dos partidos grandes, nomeações políticas. E, em segundo lugar, porque, depois da mudança da Lei do Petróleo, em 2010, houve uma sobrecarga financeira muito grande sobre a Petrobras. Porque ela é obrigada a participar com 30% de todos os novos investimentos do pré-sal e isso exige muitos recursos. E terceiro, aí, sim, Dilma tem a sua parte direta, porque o controle do preço da gasolina levou a Petrobras a ficar sem caixa. Somando tudo isso, a Petrobras foi ficando sufocada. Não tem caixa, tem que fazer gastos grandes e foi se endividando.
"Esquecer, não. Mas a revanche também não ajuda. As Forças Armadas poderiam ajudar a botar uma pedra final nisso"
Valor: Sobre o aparelhamento partidário da Petrobras, o PSDB, em seu governo, não ocupou igualmente a estatal como o PT agora?
FHC: Quando fizemos a Lei do Petróleo [em 1997] e começamos a mexer mais na Petrobras, o conselho de administração era composto por diretores da Petrobras. Primeiro, comecei a nomear gente de peso, de fora da Petrobras - o próprio [empresário Jorge] Gerdau, que continua lá até hoje. Segundo, eu herdei um presidente [Joel Rennó] do [governo] Itamar [Franco], com o qual fizemos as transformações da Lei do Petróleo, e em seguida nomeei pessoas que não tinham nada a ver com política: o [ex-presidente da estatal Henri] Philippe Reichstul era um técnico; depois foi nomeado o [Francisco] Gros, que tinha sido do Banco Central, no tempo anterior a mim. E, no caso dos diretores, eventualmente [houve nomeação política]. Um foi o [hoje senador pelo PT-MS] Delcídio [do Amaral], que veio de fora da Petrobras. Mas não houve conchavo político para indicar diretores.
Valor: A imagem ou o mito da capacidade técnica da presidente Dilma é manchada com o episódio?
FHC: É mito. Foi criada uma imagem de que ela seria uma gerentona, a madrinha do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento]. Bom, a realização do PAC é de baixo desempenho... Não quero atribuir responsabilidade diretamente a ela. Mas é uma imagem que foi criada e não corresponde aos fatos. Pode ser até que ela seja uma pessoa dedicada. Dizem que é. Que cobra e tal. Mas presidente da República é diferente. Não tem que ser gerente. É governança. Ter visão e capacidade de somar gente, de chamar os mais capazes, de estar bem assessorada. A falha está mais nisso, do que propriamente nela. A presidente não é e não deve ser gerente. Talvez seja arriscado se intrometer no cotidiano. A Petrobras tem corpo técnico competente, mas o número de funcionários dobrou de 40 mil para 80 mil. E isso não corresponde ao aumento da produção.
Valor: A compra da refinaria de Pasadena levanta suspeita de irregularidade e corrupção.
FHC: O preço pago foi muito mais do que seria razoável e não é compreensível que os próprios corpos técnicos da Petrobras tivessem feito aquele parecer que fizeram. E que tivessem posto as cláusulas que puseram. Pode-se dizer: e o conselho [de administração] não leu? Bom, o conselho quando se reúne decide em função das informações que chegam à mesa. Não quero culpar os conselheiros e, por consequência, também não estou culpando a Dilma, a presidente do conselho. Mas obviamente chegou-se a esse ponto pelas interferências políticas na Petrobras e pelo fato de que, possivelmente - não se tem a conclusão ainda - tenha havido aí um propinoduto, no caminho.
Valor: Também não há indícios de propinoduto que mereceriam ser investigados por uma CPI como o escândalo da Alstom e os governos do PSDB em São Paulo?
FHC: Querem misturar e levar para outro lado. CPI tem que ser em função de um caso específico. Neste caso, a gente tem um problema real. Tem um diretor que está preso. Tem outro acusado de ter sido negligente. A própria Petrobras levou muito tempo - e aí entra a responsabilidade do governo também - para tomar alguma medida contra esse diretor. Então, tem fatos específicos. Agora, acho que seria um erro, de quem vai conduzir a CPI, caso se instale, de se acusar, na partida, o governo disso ou aquilo. Primeiro, deve-se analisar profundamente o que aconteceu na Petrobras. Porque a Petrobras é estratégica mesmo, não é uma empresa qualquer. Precisa focar no que deu errado e corrigir. Mais tarde, se houver responsabilidade política, é outra questão. Mas não pode ser ponto de partida.
Valor: O sr. aceitaria ser o vice na chapa de Aécio?
FHC: Não. O próprio PSDB é que acha que seria positivo. É até possível que seja. Mas não cabe. Tenho 82 anos. Seria uma irresponsabilidade, pessoal, familiar e política.
Valor: Quem o sr. prefere?
FHC: Seria útil se fosse alguém de São Paulo, porque é onde vai ser a grande batalha eleitoral. Mas pode ser de outro partido e também de outro grande colégio eleitoral.
Valor: O senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) é o mais indicado?
FHC: Se fosse hoje, não tendo outro no horizonte... Não que eu não goste do Aloysio. O nome dele é muito bom.
Valor: O pré-candidato do PSB, Eduardo Campos, tem encantado setores do empresariado e obtido mais holofotes que Aécio Neves. Isso preocupa pelo risco de o PSDB ficar fora de eventual segundo turno?
FHC: Em primeiro lugar, que o Eduardo abra seu espaço é normal. Em segundo, o holofote não está na mão do candidato. Está na mão da mídia. Está na mão dos centros, principalmente de elite. Não são esses centros que vão tomar a decisão. É a massa. O Aécio tem uma vantagem de ponto de partida que é ter força em Minas [10,6% do eleitorado]. Eduardo tem força em Pernambuco [4,6%]. [Além disso] o Aécio dispõe de um partido que é mais enraizado do que o PSB. O holofote vira para ele [Campos], mas não significa que o eleitorado vire para ele.
Valor: Se é a massa que decide, a comemoração de Aécio em virtude do otimismo do mercado, com a subida da Bovespa após a divulgação da queda na avaliação do governo Dilma, não foi um exagero?
FHC: O que prevalece no voto é a população. Mas há uma certa comunicação entre o mal-estar produzido no topo e na base da sociedade. O povo não tem o grau de irritação que tem o mercado porque não focou ainda na eleição. O mercado foca com anterioridade, antecipa. Eu nunca tinha visto o mercado comemorar o fato de uma pesquisa ter sido negativa e aumentar o valor de ações. É inacreditável. É uma coisa meio inédita. E preocupante para a Dilma. Um setor importante do Brasil, bem informado, está achando que o governo vai mal.

