sexta-feira, 28 de março de 2014

Lia Diskin - Para viver além de Narciso - o ultraindividualismo

Obtido de: 

http://outraspalavras.net/posts/para-viver-alem-de-narciso/
 outras palavras.net



Lia Diskin disseca ultra-individualismo das sociedade submissas aos mercados, mas aposta nos novos valores da juventude e numa política despartidarizada



Entrevista a Inês Castilho | Imagem: David Revoy, Nascissus & Echo (detalhe)


A vida é um fenômeno que resulta de relações: “não existe vida no isolamento”, ensina a professora e conferencista argentina Lia Diskin – em entrevista realizada para o estudo Política Cidadã, produzido pelo instituto Ideafix para o IDS (Instituto Democracia e Sustentabilidade). Os valores que deveriam nos orientar são, portanto, interdependência, empatia, solidariedade, cooperação, partilhamento: “a compreensão de que estamos imersos em uma comunidade viva que nos sustenta”. Ao contrário, a ideologia dominante em nossa cultura é a do individualismo. “Mas nenhum de nós se fez sozinho, embora se tente fazer crer que a criação desta obra ou daquela ideia seja exclusivamente de fulano ou beltrano”, recorda ela.

Lia Diskin vive no Brasil desde 1972, quando fundou a Associação Palas Athena – organização sem fins lucrativos que adota a gestão compartilhada e atua nas áreas editorial, de educação, saúde, direitos humanos, meio ambiente e promoção social. Passou o ano de 1986 estudando budismo em Dharamsala, na Índia, terra dos exilados tibetanos, tendo o Dalai Lama como um de seus professores. Desde então tornou-se uma espécie de embaixadora do líder budista no Brasil, e organizou suas visitas ao país em 1992, 1999, 2006 e 2011. É também coordenadora do Comitê Paulista da Década da Cultura de Paz, da Unesco.
Especialista em técnicas de meditação, Lia observa que vivemos olhando para fora, em busca de aprovação, deixando assim de perceber o que se passa em nossa mente. “Estamos habitando uma casa da qual o único que conhecemos é a janela, e da janela para fora. O que acontece dentro da casa, quais são os outros integrantes desse espaço, qual é a dinâmica que se estabelece dentro desse espaço, a gente simplesmente ignora.” Mas a vida vai além disso, lembra.
Vivemos nos equilibrando sobre a crosta de um planeta que gira em alta velocidade em torno do sol, na periferia de uma dentre bilhões de galáxias do universo. Um planeta cuja estabilidade está sendo afetada por nós, que estamos colocando em risco o fenômeno da vida. “Não somos o centro da galáxia, dentro dela é tudo elíptico. O centro é o Sol, sem o qual não há vida. Nosso sistema é periférico, não é central”, ela lembra, nos devolvendo a humildade.
Admiradora de Gandhi, Lia observa que ainda não estudamos adequadamente as estratégias político-pedagógicas que o líder pacifista indiano colocou em marcha já em meados do século XX para, sem um único tiro, derrotar o Império Britânico e libertar a Índia. “Gandhi foi um dos primeiros a promover o poder local – do qual hoje falamos tanto. Insistia constantemente em fortalecer, nutrir, empoderar as aldeias.”
Ao falar sobre a necessidade de redefinir nossas prioridades, ela elege a educação como meio por excelência para o cultivo de outros valores. E aponta a televisão, grande instrumento de lazer do povo brasileiro, como o instigador da violência e do desrespeito ao humano. “É o deboche, a ridicularização do outro, em que todo mundo ri da desgraça alheia. Como achar graça de uma criança que está aprendendo a caminhar e cai? Como isso pode ser motivo de chacota?”
Sobre a atividade política, Lia entende que – ao contrário do que hoje se considera – talvez seja a mais elevada e mais nobre que podemos ter. “Porque nos erguemos acima dos interesses pessoais e passamos a contemplar o que atende às necessidades de uma parcela maior da população.” Ela defende que os interesses nacionais e coletivos devem estar acima de qualquer tipo de partidarismo. “Se a gente não entender que político é aquilo que atende a todos nós, independente do partido em que estamos engajados, vai ser muito difícil resgatar o princípio fundante da vida comunitária, da vida pública”, explica, ressalvando que apesar disso os partidos políticos devem ser fortalecidos, já que são eles que mantêm a roda dos espaços institucionais em funcionamento. A seguir, a entrevista. (I.C.)


Como você percebe a participação política do cidadão brasileiro?