© 2000 – 2014. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.
O propósito deste blog é divulgar a reportagem aos que não tem acesso à mídia impressa. Caso não seja o seu caso, prefira acessar o link abaixo.

Leia mais em:
http://www.valor.com.br/politica/3500130/forcas-armadas-tem-que-admitir-que-erraram-diz-fhc#ixzz2xg4pmp3a

O abuso do direito no caso Azeredo - Frederico Vasconcelos


O abuso do direito no caso Azeredo

Por Frederico Vasconcelos


 Frederico Vasconcelos, 66, é repórter especial da Folha, onde trabalha desde 1985. Nasceu em Olinda (PE). Formado em jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco, exerce a profissão desde 1967.

Sob o título “A tolerância ao abuso do direito no processo”, o artigo a seguir é de autoria do Procurador da República Helio Telho Corrêa Filho. (*)

“a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.

Rui Barbosa, na "Oração aos Moços".


Tome-se o seguinte caso de evidente abuso do direito de recorrer. A ementa do acórdão é por si só eloquente:
EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. REEXAME DA CAUSA. INVIABILIDADE.
Os embargos declaratórios não constituem recurso de revisão, sendo inadmissíveis se a decisão embargada não padecer dos vícios que autorizariam a sua oposição (obscuridade, contradição e omissão). Na espécie, à conta de omissão no decisum, pretende o embargante a rediscussão da matéria já apreciada.
Embargos de declaração rejeitados. 