Muito enfraquecida, pouco envolvida, pouco comprometida. Apesar de haver uma informação crescente, talvez por causa das redes sociais, numa perspectiva mais de longo prazo não vejo uma capacidade aglutinante de fazer propostas locais, pontuais, nem de uma macroestratégia de desenvolvimento do país.
Penso que isso se deve também à complexidade crescente da vida nas grandes cidades, nas quais os deslocamentos de um lugar para outro se tornam cada vez mais penosos e consomem mais tempo. Por outro lado, essa exigência prepotente de estar informado sobre todas as coisas: qual é o livro que acaba de ser lançado, qual é o filme que ganhou mais prêmios no festival, qual é o restaurante que está tendo uma promoção mais interessante, o último lançamento da moda? É tamanho o leque de informações sobre as quais há que se dar conta, “para ter respeitabilidade em diferentes meios da sociedade”, que isso simplesmente termina consumindo toda a energia do cidadão. Penso que perdemos o senso da prioridade e da essencialidade. Perdemos o senso do que é importante na vida familiar, na vida privada e na vida pública.
Nesse cenário, que temas mobilizariam a sociedade brasileira?
Neste momento, acredito que é tudo aquilo que esteja afeito ao universo financeiro, econômico, factível de tornar-se consumo ou de tornar-se produto. É assustador o espaço que ocupam as informações dessa esfera nas grandes mídias, Qual é o sentido de estar todos os dias nos principais jornais da televisão brasileira a subida ou a descida da bolsa da Nasdaq, de Frankfurt, de Hong Kong? Qual é o sentido disso para o cidadão médio? Aquele que realmente tem necessidade desse tipo de informação a obtém online a fim de fazer suas transações, portanto não precisa delas nos jornais televisivos.
Na Gestalt se fala muito a respeito de “não vermos que não vemos”. Há um ponto cego dentro de todos nós. Penso que o grande ponto cego da sociedade contemporânea é justamente não perceber que determinadas pautas são talvez interessantes ou indispensáveis para grupos muito pequenos da população. Mas essas pautas terminam ocupando a maior quantidade do tempo e do espaço nas mentes dos cidadãos.
Você falou da energia gasta no consumo, falou em mídia e em valores essenciais. Poderia discorrer sobre isso?
Infelizmente, na cultura dominante o consumo tornou-se um objeto de reconhecimento social. Você vê isso já em crianças pequenas, com o uso, por exemplo, de telefones celulares, iPods, iPhones e companhia. Todos nós precisamos de reconhecimento, é inerente à condição humana. Precisamos ser legitimados pelo outro. Quando tal atitude transborda e se torna quase uma compulsão, e o fator de inclusão são as questões de ordem material, de ordem objetiva, aquilo que posso ostentar na presença dos outros – isso se torna extremamente perigoso, porque a pessoa passa a colocar todo o seu capital de tempo e criatividade a serviço do reconhecimento social, apenas. O cultivo, o conhecimento de si mesmo, a possibilidade de acessar um potencial latente para outras áreas fica totalmente obliterado, porque a pessoa não tem mais energia.
Estamos habitando uma casa da qual o único que conhecemos é a janela, e da janela para fora. O que acontece dentro da casa, quais são os outros integrantes desse espaço, qual é a dinâmica que se estabelece dentro desse espaço, a gente simplesmente ignora. Utilizamos as coisas para obter reconhecimento dos outros, e esse reconhecimento parece conferir a nós a sensação de termos direito, de sermos merecedores da vida. E tudo fica encapsulado entre o teto de nossos cabelos e o chão de nossos sapatos. Mas a vida é algo que vai além disso. A vida não acontece apenas entre nossos cabelos e nossa planta do pé.
Fale desses valores essenciais, daquilo que está dentro da casa e que a gente não conhece…
Para que haja a vida – a gente hoje sabe muito bem, porque temos trabalhos extraordinários no campo da biologia, da neurociência – é preciso uma teia de relações. Não existe vida sem relação. Não existe vida no isolamento. Ou seja, o individualismo, por si só, é uma contradição da vida. A vida existe enquanto há uma dinâmica constante de manutenção, sustentação das relações e promoção de novas relações. Um ecossistema é tanto mais rico quanto mais variedade de vida exista dentro dele e quanto maior conectividade possa existir entre essas vidas.
Quando falamos num repertório de valores essenciais, estamos nos referindo a um repertório de valores sustentados por essa teia, e que por sua vez a sustentam. Quanto mais nos distanciamos disso, mais repercussões dolorosas e ruídos no sistema irão acontecer. No humano, a relação se manifesta não apenas pela vinculação imediata de afetos, mas também pelos princípios de empatia, de solidariedade, de cooperação; pelos princípios do partilhamento, da compreensão de estarmos imersos em uma comunidade viva que nos sustenta.
Nenhum de nós se fez sozinho. A espécie humana, dentre os seres vivos, é a que mais demora a adquirir autonomia e independência. Para nos movermos no berço, precisamos de três ou quatro meses. Se não houver alguém dando conta da nossa existência, sequer conseguimos nos virar no berço. Para ficar em pé, quase um ano. Para ter minimamente um discernimento do que posso e o que não posso ingerir – aquilo que põe em perigo a minha vida e aquilo que sustenta a minha vida –, serão seis ou sete anos. Para adquirir maturidade biológica, ou capacidade de procriar, 11, 12, 13 anos. E para ter maturidade psicológica nos vão minimamente 16, 17 anos, se é que alguma vez a atingimos. Muitas vezes a gente vê criançonas de cabelos brancos, no sentido de não serem capazes de se responsabilizar pelos efeitos dos próprios atos.
Então somos uma espécie que demora muito a aprender, simplesmente porque não nascemos equipados para dar conta de nossa existência. Uma tartaruga nasce e já consegue ser autossuficiente. Uma tartaruga marinha sabe onde está o mar, e vai se dirigir para este mar. Ela já vem com um repertório de saberes que lhe permite satisfazer as necessidades desta vida que ela mesma constitui, que ela mesma é.
Não é o caso do humano. Damos conta de nossa vida aprendendo. E aprendemos, obviamente, do meio que temos no entorno. Não podemos dizer que somos 100% fruto do meio, porque senão todos seríamos iguais, mas grande parte de nossas referências internas se constituiu a partir do meio que nos nutriu, nos alimentou e nos deu parte da identidade que afirmamos ser. Nesse sentido, quando se tem uma sociedade na qual os valores que estão sendo promovidos são sempre secundários com referência à vida, ao que é essencial, alguma coisa está errada. A solidariedade e a cooperação não podem ser uma excepcionalidade no humano, são constituintes do humano. A excepcionalidade teria que ser justamente o contrário: negar-se à solidariedade, negar-se à cooperação, negar-se ao compartilhamento.
E temos que ser realistas: o que nos está mostrando uma grande parte dos elementos constituintes daquilo que chamamos cultura – seja a mídia, seja a arte – são rupturas, rupturas, rupturas. Você liga uma TV, passa pelos canais abertos e pelos canais privados, 80% da programação é confronto bélico, é confronto nutrido de raiva, de ressentimento, é busca de uma competição absurda pelos poderes. Os outros 10% são muitas vezes de uma precariedade e de uma indignidade psicológica muito dolorosa: é o deboche, a ridicularização do outro, aquela coisa das pegadinhas, situações em que todo mundo ri, literalmente, da desgraça alheia. Como achar graça de uma criança que está aprendendo a caminhar e cai. Como isso pode ser motivo de chacota? A primeira reação ante algo inusitado é, muitas vezes, o riso. Mas de maneira alguma isso pode ser uma celebração coletiva. Então, o que sobra? Uns 10%, em que se encontram fontes de inspiração na vida animal, em recortes históricos ou releituras de fatos do passado, programas sobre astronomia. São também os que têm menos audiência.
E aí está o grande nó górdio que temos de desatar, porque está fazendo sofrer a todos, sem exceção: ninguém hoje está em uma situação na qual possa desfrutar da vida que lhe está sendo oferecida a cada instante. Penso que é momento de revisitar premissas. Para onde estamos nos dirigindo, qual é o porto a que queremos chegar, e de onde estamos partindo? Não podemos saber com clareza onde queremos chegar se não sabemos de onde estamos partindo. E estamos partindo de um cenário de bilhões e bilhões de anos, que é a vida, que tem uma experiência acumulada extraordinária e provoca admiração – porque também é natural do humano admirar os feitos, não apenas belos, mas também sábios. A gente reconhece intimamente quando há sabedoria. E tudo isso está sendo colocando em perigo pelo estado de arrogância, de prepotência em que a espécie humana terminou se refugiando. Então, penso que são necessários mecanismos urgentes de redefinição das prioridades.
Que mecanismos seriam esses?
A educação, sem sombra de dúvida. Em toda a minha formação escolar, não recebi uma única aula a respeito de questões ambientais. Aliás, a palavra ecologia sequer existia. Hoje já se veem crianças assinalando, dentro de casa: “mamãe, a torneira está aberta; papai, olha a luz acesa; fulano, não jogue papel na rua”. Há uma capacitação das novas gerações para dar conta de uma consciência à qual a minha geração esteve totalmente alheia. As novas gerações também vão ter que criar todo um novo repertório de conciliação com a vida – porque parece que estivemos brigando com ela, dando-lhe as costas, querendo criar um mundo paralelo independente da natureza – o que é impossível. É esquizofrênico.
Que papel as redes sociais podem ter nessas mudanças?
Vai depender do conteúdo com o qual estiverem preenchidas. O instrumento em si é extraordinário, a gente fica até orgulhoso pela capacidade do ser humano de criar instrumentos de ligação. Mas sem uma vinculação, sem criar um nexo com outros, não funciona. Se isso não se sustenta, se isso é líquido, como fala Zygmunt Bauman, a sociedade líquida que não tem raiz, não tem profundidade, não consegue criar sustentabillidade e, consequentemente, promover mecanismos de continuidade. Se não tenho isso, as redes sociais podem se tornar mais um objeto de consumo do tempo e da energia das pessoas. Para mais uma vez fugir do importante e do essencial, que é o compromisso, a relação – com todo o risco que isso acarreta.
Você acha então que as redes sociais precisam se enraizar nas relações pessoais, para ter alguma efetividade?
Sim, e devem estar profundamente aliadas com a compreensão do que são as redes de vida, de como a vida se comporta dentro de macrossistemas e de microssistemas, como em nossa espécie.
A natureza é o nosso espelho?
Sem sombra de dúvida, sem ela não somos nada. Uma coisa que me parece absurda é que todos somos capazes de distinguir carros pelas suas marcas, pelo ano e pelos insumos que trazem. Contudo, se você pergunta a diferença que há entre um ipê e uma paineira, ou ainda quais são as árvores que há em sua rua, a pessoa não sabe. Como podemos distinguir modelos de carros e ser incapazes de distinguir duas árvores? As crianças não sabem diferenciar uma abobrinha de uma berinjela, não sabem diferenciar batata de cará ou inhame – isso é preocupante, porque elas podem viver sem saber a marca dos carros, mas não podem viver sem árvores e sem vegetais.
É sobre isso que falo: de nos referirmos ao importante, ao essencial. Estamos embevecidos, quase narcotizados pelas criações humanas, e nos esquecemos de que tudo isso é possível unicamente porque há um substrato dado pela natureza, dado pela vida, pela terra, a terra que nos nutre e nos sustenta, sem o qual nada vai ser possível. Todas as inovações no campo da sustentabilidade energética, seja energia eólica, seja dos mares, são pensadas a partir de um recurso natural. Não há como sair disso. A energia que inventamos, que foi a energia nuclear, está sendo repensada: será que somos suficientemente responsáveis para dar conta de um instrumento cujas consequências sequer conseguimos prever?
Algum movimento social te chamou atenção, aqui no Brasil ou fora dele?
Para mim o Greenpeace continua sendo uma referência, pela continuidade. Valorizo muito a continuidade em uma ação, esse estardalhaço de projetos fogueteiros, que criam um grande evento e terminam, não leva a nada. Há movimentos interessantes trabalhando seriamente na questão da sustentabilidade, mas penso que isso tem que entrar mais no cotidiano das pessoas, não apenas as discussões sobre sacolinha de plástico. Tem que perguntar: “Como eu, como indivíduo, estou afetando a vida dos outros seres? Qual é a minha pegada ecológica, como é meu consumo?” Em última instância: sou eu que escolho, ou me deixo escolher pela sedução das referências externas? Essas questões têm que passar necessariamente pelo indivíduo.
Gandhi tinha uma frase radical: “Seja a mudança que você quer ver no mundo”. Comece por si mesmo. Você não pode começar pelo mundo, mas pode começar por você. Gandhi tinha essa capacidade de apontar com clareza questões relevantes, acessíveis à participação de todos. Penso que devemos resgatar essa capacidade.
Gandhi esteve vivo em várias manifestações recentes, por sua não-violência.
Sem dúvida. Mas ele é uma referência ainda pouco estudada. Admiramos muito Gandhi, mas não o estudamos. Não estudamos o que está por trás da estratégia que ele utilizou para desmontar o enorme maquinário de colonização – estou falando do Império Britânico, não de um império passageiro – em um país tão populoso e tão rico em recursos naturais quanto a Índia. Sem uma única arma, sem necessidade de disparar um único tiro… como aconteceu isso? Nós ainda não estudamos as estratégias pedagógico-políticas que Gandhi colocou em cena já em meados do século XX – a independência da Índia foi em 1947 e em 1948 Gandhi morreu. Ele escreveu muita coisa, não é que ele seja um ativista sem reflexões nem metodologia. Criou todo um processo estratégico para desmontar o poder e, fundamentalmente, robustecer as massas indianas. Que eu me lembre, Gandhi foi um dos primeiros a promover o poder local – do qual hoje falamos tanto. Insistia constantemente em fortalecer, nutrir, empoderar as aldeias. É nas aldeias que vive o indiano, dizia ele. É nas aldeias que devemos pensar quando falamos da construção de uma nação, de uma identidade nacional.
Diante de tudo isso, você consegue enxergar novas formas de ação política?
Primeiro, temos que despartidarizar as questões políticas. Se a gente não começa a limpar o terreno do político, entendendo que político é aquilo que atende a todos nós, independente do partido em que estamos engajados, vai ser muito difícil resgatar o princípio fundante da vida comunitária, da vida pública. A palavra idiota, em grego, refere-se justamente àquele que não se interessava pelo público, tão apequenado estava por seus interesses pessoais que não conseguia enxergar o cenário do público, do coletivo. Então, se a gente não despartidariza as questões de ordem pública, não vai resgatar a dimensão extraordinária que tem a política.
Talvez a atividade política seja a mais elevada e mais nobre que cada um de nós pode ter. Porque nos erguemos acima de nossos interesses pessoais e passamos a contemplar o que atende às necessidades de uma parcela maior da população. É um ato de generosidade, quando você abre mão de seu espaço para refletir sobre algo maior. A minha perspectiva é despartidarizar questões de ordem pública, o que não quer dizer que os partidos políticos não tenham que ser fortalecidos. São eles, no fim das contas, que vão manter a roda da política em funcionamento. Mas os interesses nacionais, os interesses coletivos têm que estar, muito claramente, acima de qualquer tipo de partidarismo.
Pensando no futuro, como você vê as novas gerações convivendo nesse planeta tão pequeno?
Quando a gente se põe a pensar onde estamos, na periferia de uma galáxia… Não somos o centro da galáxia, dentro dela é tudo elíptico. Em nosso sistema o centro é o Sol, sem o qual não há possibilidade de vida. Nosso sistema é periférico, não é central. E nossa galáxia, dentro do universo, é uma dentre bilhões. Não sabemos se o fenômeno vida, ou alguma coisa semelhante àquilo que chamamos vida, existe em outra parte do universo. O que sabemos é que estamos na crosta de um planeta cuja estabilidade depende de milhões de fatores, e que estamos intervindo em alguns desses fatores, o que provoca alterações que colocam em risco todo o fenômeno da vida.
O fenômeno vida tem três ou quatro bilhões de anos de existência. Isso teria que criar em nós um senso de responsabilidade muito, muito grande. O que possibilita a uma jabuticabeira saber que chegou o tempo de dar fruto? Existe aí toda uma experiência acumulada. Você pode dizer “mas ela não é consciente disso”. A jabuticabeira pode não ser consciente disso, entretanto ela cumpre o seu papel no processo. Aparentemente, somos os únicos que temos consciência de que temos consciência. A espécie humana tem esse diferencial de saber que sabe ou saber que ignora. Isso teria que aumentar o nosso senso de responsabilidade, e não diminuí-lo.
Penso que as novas gerações hoje estão muito mais sensíveis a isso. Você vê uma geração inteligente, capaz, talentosa, em marcha. Por exemplo: está abrindo mão de ter carro para se deslocar na cidade de bicicleta, ainda que esta cidade não ofereça facilidades para tanto. Jovens que estão abrindo mão de ter cargos de liderança em multinacionais porque querem trabalhar em instituições de cunho social, ou ainda dedicar-se mais à família acompanhando a educação de seus filhos. Jovens que deixam de fazer pós-graduações nas universidades legitimadas pelo senso acadêmico e empresarial para ir a trabalhar em uma comunidade de um país asiático, africano, latino-americano. Ou seja, estamos vendo sinais muito evidentes de uma geração que já é muito mais sensível a toda essa rede que eu chamo de as coisas importantes da vida.
Você imagina uma governança global?
Você está vendo a dificuldade que têm as Nações Unidas. A ONU é a arquitetura política mais interessante que tivemos no século XX, e 50 anos não são nada para uma instituição criar seus mecanismos. Mas não acredito na centralidade de um poder. Acredito muito na pluralidade, no poder da diversidade adquirir competência para manter vinculações sem perder sua identidade. Isso de homogeneizar, de ter um discurso único, um repertório de valores únicos, não penso que seja saudável para a humanidade.
Acredito que a humanidade tem que preservar essa capacidade extraordinária de ter diversas representações e compreensões de mundo, mas colocá-las para dialogar. Não para uma convencer a outra, não para uma domesticar a outra, mas, pelo contrário, para se fecundarem mutuamente. Para que cada uma possa potencializar na outra o que tem de melhor. É a diversidade que nos vai permitir ampliar a percepção da realidade. Se fico monocorde, em um único modelo de percepção, simplesmente encurto a minha capacidade de enxergar a realidade. Mas se acoplo cada um com sua característica e essencialidade, amplio a percepção que posso ter da realidade, e isso é muito saudável.
O que não é saudável, hoje, é a insaciabilidade que parece ter o homem contemporâneo: ele quer tudo, quer mais de tudo. Gosto muito daquela frase de Confúcio: “nada é o bastante para quem considera pouco o que é suficiente”. Há aí uma grande lucidez, da qual precisamos nos nutrir e iluminar. A gente perdeu totalmente a noção: nada é suficiente, a gente quer sempre mais, mais, mais e mais. Mas há um limite para o que é saudável desejar. Não há como sentir mais, não há como comer mais.