Essa decisão foi adotada pela Corte Especial do STJ, no processo assim identificado pelo tribunal: EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no RE nos EDcl nos EDcl nos EDcl no AgRg no RECURSO ESPECIAL No 1.049.052 – GO (2007/0142548-2).
Se o fôlego do leitor acabou antes de concluir a leitura da ementa ou mesmo da identificação do processo, imagine-se o da parte que foi à Justiça clamar por seu direito.
O mais notável, nesse episódio, não foi o uso abusivo em si dos recursos pelos advogados da parte a quem interessava prolongar indefinidamente o desfecho da causa, mas a sua aceitação passiva e quase condescendente por quem tem o dever de assegurar a duração razoável do processo e prestar jurisdição célere, efetiva e eficaz: o tribunal.
Infelizmente, esse não foi um “ponto fora da curva”, para se usar uma expressão da moda. Ao contrário, essa é a rotina do processo judicial brasileiro.
O caso Eduardo Azeredo (chamado “Mensalão Tucano”) é outro exemplo emblemático. Embora não se tenham dúvidas de que a renúncia (que é um direito legítimo) foi exercida com desvio de finalidade, objetivando um fim ilícito (furtar-se ao julgamento criminal iminente e escolher o foro), o STF, que tinha o dever de não permitir que esse efeito se produzisse (como o fez no caso Donadon), chancelou o abuso do direito.
Azeredo sequer se esforçou em esconder o seu real propósito. Ao contrário, fez questão de expressá-lo em sua carta renúncia, confessando assim os motivos do gesto de aparente desprendimento: “de que adianta mais eu alegar que não sou culpado? O que posso é reafirmar que estou pronto a responder em qualquer foro às acusações que me fazem. Não vou, porém, me sujeitar à execração pública por ser um membro da Câmara dos Deputados e estar sujeito a pressões políticas.”
Parece haver, com nossos juízes e tribunais, um enorme desconforto em aplicar a teoria do abuso do direito processual (que abrange o uso abusivo do direito de litigar, de defesa e de recurso), como se isso lhes fosse conferir feição autoritária ou ditatorial e, portanto, pecaminosa e toda e qualquer repressão fosse execrável.
Vivemos tempos de idolatria das garantias processuais, que são repetidas e professadas como mantras sagrados:
“Ampla defesa, contraditório, devido processo legal e presunção de inocência, se cairmos na tentação, livrai-nos da punição, Amém!”
Antes que se gere mal entendido, que fique claro que não se defende aqui a supressão ou mesmo a restrição das garantias constitucionais. Advoga-se, sim, que os abusos ou desvios no uso de tais garantias não seja tolerado.
O abuso ocorre quando um direito legítimo é exercido com desvio de finalidade, para causar prejuízos a terceiros (a outra parte no processo) ou para obter outro resultado ilícito.
A finalidade das garantias processuais é a de assegurar um julgamento justo e não o de propiciar a eternização da causa ou conferir impunidade.
Retomemos o exemplo que abriu esse texto. Os embargos de declaração são um recurso destinado a sanar omissões, contradições ou obscuridades da sentença ou do acórdão.
Essa é a sua finalidade e a sua interposição é um direito da parte. Contudo, considerando-se que a interposição dos embargos de declaração produz um efeito secundário (suspende a execução da sentença ou do acórdão, até que seja decidido), tornou-se comum o seu uso não com o objetivo de corrigir a sentença ou o acórdão, mas com a finalidade de postergar o desfecho do processo e, com isso, o cumprimento da ordem judicial. Assim, a cada nova decisão que julga os embargos anteriores, a parte volta a exercer o direito de interpor embargos, numa espiral infinita que não permite a solução definitiva da causa.
O juiz (e o tribunal) tem o dever de reprimir o abuso do direito processual, não permitindo que produza efeitos, como já o fizera o próprio STF no caso Donadon, quando identificou que “os motivos e fins da renúncia dão conta da insubmissão do réu ao julgamento”, ou seja, “a renúncia teve claro objetivo de frustrar a atuação jurisdicional do Estado, e foi uma tentativa de tornar o STF refém da opção pessoal do ex-parlamentar”, ficando claro o “abuso de direito, ao qual não dá guarida o sistema constitucional vigente”.
Não se sabe o que levou o STF a engatar a marcha à ré no caso Azeredo. Porém, uma coisa é certa: o juiz que não reprime o abuso do direito no processo está se demitindo da função judicante ou, o que é ainda pior, apenas faz-de-conta que distribui Justiça, porque ainda não aprendeu a lição que Rui Barbosa nos deixou, há quase um século, na “Oração dos Moços”: “a justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”.
———————————————————————————————————–
(*) O autor é ex-promotor de Justiça em Goiás e no Distrito Federal.