Elio Gaspari - O repórter que riu por último

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/eliogaspari/1226515-o-reporter-riu-por-ultimo.shtml

06/02/2013 - 03h00

O repórter riu por último

A História, essa trapaceira, fez mais uma. Foi-se o repórter Fritz Utzeri que, em outubro de 1978 publicou, junto com Heraldo Dias, uma reportagem de três páginas no caderno especial do "Jornal do Brasil" intitulada "Quem matou Rubens Paiva?". Fritz foi-se no dia em que a Comissão da Verdade endossou a exposição da farsa do desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva.
Quando Fritz e Heraldo publicaram a reportagem, o Exército informava que Paiva havia sido preso no dia 20 de janeiro de 1971 e, dois dias depois, saiu numa diligência, num Volkswagen, escoltado por um capitão e dois sargentos.
Estavam na avenida Edson Passos, próxima ao Alto da Boa Vista, e foram interceptados por dois veículos onde havia seis ou oito "elementos desconhecidos, possivelmente terroristas, empreendendo fuga para local ignorado".
Rubens Paiva era um homem alto, corpulento. O coração da reportagem levava a uma pergunta lógica: como uma pessoa desse tamanho sai do banco de trás de um Fusca, onde está sob a vigilância de dois sargentos paraquedistas, atravessa um fogo cruzado e vai-se embora?
Uma sindicância do 1º Exército encaminhada ao Superior Tribunal Militar fora uma farsa. Desde 1989, com a publicação do livro "A Hora do Lobo, a Hora do Carneiro", do tenente-médico Amilcar Lobo, do DOI, sabe-se que ele examinou Rubens Paiva numa cela, nas primeiras horas do dia 21, diagnosticou-lhe uma hemorragia interna e recomendou sua imediata internação. Na manhã seguinte, soube que ele morrera.
Fritz Utzeri riu por último porque a exposição do caso pela Comissão da Verdade deu-lhe uma nova dimensão. Ficando-se apenas na cena do desaparecimento de Rubens Paiva, de quem foi a produção da mentira? Do encarregado da sindicância? Dos oficiais que estavam no DOI naqueles dias? Do capitão e dos sargentos da escolta?
O silêncio dos comandantes militares em torno dos crimes praticados com pleno conhecimento dos presidentes da República e dos hierarcas da época tem feito com que aquilo que foi uma política de Estado deslize exclusivamente para os ombros de oficiais que eram capitães, majores ou, quando muito, coronéis. Todos muito elogiados e frequentemente condecorados com a Medalha do Pacificador.
Os documentos oficiais da farsa do assassinato de Rubens Paiva arrolam seis oficiais e dois sargentos. Pelo menos dois militares daquele DOI estão vivos, um dos quais (major à época) na condição de general reformado.
Pelo andar da carruagem, será possível chegar a uma situação na qual os oito militares serão catapultados à condição de autores de uma farsa destinada a encobrir um assassinato. Passados mais de 30 anos, a política de acobertamento de crimes do Estado joga sobre os ombros dos subalternos toda a responsabilidade pelo cumprimento de diretrizes de seus superiores.
Enquanto houver um comandante militar dizendo que "sempre respeitamos os direitos humanos", esse deslizamento será inevitável.
"Sempre", não. Seguindo-se semelhante doutrina cria-se uma situação na qual primeiro torturaram-se os presos e, depois, torturam-se os torturadores para preservar os mandantes.
Serviço: a reportagem de Fritz e Heraldo Dias está no site do "Jornal do Brasil".
elio gaspari Elio Gaspari, nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'.

A Máfia do futebol - para quem acredita nisso ainda

Obtido de: http://www.cartacapital.com.br/internacional/mafias-e-dinheiro-facil-acabam-com-o-esporte/



Gianni Carta

Máfias e dinheiro fácil acabam com o esporte

Segundo a Europol, 680 partidas de futebol foram “compradas” entre 2008 e 2011, inclusive na América Latina
por Gianni Carta publicado 05/02/2013 15:54, última modificação 05/02/2013 16:36 
 
Seriam 425 jogadores, árbitros, dirigentes e outros intermediários envolvidos no maior escândalo de manipulação de resultados na história do futebol. Nada menos do que 680 partidas disputadas principalmente no Velho Continente, mas também na África, Ásia e na América Latina, entre 2008 e 2011, teriam sido “compradas”, segundo a Europol. 
 
A sede dessa rede mafiosa, em Singapura, teria ramificações mundo afora.
Segundo a rede noticiosa BBC, somente no campeonato alemão foram injetados 16 milhões de euros, para um retorno de 8 milhões de euros.
E o quadro é ainda pior do que parece. Rob Wainwright, o diretor da Europol, diz que as últimas revelações são “apenas a ponta do iceberg”.
A Europol é a polícia da União Europeia que combate a criminalidade organizada.
No esporte mais popular do mundo, o mais importante é o dinheiro fácil. E aqueles injustos cartões vermelhos e gols anulados fazem sentido nesse campo comandado pelas máfias internacionais.
No entanto, sabemos que a corrupção rola solta no futebol faz tempo. De fato, o senhor Sepp Blatter, presidente da FIFA, poderia estar envolvido em mais este caso de corrupção: qualificações para a Copa do Mundo fariam parte desse esquema mafioso desmantelado pela Europol.
E na semana passada, o semanário francês France Football revelou que houve pouca transparência por parte da Federação Internacional de Futebol ao confiar a organização da Copa de 2022 ao Catar.
É claro, essa corrupção a permear o futebol não é de hoje. Antes de Blatter tivemos outros nebulosos administradores, como o brasileiro João Havelange.
Mais trágico ainda é o fato de que não são somente entusiastas do futebol a sofrer com essas revelações. Escassos dias atrás, vimos o ex-ciclista Lance Armstrong admitir com sua cara de jogador de poker que sem coquetéis de drogas jamais teria vencido sete Tours de France.
Lavagem de dinheiro, drogas e partidas “compradas”. Nós, mortais, nem sequer nos identificamos mais com os superatletas, quase todas e todos super drogados.
Somente agora as organizações de tênis se deram conta que os tenistas também poderiam estar tomando coquetéis de drogas. Os testes para esses atletas não têm sido tão rigorosos.
Diante de materiais que aumentam a velocidade da bola, tenistas cada vez mais parecidos com super-heróis, os quais, após partidas intermináveis, se recuperam para jogar no dia seguinte (e eles não têm como evitar esse ritmo, dado o crescente número de torneios e patrocinadores), cabe a seguinte pergunta: o tênis, como o ciclismo, o futebol e outros esportes não estaria também mergulhado nesse mundo no qual o vencedor é o empresário, ou mafioso, e não o torcedor em busca daquela jogada que o coloca em estado de êxtase?
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terça-feira, 25 de março de 2014

Lia Diskin: "Aprender é se alegrar, é ter prazer, é celebrar."


Obtido de: http://www.contec-brasil.com/pt/newsletter/01008/

Todos os direitos reservados à Contec Brasil e à jornalista Ivani Cardoso. Este post tem o propósito de divulgar a entrevista aos que não tem acesso ao site da Contec. Caso não seja seu caso, prefira acessar a entrevista no site acima.

Aprender é se alegrar, é ter prazer, é celebrar
  Por Ivani Cardoso

A tecnologia ajuda a rever o que está distorcido ou esquecido no processo de aprendizagem. Essa frase é da jornalista, escritora e conferencista internacional Lia Diskin, cofundadora da Associação Palas Athena (1), de São Paulo. Ela defende a inovação na escola e garante que é muito melhor aprender matemática com jogos do que com fórmulas: “O conhecimento vem para resgatar esse poder ilimitado e extraordinário do prazer de aprender”. Há anos ela trabalha com o tema cultura de paz e não violência e recebeu Medalha da Associação Cultural Internacional Gibran (ACIGI) por "Acrescentar ao Progresso do Ocidente a Sabedoria do Oriente" (1986). Recebeu o Prêmio Internacional da Jamnalal Bajaj Foundation na Índia, pela difusão de valores gandhianos fora do país em 2010. Recebeu da UNESCO o Diploma de Reconhecimento por sua contribuição na área de Direitos Humanos e Cultura de Paz durante as comemorações dos 60 anos da UNESCO, em 2006.


Lia nasceu na Argentina, está há 42 anos no Brasil, é criadora de dezenas de programas culturais e sócioeducativos e coordenadora do Comitê da Cultura de Paz - um programa da UNESCO. Ao mesmo tempo em que reconhece que estamos vivendo tempos difíceis, em um ponto difícil de encontrar saídas, ela não perde o otimismo, principalmente quando fala em Educação. Entre os fatos positivos acontecendo, ela cita exemplos de várias escolas públicas do Estado de São Paulo que adotaram a mediação de conflitos em seu cotidiano e com ótimos resultados. “É um jeito de mostrar que há limites a serem respeitados e que há uma força unindo todos: o desejo de aprender. Sem isso a escola vira não um teatro, mas uma ópera bufa. A educação exige um novo olhar para todos os envolvidos. Professores e alunos estão aprendendo juntos. Aprender não é sofrer, é celebrar, é se alegrar, é brincar. E ainda bem que há tantas novas tecnologias para facilitar esse tipo de aprendizagem”.

Os jovens de hoje estão alienados, como muitos dizem?
Não, ao contrário, a meninada de hoje está muito mais consciente, mais ligada na natureza, está questionando o uso do carro e optando por usar a bicicleta em uma cidade como São Paulo. Os jovens estão abrindo mão de viajar para os Estados Unidos para visitar comunidades africanas, bolivianas, frentes de trabalho e lugares assim. A estrutura que está aí é que é ruim e não os jovens. Vemos essa situação terrível acontecendo no Maranhão, mas sabemos que há muito tempo está assim, que 70% dos detentos são reincidentes e não é só aqui não, é no mundo inteiro. O sistema penitenciário precisa ser revisto. Como podemos querer reparar o sofrimento que alguém causou provocando o mesmo sofrimento, ou maior sofrimento ainda?
O que há de errado com o nosso sistema educacional?
Por que a aprendizagem é associada a sacrifício? Aprender tem que ser divertido, tem que ser um prazer extraordinário e que pode ser adquirido de várias formas, de várias fontes e com vários instrumentos. O ser humano é criativo e, desde pequeno, tem a vocação para saber, para aprender. Felizmente hoje já se fala em metodologia lúdica na educação e é isso que está correto.
E o uso das novas tecnologias auxilia ou atrapalha a educação?
A tecnologia ajuda a rever o que está distorcido ou esquecido no processo de aprendizagem. É muito melhor aprender matemática com jogos do que com fórmulas. O conhecimento vem para resgatar esse poder ilimitado e extraordinário do prazer de aprender. O uso das redes sociais é assumido pelos jovens porque representa um caminho natural para a companhia, para a troca.
Que outros benefícios a tecnologia traz para a educação?
Ela nos permite utilizar o processo comparativo que antes não tínhamos. Os alunos hoje recebem informações diferentes de lugares diferentes, mas têm meios para procurar a resposta. A manifestação nacionalista, ideológica e chauvinista não é mais possível. Hoje não há mais lugar para ocultar nada, estamos vivendo tempos de transparência em tudo, para o bem e para o mal. Claro que tem o outro lado também, há muita transparência, mas não temos mais privacidade e estamos lidando com a fragilidade da exposição.
E como fica a posição do professor nesse panorama?
O professor não pode ter medo de aprender junto com os seus alunos. Pela primeira vez na história da humanidade esta geração de jovens detém um conhecimento maior do que seus pais ou professores. Antes, os mais velhos exerciam o poder transferindo a experiência e o conhecimento para os mais novos. Os jovens de hoje têm mais poder porque eles têm mais conhecimento, e isso cria situações de conflito. Se o jovem não estiver preparado para lidar com esse conhecimento, que dá poder, ele poderá desenvolver a soberba, a arrogância, a autoconfiança excessiva e outros comportamentos que não são saudáveis.
Qual é a melhor forma de o professor lidar com essa situação?
O professor tem que entender que hoje ele não é mais a fonte de transferência do conhecimento e sim deve ser um facilitador ao acesso desse conhecimento e ao talento do aluno. O professor que consegue enxergar essa verdade percebe que o aluno não quer só o conhecimento, ele também quer vínculos, ele quer a sensação de pertencimento, ele quer o seu porto seguro para ajudá-lo a aquietar a sua turbulência interna. E isso a Internet não traz. Esse é o papel mais importante do professor de hoje.
Esse processo não tem volta?
Não só não tem volta como vai demorar décadas para ser compreendido, adaptado e metabolizado. Essas mudanças não acontecem de uma hora para outra, elas levam de duas a três gerações para se concretizarem. E esse tempo vem carregado de incertezas, inseguranças, insatisfações, ansiedades, depressões. As crianças e os jovens, por sua vez, estão passando por problemas de déficit de atenção e não estão conseguindo focar em nada. Há informação demais e tudo é muito atraente, e o tempo todo. Esse tipo de sociedade cria uma situação perversa. Oferece um deleite, mas não dá tempo para desfrutá-lo. É mais ou menos a metáfora da fruta madura que quando vai ser comida alguém tira da boca no exato momento de experimentar. Isso vai criando frustração porque somos criaturas de experiência e não apenas de expectativas.
E como ficam as relações pais e filhos nesse cenário?
Também passam por momentos críticos porque até então esse cenário era inimaginável. Estamos todos perplexos com o que está ocorrendo. Os filhos hoje dão conselhos sobre relacionamentos amorosos para os pais. A vida está nos forçando a mudar atitudes enquanto o ser humano prefere sempre ficar apegado à tendência normal de repetição, não quer sair da zona de conforto que dá uma segurança, mesmo que falsa. O importante é pensar que as mudanças e a possibilidade de sair dessa zona de segurança podem trazer benefícios. Antes era normal e elogiado o funcionário que ficava por mais de 30 anos na mesma empresa até se aposentar. Hoje nem os funcionários nem os patrões querem isso. São muitas variáveis que se oferecem ao mesmo tempo.
E as relações pessoais, como ficam?
Elas também são impactadas por tudo isso. Nosso universo dos afetos está em crise. Mudanças estruturais estão ocorrendo na família. As luzes nem sempre vêm para iluminar, elas também podem ofuscar. São tempos inquietantes, mas são fascinantes. Os jovens estão aprendendo que podem fazer escolhas, mas para fazer escolhas melhores precisam de maturidade. Liberdade não é só garantia de ganho, é de perda também. Os jovens estão percebendo que não podem abocanhar tudo e que é importante aprender a perder.
E as gerações dos pais que hoje têm 50, 60 anos?
Essas gerações foram criadas por outras que viveram as consequências de duas grandes guerras mundiais e as dificuldades que elas trouxeram. Depois isso surgiu a ideia de aproveitar e desfrutar as coisas boas da vida porque poderiam ser passageiras. O grande segredo é ter consciência, em qualquer idade, da nossa interdependência. Os jovens estão aprendendo pela inovação e não mais pela imitação dos pais.
Qual a melhor ferramenta desses novos tempos?
Hoje se fala muito no processo de mediação de conflitos, mas aqui na Palas Athena nós falamos disso há décadas. E qual é o grande segredo da mediação? É essencialmente entender que não se pode atender ao mesmo tempo expectativas diferentes. É preciso negociar, dialogar e ouvir o outro neste novo cenário democrático. Não dá mais para resolver o conflito pelos velhos mecanismos autoritários que hoje não funcionam mais. A proposta da mediação é qualificar a escuta, tentar concluir qual é a necessidade mais urgente, qual é a mais genuína, qual é realmente a prioridade. Não culpar nem se fazer de vítima e sim assumir a sua responsabilidade. As pessoas devem sair do conflito melhores do que entraram.
As escolas fazem mediação?
Sim, felizmente temos vários exemplos inclusive de escolas públicas que adotaram a mediação e com ótimos resultados. É um jeito de mostrar que há limites a serem respeitados e que há uma força unindo todos: o desejo de aprender. Sem isso a escola vira não um teatro, mas uma ópera bufa. A educação exige um novo olhar para todos os envolvidos. Professores e alunos estão aprendendo juntos.
A sociedade passa por tempos de muita violência. Como a senhora avalia essa situação?
Desigualdades gritantes, ódios, humilhações sociais que se arrastam por gerações. Tudo isso existe e é triste, mas pelo menos podemos dizer que atualmente estamos enxergando e não apenas fingindo indiferença. A visibilidade para a realidade é um novo e longo caminho a percorrer. Quando eu vejo os ataques e humilhações às mulheres na Índia e sei que agora homens e mulheres protestam contra isso sinto que estamos no caminho. Quando eu vejo uma menina como a Malala lutar contra os opressores pelo direito de estudar. Ou como no caso da menina que não queria explodir em um atentado terrorista e sim viver, nesses momentos eu sinto que realmente as coisas estão mudando. À medida que você se incomoda com as coisas erradas está dando um passo para ajudar a resolvê-las.
Como a senhora vê as manifestações nas ruas?
É insustentável se falar em qualquer pacto social sem confiança mútua. Na democracia você precisa dessa confiança mútua, ao contrário de regimes totalitaristas que funcionam com a obediência. Grande parte desses jovens que foram às ruas no ano passado {e ela fez questão de ir também, acompanhar e saber o que eles pensavam} estava lá porque um pacto de confiança foi quebrado, quando os políticos que deveriam representá-los, porque votaram nele, não cumpriram com esse pacto. Esse conceito se aplica à política, ao mundo empresarial e a qualquer projeto que deve se sustentar na confiança e no compromisso de não lesar o outro aproveitando-se do poder conferido por um cargo, da falta de meios para verificar as decisões que estão sendo tomadas em nome de muitos outros, anônimos, cidadãos.