Juízes do STF, juristas e palpiteiros não dominam o 'Domínio de Fato'



18/10/2013 - 03h00

Luis Greco e Alaor Leite: Fatos e mitos sobre a teoria do domínio do fato 


obtido de: http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/10/1358310-luis-greco-e-alaor-leite-fatos-e-mitos-sobre-a-teoria-do-dominio-do-fato.shtml


LUIS GRECO, 35, e ALAOR LEITE, 26, doutor e doutorando, respectivamente, em direito pela Universidade de Munique (Alemanha), sob orientação de Claus Roxin, traduziram várias de suas obras para o português e escrevem  na Folha de SP sobre a figura jurídia do 'domínio de fato'.

Desde o julgamento do mensalão, não há quem não tenha ouvido falar na teoria do domínio do fato. Muito do que se diz, contudo, não é verdadeiro.

Nem os seus adeptos, como alguns ministros do Supremo Tribunal Federal, nem os que a criticam, como mais recentemente o jurista Ives Gandra da Silva Martins, parecem dominar o domínio do fato.
Talvez porque falte o óbvio: ler a fonte, em especial os escritos do maior arquiteto da teoria, o professor alemão Claus Roxin. Mesmo os técnicos tropeçam em mal-entendidos, de modo que o público merece alguns esclarecimentos.
Primeiro, um fato. Simplificando (vide nosso estudo "O que é e o que não é a teoria do domínio do fato", RT 933, 2013, p. 61-92), a teoria do domínio do fato define quem é o autor de um crime, em contraposição ao mero partícipe. O autor responde por fato próprio, sua responsabilidade é originária. Já o partícipe responde por concorrer em fato alheio --sua responsabilidade é, nesse sentido, derivada ou acessória.
O Código Penal brasileiro (art. 29 caput), embora possa ser compatibilizado com a teoria do domínio do fato, inclina-se para uma teoria que nem sequer distingue autor de partícipe: todos que concorrem para o crime são, simplesmente, autores.
A teoria tradicional diz que fatos alheios também são próprios; emprestar a arma é matar.
 Para o domínio do fato, porém, o autor, além de concorrer para o fato, tem de dominá-lo; quem concorre, sem dominar, nunca é autor. Matar é atirar; emprestar a arma é participar no ato alheio de matar.
Na prática: a teoria do domínio do fato não condena quem, sem ela, seria absolvido; ela não facilita, e sim dificulta condenações. Sempre que for possível condenar alguém com a teoria do domínio do fato, será possível condenar sem ela.
Passemos aos mitos. A teoria não serve para responsabilizar um sujeito apenas pela posição que ele ocupa. No direito penal, só se responde por ação ou por omissão, nunca por mera posição.
O dono da padaria, só pelo fato de sê-lo, não responde pelo estupro cometido pelo funcionário; ele não domina esse fato --noutras palavras, ele não estupra, só por ser dono da padaria.
Parece, contudo, que, em alguns dos votos de ministros do STF, o termo "domínio do fato" foi usado no sentido de uma responsabilidade pela posição. Isso é errôneo: o chefe deve ser punido, não pela posição de chefe, mas pela ação de comandar ou pela omissão de impedir; e essa punição pode ocorrer tanto por fato próprio, isto é, como autor, quanto por contribuição em fato alheio, como partícipe.
A teoria do domínio do fato não é teoria processual: ela nem dispensa a prova da culpa, nem autoriza que se condene com base em presunção --ao contrário do que se lê no voto da ministra Rosa Weber, que fala em uma "presunção relativa de autoria dos dirigentes", e na entrevista de Ives Gandra.
Sem provas, ou em dúvida, absolve-se o acusado, com ou sem teoria do domínio do fato.
A teoria tampouco tem como protótipos situações de exceção, como uma ordem de Hitler. Isso é apenas uma parte da teoria, talvez a mais famosa, certamente a mais controvertida, mas não a mais importante.
Um derradeiro fato. A teoria do domínio do fato não pode ter sido a responsável pela condenação deste ou daquele réu. Se foi aplicada corretamente, ela terá punido menos, e não mais do que com base na leitura tradicional de nosso Código Penal. Se foi aplicada incorretamente, as condenações não se fundaram nela, mas em teses que lhe usurparam o nome.
Não se deve temer a teoria, corretamente compreendida e aplicada, e sim aquilo que, na melhor das hipóteses, é diletantismo e, na pior, verdadeiro embuste.