(1) http://www.palasathena.org.br/



domingo, 16 de março de 2014

O Legislativo esvaziado: "Consenso Negativo", por Carlos Mello

Obtido de: http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,consenso-negativo,1141231,0.htm

Essa postagem tem por objetivo divulgar ideias e reportagens ao jornal 'Estado de São Paulo'. Caso não seja seu caso, prefira acessar o jornal, no link acima.

Todos os direitos reservados a Carlos Mello e ao jornal "Estado de São Paulo".

Consenso Negativo


Ao conceder superpoderes à Presidência e transferir decisões para o Judiciário, parlamentares viraram judas de malhação

15 de março de 2014 | 15h 33
Carlos Melo*
É fato que durante algum tempo o presidencialismo de coalizão do Brasil fez o seu papel: o antipático "é dando que se recebe" foi impiedosamente apedrejado pela opinião pública, mas contribuiu para a efetivação de importante agenda econômica e social. O País saiu da ditadura e do caos inflacionário para um regime que distribuiu renda e fez considerável inclusão. Modernizou-se em vários aspectos e, mesmo com tanta desinteligência que há, é mais democrático do que jamais foi. Houve inegável avanço. Pode-se dizer que o preço - na moeda corrente de cargos e recursos públicos que distribuiu - valeu, já que a transformação não foi pequena. Política também é custo-benefício, e o Brasil de hoje é melhor do que há 20 anos. Ademais, em qualquer lugar, fazer reformas profundas é tarefa custosa.

'Blocão'. Temos partidos que não mais representam partes do todo social  - Dida Sampaio/Estadão
Dida Sampaio/Estadão
'Blocão'. Temos partidos que não mais representam partes do todo social
Mas é necessário reconhecer que, de uns tempos para cá, esse mesmo presidencialismo mudou de caráter e a relação ficou deficitária. Aliados de ocasião recebem seu quinhão de poder, mas já não garantem a execução de programas. As tais "maiorias" são incapazes de fazer reformas e pouco colaboram com os governos. Delas se espera, antes, que não atrapalhem, aprovem "alguma coisa", mas que, sobretudo, anulem a oposição e garantam tranquilidade na esfera parlamentar, evitando o constrangimento de CPIs e outros perrengues. Antes que se atribua responsabilidade exclusiva ao PT, é bom dizer que nos Estados governados pela oposição as Assembleias Legislativas têm, em regra, o mesmo padrão.
Culpa dos governos que não têm agenda, ou não têm agenda porque não acreditam na capacidade de suas coalizões cumprirem acordos sem impor novos custos, tornando o processo de reforma mais dispendioso que o mal que se procura curar? O fato é que há um vazio de projetos, planos, propostas; um irritante vazio de Política com o "P" maiúsculo. O Brasil chegou à perfeição ou houve uma rendição incondicional às impossibilidades colocadas pela pequena política? Estamos longe, muito longe, da perfeição.
Burocratas tocam o barco, esperando pelo final do expediente; acreditam em ordens. Já estadistas são visionários, enxergam adiante com olhos no futuro distante; trabalham com a persuasão, a todo o momento. Estão escassos no Brasil de hoje. A impressão é que a realidade dobrou espíritos ousados e a única providência possível é contornar os problemas em vez de resolvê-los; deixar que o longo prazo e a crise resolvam o que a timidez e os interesses imediatos não permitem no presente. Quem nasceu primeiro: o vazio de propostas ou a desconfiança dos governos de seus aliados? É possível que sejam gêmeos. O fato é que esvaziar a agenda parlamentar aliciando partidos e políticos tornou-se o mais comum.
Mansamente, o Legislativo se deixou cooptar, abriu mão de prerrogativas e concedeu superpoderes aos presidentes da República. Também transferiu ao Judiciário a responsabilidade de decidir questões que lhe caberiam. Fez de Dilma e de Joaquim Barbosa os heróis de cada uma das metades em que o País tem se dividido. Mas, também, transformou parlamentares num consenso negativo nacional: judas em sábado de aleluia. A safra de políticos é ruim - raros resistiriam a testes mínimos de qualidade. Isso faz com que se despreze a própria atividade. Sem plantar boas sementes de Política, por geração espontânea só crescerá erva daninha nesse pasto.
Partidos políticos deveriam, como diz o nome, representar partes do todo social; parlamentares negociariam interesses difusos, amalgamando a sociedade. O Brasil tem hoje 34 partidos; seria interessante se pudéssemos creditar essa expressiva quantidade à variedade de grupos e interesses reais em ação. Não há, entretanto, setores que se sintam realmente representados. O descolamento revela que o sistema assumiu uma lógica própria, funcionando, basicamente, para si mesmo. Os cargos e o poder que lhes cabem na divisão de recursos - escassos - retornam à sociedade apenas se, ocasionalmente, os interesses de partidos e políticos vierem a coincidir com interesses sociais mais amplos. A coincidência de interesses deixou de ser regra, é exceção.
Pelo ângulo estrito da real política que se faz, a crise entre o governo Dilma e sua base não surpreende. É o que tem sido, uma mesmice sem novidades. Então, não há momento melhor para garantir posições e recursos do que períodos pré-eleitorais; arriscar a reeleição de Dilma parece ser pressão suficiente para derrubar barreiras, nos Estados e no ministério. Assim, o PMDB e aliados acautelam-se para que a fonte de sua força não se esgote. Já o governo, apoiado no suposto favoritismo da presidente, busca sujeitar aliados incômodos que têm retirado do PT importantes nacos de poder - no Congresso Nacional, nos Estados e no ministério. Falta Política num grau elevado. E mesmo para a política que se tem, inexiste coordenação capaz de fazer a partilha. Não se sabe que a alcateia é controlada com sagacidade, não com rugidos de tigres desdentados? Enfim, não se trata de projeto, visões de mundo, conflitos ideológicos: a parada se resume ao cretinismo eleitoral a que a Política foi reduzida. Só isso.
* Carlos Melo é cientista político, professor da Insper e autor de Collor - o ator e suas circunstâncias (Novo Conceito).

sábado, 15 de março de 2014

Desafios 2015: ‘Para escapar do pibinho, o caminho é a abertura’ - Edmar Bacha

http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,para-escapar-do-pibinho-o-caminho-e-a-abertura-diz-edmar-bacha,179704,0.htm

Todos os direitos reservados aos jornalistas Alexa Salomão e Vinicius Neder e ao jornal 'O Estado de São Paulo'. O propósito da reprodução da reportagem neste blog é divulgá-la aos que não tem acesso ao jornal. Caso não seja o seu caso, por favor, leia a entrevista no link acima.

  ‘Para escapar do pibinho, o caminho é a abertura’, diz Edmar Bacha

A integração às cadeias globais de produção levará ao choque de produtividade que o País precisa

15 de março de 2014 | 20h 27
Alexa Salomão e Vinicius Neder - O Estado de S. Paulo
RIO - No atual debate político econômico brasileiro, poucos têm posição tão clara como o economista Edmar Bacha. "Não é segredo para ninguém que sou tucano", diz ele. Um dos pais do Plano Real e hoje diretor da Casa das Garças, ponto de encontro carioca reservado às discussões de temas de interesse nacional, Bacha defende que o novo governo vai precisar impor um "desafazimento" da atual política macroeconômica e lançar as bases para uma abertura comercial de longo prazo.
Edmar Bacha, diretor da Casa das Garças - Marcos de Paula/Estadão
Marcos de Paula/Estadão
Edmar Bacha, diretor da Casa das Garças

Segundo Bacha, os "pibinhos" são frutos do isolamento nacional. "Estou convencido que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional", disse na entrevista que se segue.

No evento que marcou os 20 anos do Plano Real, na semana passada, o senhor disse que no primeiro dia do novo governo seria necessário retomar a reforma tributária. A agenda se resume à reforma?

Edmar Bacha: Não. Com certeza é mais ampla. Eu parto de um diagnóstico, com uma sequência de pontos. O primeiro ponto é a constatação que estamos presos na chamada armadilha da renda média. Desde 1981, o Brasil vem tendo um crescimento medíocre. Esse processo parecia ter se alterado a partir de 2004. Porém, fica muito claro hoje que o impulso adicional que a economia teve entre 2004 e 2011 foi fruto único e exclusivo da bonança externa. A alta dos preços das commodities (matérias-primas com cotação internacional) e a enorme entrada de capital nesse período propiciaram e financiaram um extraordinário aumento da demanda interna. Como havia no começo do período uma capacidade ociosa acentuada e um desemprego alto, isso permitiu, durante esse período da bonança até 2011, que o País crescesse mais do que vinha crescendo no período anterior. Com a reversão da bonança, os preços das commodities começaram a cair e o fluxo de capital, por circunstâncias diversas, se reverteu, e voltamos aos pibinhos. Associado a esses pibinhos vem algo peculiar. Se temos pibinhos, deveríamos ter inflação baixa. No entanto, ao contrário, estamos com inflação elevada para os padrões dos nossos vizinhos - com exceção de Argentina e de Venezuela, que ninguém mais leva em conta. Há também déficit externo, quando pibinhos são associados a superávits comerciais. Esse conjunto denota que a economia brasileira tem uma enfermidade. Estamos diante de uma doença brasileira, que se forma pela associação de baixo crescimento, alta inflação, déficit externo e, para compor o quadro, desindustrialização. O que se constata é que o pibinho não é produto do atual governo, não é cíclico. É uma característica da economia brasileira há 30 anos. Uma característica quase secular - o País tem limitações para fazer a transição para o primeiro mundo.

Qual o segundo ponto do diagnóstico?

Edmar Bacha: O segundo ponto é o que se vê quando listamos os países que, no pós-guerra, conseguiram fazer a transição da renda media para a renda elevada. Não foram muitos. Na minha conta, foram uns dez. Os Tigres Asiáticos e Israel fizeram a transição com base na indústria exportadora. Os países da periferia europeia - Portugal, Espanha, Grécia e Irlanda - fizeram a transição com base em prestação de serviços, inclusive com a concessão de mão de obra para a comunidade europeia. O terceiro conjunto de países inclui Austrália, Nova Zelândia e eu também colocaria no grupo a Noruega. Até o final dos anos 1960, a Noruega era o mais pobre entre os nórdicos e agora é o mais rico. Esses três países fizeram a transição na base de produtos naturais. Cada um fez a transição a sua maneira, mas com uma característica comum: todos se integraram a um mercado maior e encontraram nichos a partir dos quais conseguiram se desenvolver. Isso é empírico. A transição ocorreu por meio da integração internacional. Analiticamente, parece claro - para transitar da renda média para a alta renda, o nome do jogo é produtividade. Para todos esses países havia acabado a fase fácil em que se conseguia aumentar a produtividade trazendo gente da cidade para o campo - a fase em que a China e a Índia ainda se encontram. Como o ambiente urbano é mais produtivo que o campo, a mera transição do campo para a cidade, num contexto frequentemente de substituição de importações, permite que se faça a transição da pobreza para a renda média.
O Brasil já fez essa transição no mercado de trabalho, não? Hoje, nem a demografia ajuda mais.

Edmar Bacha: Com certeza. É fato que acabou o excesso de mão de obra. Somos todos urbanos e não há mais crescimento da mão de obra. Mas nesse contexto temos que nos perguntar o que é produtividade. Em parte, é tecnologia. É preciso utilizar bens de capitais e insumos modernos. Produtividade também é escala. É preciso ter um mercado amplo para ter acesso aos benefícios da escala. Isso é uma característica da produção moderna. Terceiro, é preciso especialização. As empresas devem estar focadas naquilo em que são boas. Quarto, é preciso ter concorrência. Esse conjunto de fatores só se encontra quando um país se integra ao comércio internacional. Nisso está nosso problema. Quando comparamos o Brasil ao resto do mundo, para surpresa de muita gente, o País está em outra direção. Entre os 176 países para os quais os Banco Mundial tem dados, o Brasil é o que tem menor participação das importações no PIB - 13%. Contei isso para dois colegas da PUC-Rio num almoço e eles perguntaram: mas você tem certeza disso? Sim. O Brasil é o País mais fechado do mundo, sem considerar a Coreia do Norte, para a qual não há dados. E isso ocorre dos dois lados da balança. É assim tanto para importações quanto para exportações. O Brasil é um gigantinho em termos de PIB - é o sétimo do mundo. Mas é um anão em termos de exportações - o vigésimo quarto. Todos os outros seis que vêm antes do Brasil têm grandes PIBs e são grandes exportadores. A União Europeia, os Estados Unidos, a China, o Japão. Todos têm essas características. O Brasil é um grande que não exporta. Se ainda há alguma dúvida sobre a situação em que se encontra o Brasil, podemos fazer mais uma comparação. Nos anos 1960 e 70, a Coreia do Sul também crescia com base na substituição de importações, mas a partir do choque do petróleo, em 1974, houve uma total inversão na sua estratégia. O país passou a praticar uma forte política de promoção às exportações. Hoje, a Coreia exporta 58% do PIB. O Brasil exporta 12% do PIB. Há 40 anos, o PIB per capita da Coreia do Sul era praticamente igual ao do Brasil. Hoje, é três vezes maior do que o brasileiro. A Coreia tem grandes grupos empresariais exportadores, com tecnologia de ponta, educação de primeira. Se começarmos a fazer uma lista de requisitos para o desenvolvimento, não vamos parar mais. Volta e meia tem gente que faz uma lista de tudo que precisa ser consertado no Brasil e na hora que você vê a lista fica desesperado. Se é preciso consertar tantas coisas, não vamos chegar lá. Mas como Hirschman (Albert Hirschman, economista americano) nos ensinou: temos de pensar em termos de estratégia. Quais são os fatores críticos que, uma vez alterados, forçam o realinhamento do resto? Estou convencido, por todas as razões que acabo de falar, que para o Brasil crescer o caminho é a abertura para o comércio internacional.

Pela sua exposição, foi feito tudo ao contrário do que se deveria, então.

Edmar Bacha: Sim. Hoje temos uma economia improdutiva, de alto custo, que sobrevive com enormes níveis de proteção. Nossos altos preços são frutos de uma economia fechada. A resposta do governo para toda essa problemática, principalmente depois de 2007, foi fechar mais. Quando o governo viu a desindustrialização e a incapacidade de concorrência das nossas empresas, ele aumentou as tarifas de importação e reduziu o IPI para produtos como automóveis produzidos localmente. Houve uma generalização da política de conteúdo local, da ideia de adensamento produtivo e da percepção de que é preciso criar mais proteção. Vou usar uma analogia. Vocês são muito jovens e não vão lembrar, mas tudo bem. Nos bondes de Belo Horizonte, nos anos 1950, havia anúncios do Regulador Xavier, O Grande Amigo da Mulher. Número 1: excesso. Número 2: escassez. Nós temos escassez de exportação e, portanto, precisamos de Regulador Xavier número 2. Abertura. Mas o governo está usando como remédio o Regulador número 1, que é para excesso. Faz isso porque vê excesso de importações. E ainda tenta corrigir o problema setorialmente. Vai setor por setor, olhando qual é o déficit comercial. Na indústria da saúde - esse eu sei - o déficit é de US$ 11 bilhões. Na indústria de eletrônicos - esse eu também sei - US$ 16 bilhões. Em função dos déficits setoriais, o governo cria estratégias de proteção, via subsídios creditícios do BNDES e via requisitos de conteúdo local, exagerados. São excrescências. E há ainda uma terceira excrescência: os PPBs, Processos Produtivos Básicos. Se você quer se beneficiar dos subsídios e da proteção para produzir a tomada de três pontas - esse grande avanço tecnológico brasileiro (risos) - basta submeter um projeto ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, apresentando especificações das diversas etapas do processo produtivo, e um burocrata do ministério vai dizer quanto você tem que comprar de produto local para produzir aquele bem. É a mesma coisa por todos os lados: para dar uma resposta à baixa produtividade o governo aumenta a improdutividade, criando e ampliando toda essa parafernalha. Vou dar um exemplo bem pequenininho. A Unesco está lançando um concurso de projetos, voltado a pesquisadores de universidades interessados em fazer um estudo analítico sobre como aprofundar a política de adensamento produtivo, de maneira a beneficiar os setores mais atingidos pela onda das importações. Veja você: é um projeto realmente encomendado e financiado por alguém do Brasil para a Unesco e a gente sabe que vai ter só uma proposta, de uma universidade do interior paulista. A gente precisa romper com essa combinação desastrosa que existe no Brasil de hoje.

O argumento usado em favor da proteção é de que o País precisa preservar empregos e setores mais frágeis da economia. A abertura será necessariamente traumática?

Edmar Bacha: Primeiro eu vou ter de convencer que a abertura é o caminho. Feito o convencimento, teremos de definir a estratégia - e essa estratégia precisa passar por dois testes. O teste de política econômica, que cumpra com requisitos básicos como eficiência, geração de emprego, desenvolvimento de tecnologias, e o teste do setor, porque é preciso levar em conta que a estratégia pretérita criou grupos de interesse e realidades subjetivas. As multinacionais vieram para o Brasil com o compromisso implícito do governo de que o nível de proteção não iria abaixar. Eu mesmo vi isso. Conversando com representantes de indústrias químicas interessadas em se expandir, eles só diziam uma coisa: "mas vocês garantem que não haverá redução das tarifas depois de a gente entrar? Daqui a gente não consegue exportar. Se houver redução das tarifas a seco, vamos à falência porque nossos concorrentes, que produzem lá fora a preços bem mais baixos, vão conseguir vender aqui com muito mais facilidade." Como fazer a transição é um problema e, para superá-lo, eu tenho uma proposta baseada em três pilares. O primeiro pilar é reduzir o Custo Brasil. Os empresários têm toda razão de reclamar do peso e da complexidade da carga tributária brasileira. Têm toda razão de reclamar da falta de logística, da precariedade de nossos portos, estradas e aeroportos. Portanto, o primeiro pilar é atender a esse reclamo. Por isso, eu disse que no primeiro ano do novo governo é importante dar uma limpada de área e fazer uma reforma tributária que ao menos simplifique o sistema. O Dornelles (Francisco Dornelles, senador) tem a proposta do VAT (termo em inglês para Imposto de Valor Adicionado, ou IVA) nacional, que teria impacto sobre toda a estrutura. O resultado seria extraordinário em termos de redução da complicação e do aparato de pessoas e processos administrativos e judiciários, contadores e advogados, que as empresas precisam manter para atender e muitas vezes se contraporem as exigências do fisco. Uma coisa que só aumenta a improdutividade da economia. Uma simplificação é essencial. Assim como é essencial entrar de corpo e alma no processo de concessões para termos portos, aeroportos e estradas com a mínima condição de escoar nossa produção. É um programa para sete anos - os três anos do primeiro, mais os quatro do segundo mandato...

É o que o sr. já chamou de Plano Real para a indústria?

Edmar Bacha: Dei esse nome lá atrás para chamar a atenção.

O sr. rebatizou?

Edmar Bacha: Com esse nome, ficava banalizado. O Real foi o que foi. Usei esse nome como uma maneira de chamar a atenção para o projeto - e funcionou. Fui chamado para falar na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), no Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André, no Itamaraty, no Senado. As pessoas já estão atentas à substância do projeto.

Quais os outros pilares do plano?

Edmar Bacha: O segundo ponto, como dizia, é trocar todo o aparato protecionista - tarifas, preferência por compras governamentais, política de conteúdo nacional, o crédito subsidiado e outros - por câmbio. O câmbio não é de graça. Se fosse de graça, seria inflacionário. Mas no contexto em que você está reduzindo o custo dos importados, pode se dar ao luxo de elevar o preço das exportações. Ao substituir a proteção tarifária pela proteção cambial, já se faz seleção natural. Quem se beneficia da proteção cambial são as empresas e setores mais eficientes, com maior capacidade exportadora. Não será preciso manter um aparato de microgerenciamento, como há hoje. É claro que será preciso ter mecanismos indutores. O governo vai precisar ficar atento a quais são as vantagens naturais existentes, aos rumos da tecnologia mundial, a como se defender de concorrentes comerciais, onde é possível entrar mais facilmente. Esse é um enorme papel para o Estado dentro de uma política industrial voltada à integração da economia brasileira às cadeias internacionais de valor. Isso vai substituir a atual política de adensamento produtivo. A terceira perna são os acordos comerciais. Vamos abrir, sim, mas não vamos entrar no jogo de graça. A decisão de abrir é unilateral e progressiva. Precisa ficar claro para as multinacionais que estão aqui que o jogo mudou, mas que elas terão tempo de se adaptar. Poderão deixar de produzir tudo localmente e se integrar às suas filiais e subsidiárias internacionais. O comércio internacional de hoje não é igual ao que existia no tempo de David Ricardo (economista inglês, um dos pais da escola clássica no século XIX), quando Portugal exportava vinhos e importava tecidos da Inglaterra. Hoje o comercio é intrasetores e intrafirmas, dentro das indústrias, como a automobilística. Mais recentemente, ele se tornou intraprodutos. Onde o iPad é produzido? Depende de que nível estamos falando. Ele é concluído na China por uma empresa de Taiwan. O comércio internacional é feito por essas cadeias globais de valor - das quais o Brasil se isolou totalmente. Há um problema de fato geográfico - mas aí vou entrar no detalhe. Posso?

Claro. Mas aproveitamos para perguntar: como fica o Mercosul?

Edmar Bacha: A questão é justamente essa. As cadeias globais têm uma localização geográfica. Há uma na União Europeia. Outra na América do Norte, no entorno dos Estados Unidos. Há uma terceira Ásia. Nós ficamos isolados, mas podemos começar nossa cadeiazinha aqui. O fato é que com a atual política distorcida do Mercosul, como bem notou José Roberto (José Roberto Mendonça de Barros tratou do tema no evento sobre o Plano Real, na última quarta-feira), o projeto original da integração automobilística pretendia aproveitar a expansão regional, produzir tipos específicos de automóveis, que depois seriam exportados para o mundo. No entanto, virou esse meleiro geral. Como ele disse: vão entrar não sei mais quantas montadoras aqui no Brasil e vai sair carro pelos tubos, porque esse carro produzido aqui não pode ser exportado. Não tem preço. Então, temos que voltar ao projeto original de integração econômica, e física também, da América do Sul. Mas é uma integração regional com visão globalizada. Não é para fazer, o que era o projeto original da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, das Nações Unidas), a substituição de importações a nível regional. Não se trata disso. Temos que aproveitar a proximidade regional e as diferentes vocações dos países para fazer uma complementação produtiva, de tal forma que facilite, numa segunda etapa, a integração com o resto do mundo.

Em algum momento o sr. fez uma estimativa do quanto o País poderia crescer com esse processo de abertura?

Edmar Bacha: Dá para chegar em 2030, aonde Portugal está, e ter US$ 24 mil (de renda per capita). Esse é que é nosso objetivo para um horizonte de longo prazo. Isso envolve, basicamente, uma trajetória de crescimento de em torno de 5% ao ano.

Foram preciso décadas para implantar um plano de combate a inflação que funcionasse. Há espaço político para a implantação de um plano de abertura como esse?

Edmar Bacha: Você se lembrará que, em 1993, a equipe econômica foi muito relutantemente convocada a serviço do Plano Real, porque achava que não havia condições políticas para tal. Portanto, as condições políticas propícias para o Real foram após ele ter tido sucesso. Vistas "ex ante", as condições eram péssimas. Você tinha um governo de um vice-presidente (Itamar Franco, empossado após o impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello), que não tinha legitimidade, não tinha maioria no Congresso, só tinha mais dois anos pela frente e havia demitido três ministros da Fazenda em sete meses. Que condições políticas eram essas? Era uma desgraça! Um plano desse tipo você implanta no primeiro ano de um governo recentemente eleito, com poder político e com capacidade de implementar todas as medidas que o plano exige. Por que a gente fez tanta ênfase em votar o Fundo Social de Emergência antes de introduzir a URV (Unidade Real de Valor, indexador que precedeu o lançamento do real)? Como você gera um processo de expectativas que se volte a seu favor? O Fernando Henrique anunciou o plano em três etapas. A primeira era mandar uma emenda constitucional para o Congresso. Se o Congresso aprovar, vamos implementar a unificação do sistema de indexação. Feita a indexação, vamos introduzir a nova moeda. Ou seja, estou dizendo para os políticos: "lá na frente, eu vou eleger vocês. Mas só vou eleger vocês se antes disso me derem o ajuste fiscal". Havia essa sequência. Era época de reforma constitucional, prevista na Constituição de 1988, e você sabe que outra reforma constitucional nós passamos em 1993? Além dessa, acabamos com a proibição para que professores estrangeiros lecionassem nas universidades públicas brasileiras. Eu fiz um pacote de reformas constitucionais para acompanhar o plano, junto com o Serra (José Serra, ex-ministro da Saúde) e com o Jobim (Nelson Jobim, ex-ministro da Justiça). Era um pacote desse tamanho de reformas. Alguma coisa foi aprovada? Não. Zero. Isso virou o programa do Fernando Henrique no primeiro mandato.

Como a proposta de abertura comercial tem sido recebida?

Edmar Bacha: Na verdade, me surpreendo com o quão favorável é a resposta. Os empresários raciocinam o seguinte: "eu jogo a regra do jogo". Se a regra do jogo é a proteção e o subsídio dentro desse contexto de manutenção do elevado Custo Brasil, o empresário passa boa parte do seu tempo em Brasília e na Avenida Chile (onde fica a sede do BNDES, no Rio), em vez de ficar trabalhando na fábrica. O empresário sabe que se ele não for, o concorrente vai. Ele tem que jogar o jogo que o governo está jogando. E ele joga insatisfeito. É clara a insatisfação dos empresários. Os bons empresários, que têm capacidade e eficiência, sabem que dentro dessas regras não há como sobreviver. Agora, ao anunciar que as regras serão alteradas, que tudo será transparente, que vai dar tempo para se ajustar, que as regras serão iguais para todos e ao mostrar que o governo tem poder político para fazer, o empresário topa a mudança.

E como fica o BNDES?

Edmar Bacha: O BNDES, depois da crise, foi totalmente desvirtuado. O mercado de capitais estava se desenvolvendo e o BNDES se voltando para duas grandes linhas - de complementação do financiamento privado e de especialização em nichos muito críticos, mas que o setor privado não vai atacar, como infraestrutura e alta tecnologia. Mas, de repente, o BNDES virou a mãe do todos os empresários brasileiros. Abriram o Tesouro para ele fazer tudo o que queria e o BNDES se tornou esse Golias - não, Golias não, isso seria uma homenagem. Tornou-se esse gigante balofo que está aí, que, na verdade, em vez de complementar, está substituindo o mercado financeiro, inibindo o desenvolvimento financeiro do País, distorcendo a alocação de recursos, criando um orçamento paralelo que não é votado pelo Congresso, que não é incluído nas contas públicas, tornando ainda menos transparentes as contas públicas brasileiras. O BNDES virou uma desgraça e certamente ele tem que voltar aos trilhos de antes dessa expansão extraordinária, propiciada por uma percepção equivocada das consequências da crise econômica financeira internacional de 2008 e 2009.

A sua proposta de abertura inclui eleger setores ou que sobreviva quem é eficiente apenas?

Edmar Bacha: Não, não é a volta de Joaquim Murtinho (ministro da Fazendo na virada do século XIX para o XX, que pregou a eliminação dos produtores ineficientes). É preciso, dentro de uma perspectiva de 30 anos, ter em mente vocações básicas. Onde já há promessas interessantes? A política industrial continua existindo. Mas não é eleição de setores. Os setores, de certa maneira, se auto elegem. O que pode ocorrer é a localização de nichos promissores, que ainda vão precisar de um tempo. Quando vejo o governo dizer que está fazendo no pré-sal a mesma coisa que a Noruega fez, é uma maluquice. A Noruega montou uma indústria ancilar ao petróleo. Tinha conteúdo nacional, tinha proteção, tinha mecanismos de subsídio até - mas olhava para os setores promissores, sob o a ótica de se construir uma indústria exportadora. Foi isso que a Noruega fez. Se no Brasil há setores promissores, que precisam de proteção localizada temporal, será dada, mas dentro dessa perspectiva. Uma hora acaba e o setor protegido vai ter de ser competitivo internacionalmente. O mercado interno não vai estar disponível para ele a um preço diferente do de seus competidores internacionais.

Em paralelo a isso, como será a política macroeconômica - a fiscal, a cambial?

Edmar Bacha: O que estou falando aqui é uma política de longo prazo. O projeto de longo prazo se estrutura em torno desse eixo da integração competitiva. Volta e meia vai bater um pouquinho de frente, ou de lado, com requisitos da política macroeconômica de curto prazo. Por exemplo: o câmbio. Como se coaduna a ideia de substituir tarifa de importação por câmbio, com a ideia de que o câmbio tem que flutuar livremente? Se coaduna mal. Digamos que o governo, no primeiro ano de mandato, anuncia que vai alterar de maneira fundamental a política industrial deste País. Doravante, todos nossos instrumentos de ação governamental estão voltados para reindustrializar o País na base da integração competitiva com o resto do mundo. Para isso, aqui está um programa, que vou implantar ao longo de certo número de anos. Ele inclui, por exemplo, que, no fim de sete anos, a tarifa média de importação vai ser de 5% e a máxima, de 10%. E inclui que essa política de conteúdo local, tal qual vem sendo aplicada agora, vai desaparecer. Não vamos mais determinar onde e quando proteger os setores com base em déficits comerciais setoriais. Se houver déficits, vamos tratar de resolvê-los por aumento de exportações e não por redução de importações. Número dois e não número um (referência à propaganda do remédio dos anos 50). Se houver determinação política e credibilidade, os agentes econômicos vão olhar e vão dizer: "vai haver uma inundação de importações". Se eu estou lá no mercado financeiro, penso: "caramba, daqui a dois anos vai começar a aumentar a quantidade de importações. Para importar, você precisa de dólar. Vai aumentar muito a demanda de dólares. Se a demanda por dólares vai aumentar, no ano que vem, o dólar, que está hoje R$ 2,30, vai a R$ 2,80. Cara, vou comprar o dólar hoje." O que acontece então? O dólar vai a R$ 2,80 hoje. Isso se você acredita na perfeita racionalidade dos mercados. Isso se forem pessoas que sabem o que estão fazendo, que vão fazer e que têm condições políticas para fazer. O que os agentes econômicos fazem? Antecipam. Por que o Plano Real deu tão certo? As pessoas disseram: "deixa eu entrar nessa jogada logo".

E a questão da inflação?

Edmar Bacha: Como já disse o Pérsio (Pérsio Arida, um dos formuladores do Plano Real), precisamos de um "desfazimento" de todas as distorções criadas nos últimos anos no contexto dessa "defunta nova matriz macroeconômica". Como parte da defunta, há um processo de segurar a inflação através do controle de preços básicos, especialmente energia e petróleo. Obviamente, isso vai ter que ser desfeito. Mas como faz se esse processo? É melhor fazer de uma vez ou por meio de um de ajuste?

O que o sr. acha mais adequado?

Edmar Bacha: Vai depender. Quem chegar lá terá de avaliar as condições macroeconômicas. Em um de seus livros, Inflação: gradualismo ou tratamento de choque, de 1970, Simonsen (Mario Henrique Simonsen, ex-ministro da Fazenda) queria o tratamento de choque. Bulhões (Otávio de Gouveia Bulhões, também ex- ministro da Fazenda), o gradualismo. Ganhou o gradualismo. Foi por isso que a gente não conseguiu baixar a inflação. Teria sido melhor fazer um tratamento de choque naquela época? Sim, diria hoje. Era melhor ter sofrido um ou dois anos, mas ter 20 à frente. É possível, politicamente, fazer isso? Sabemos que, se for um governo de oposição, o acirramento vai ser extraordinário. Como isso combina com mecanismos outros que o governo possa acionar para compensar esse agravamento dessa distorção de preços? O custo de vida vai subir. Como evitar que isso se transforme num ciclo inflacionário? Tudo isso vai depender um pouco da avaliação concreta de quais são as condições macroeconômicas e as condições políticas de implementação da uma política. O segredo todo é trazer o público com você. Quer dizer: "olha, nós vamos fazer isso". Agora, como você faz isso sem que haja antecipações negativas? Esse que é o problema de uma política econômica transparente. Você não anuncia que vai desvalorizar o câmbio amanhã, porque hoje o mercado desvaloriza em cima da sua cara. Você tem que entender o processo de formação de expectativas e tratar de usá-lo a seu favor - e não contra você.

Mas explique melhor como seria feito esse "desfazimento"?

Edmar Bacha: Será preciso colocar o tripé de novo de pé. Mas, ao lado disso, temos que considerar as questões levantadas pelo Armínio (Armínio Fraga, ex-presidente do BC). Uma vez que você reconstruiu o que foi abalado, no ponto em que estava, temos que continuar o processo de construção institucional nas áreas monetária e fiscal. Porque o tripé, como bem apontou o Pérsio, era manco. Ele funcionava com base numa taxa de juros absurda. E queremos um tripé que funcione com base numa taxa de juros internacional. Portanto, precisamos continuar construindo as instituições que apoiem a política monetária para que ela tenha uma maior potência e possa fazer com menos juros o mesmo trabalho sobre a inflação. Tenho ideias sobre isso, no meu "artiguinho" de 2011: "Além do tripé".

Qual seria a linha?

Edmar Bacha: Estabelecer teto para dívida líquida e bruta, meta inflacionária de longo prazo, com limite para o crescimento do gasto público. Tudo isso é parte do processo.

O sr. já apresentou essa proposta a algum candidato?

Edmar Bacha: Obviamente eu discuto essas ideias. Vocês devem querer saber sobre a minha relação com o Aécio (Aécio Neves, senador por Minas Gerais e provável candidato do PSDB à Presidência da República). Não é segredo para ninguém que sou tucano. Mas não estou na campanha. Quando o Aécio me pergunta alguma coisa, eu apenas digo o que eu acho.

Vocês têm conversado?

Edmar Bacha: Não. A última vez que conversei com o Aécio foi sobre o discurso dele. Esse discurso que ele fez sobre o Real.

Que cenário o sr. está vendo para a campanha?

Edmar Bacha: Do nosso lado houve o apaziguamento interno. Desde o Fernando Henrique, esta será a primeira eleição em que o partido vai estar íntegro, apoiando um candidato. O trabalho do Aécio foi feito todo em cima disso e foi conseguido. O partido está unificado. Agora, temos que conseguir os palanques regionais. É isso que o Aécio está falando atualmente. A etapa final é na hora em que a TV se abre, após o fim da Copa. Aí vamos para o debate público.

A economia vai ter um peso maior nessa eleição?

Edmar Bacha: Do jeito que as coisas estão indo, com certeza. A insatisfação existe. É uma insatisfação difusa. O emprego ainda está alto, mas, por outro lado, os preços estão saindo do controle. Existe medo do que o futuro promete. Há muita insatisfação com a qualidade dos serviços públicos. Existe o desejo de mudança. Isso está nas pesquisas de opinião pública. As pessoas estão insatisfeitas, estão querendo alguma coisa nova.
 

Desafios 2015 - 'É preciso crescer com qualidade de vida' - André Lara Resende

Obtido de: http://economia.estadao.com.br/noticias/economia-geral,e-preciso-crescer-com-qualidade-de-vida-diz-lara-resende,179169,0.htm

Todos os direitos reservados aos jornalistas Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum e ao jornal 'O Estado de São Paulo'. A reprodução dessa reportagem se presta unicamente a sua divulgação aos que não tem acesso ao jornal. Caso não seja o seu caso, por favor prefira acessar a reportagem no link acima.

Os desafios do próximo governo, segundo Lara Resende:
1. Implantar um novo modelo de desenvolvimento. Crescimento não pode ser visto apenas como aumento de PIB.
2. Priorizar a educação. Um salto no ensino vai permitir o aumento da produtividade e um novo ciclo de expansão.
3. Modernizar o Estado. A atual estrutura limita a produtividade das empresas e a qualidade de vida das pessoas.



‘É preciso crescer com qualidade de vida’, diz Lara Resende

 

 

Para o economista, modelo de desenvolvimento baseado apenas em expansão de PIB e consumo material não se sustenta 

08 de março de 2014 | 17h 37
Alexa Salomão e Ricardo Grinbaum, de O Estado de S.Paulo
SÃO PAULO - Na seara econômica, André Lara Resende é uma referência, entre outras razões, por ter participado da elaboração do Plano Real. Ainda assim, afastou-se do trabalho cotidiano de um economista. O neto do professor de gramática e memorialista Antônio Lara Resende e filho do jornalista e escritor Otto Lara Resende voltou-se às letras e à reflexão. Em seus artigos, defende um novo modelo de desenvolvimento, orientado ao bem-estar coletivo e sustentado pelo setor de serviços em áreas como educação e saúde.  

"A partir de certo nível de renda, onde com certeza já nos encontramos, a qualidade de vida não está mais necessariamente associada ao consumo material", diz ele na entrevista que segue. Suas convicções o aproximaram da pré-candidata à Presidência Marina Silva, em sua avaliação a pessoa que na atual cena política tem a visão de mundo para implantar o novo modelo de crescimento. A íntegra da entrevista está disponível na internet, no link indicado ao pé desta página. 
O governo de FHC ficou conhecido como o da estabilidade, o do Lula, pela distribuição de renda. Qual seria a cara do governo Dilma e qual deveria ser em caso de reeleição? 
André Lara Resende: Nem todo governo deixa necessariamente a sua marca. O governo Dilma não está à altura dos dois governos anteriores que, por mais diferente que tenham sido, tinham carisma e personalidade definida. O governo Dilma tinha a pretensão da eficiência executiva para dar um novo salto desenvolvimentista. Fracassou porque tem uma visão anacrônica, tanto dos objetivos, como dos métodos para alcançá-los. Acredita que o desenvolvimento ainda dependa da industrialização, voltada para o mercado interno e liderada pela ação do Estado, como na metade do século passado. Acredita também na gestão de comando e controle. Mas no mundo contemporâneo, o desenvolvimento é necessariamente via integração internacional, e a gestão de empreitadas, a cada dia mais complexa, só é possível através da delegação, inserida numa cultura baseada no exemplo e no carisma.
Muitos estudiosos dizem que o Brasil vive um processo de desindustrialização. Como o senhor vê a questão e o que deve ser feito em relação à produção industrial? 
André Lara Resende: O processo de desenvolvimento econômico passa primeiro por uma fase de industrialização e urbanização, com uma correspondente redução do peso do setor primário na economia. Numa segunda fase, já com a industrialização consolidada e uma economia mais sofisticada, cresce o peso do serviços. A indústria pesada, de velha tecnologia, desloca-se para onde ainda há mão de obra barata no mundo. Para seguir crescendo, o país precisa renovar sua indústria, ser capaz de absorver e de produzir tecnologia de ponta. Não há como dar esse salto sem a combinação de um sistema educacional de alto nível e a integração comercial com o resto do mundo. Passa-se do protecionismo à indústria nascente, voltada para o mercado interno, ao estímulo à indústria de ponta, voltada para a exportação. É o que deveríamos fazer: integrar o país à economia mundial, absorver tecnologia de ponta, aumentar a produtividade e as exportações industrializadas, e simultaneamente, repensar a educação de base com objetivos de longo prazo.
Há economistas que dizem que o Brasil está preso numa armadilha de baixo crescimento. O senhor concorda com esse ponto de vista? 
André Lara Resende: O país tem crescido bem menos do que se espera, é verdade. Alguns analistas chamaram de a Armadilha da Renda Média, o fato de que, depois de atingir um estágio intermediário de renda e desenvolvimento, muitos países parecem ter dificuldades de deslanchar e finalmente encostar nos países do primeiro mundo. Para sair da pobreza absoluta, crescer e atingir um mínimo de desenvolvimento, basta ser capaz de criar um excedente para ser investido. Pode não ser fácil para sociedades onde a renda e o consumo são extremamente baixos, mas a fórmula é conhecida: poupar e investir, aproveitando a tecnologia de domínio público, não necessariamente de ponta, desenvolvida nos países mais avançados, e incorporando a população marginalizada à força de trabalho. A partir de um certo ponto - e o Brasil já atingiu esse estágio - a questão se torna mais complicada. Já não basta poupar e investir em capital fixo. Não há mais um excedente de mão de obra barata para ser incorporado ao setor dinâmico da economia. É preciso, então, aumentar o que os economistas chamam de produtividade - a capacidade de produzir mais com menos, de forma mais eficiente, e ganhar competitividade internacional. A absorção de tecnologia já não é tão automática, pois estamos mais perto da fronteira tecnológica. É preciso que a mão de obra, em todos os níveis, do mais elementar ao mais sofisticado, inclusive a da gestão das empresas e dos investimentos, esteja à altura. A chave é a educação. Falar em educação se tornou um clichê, mas como todo clichê é uma verdade que, de tanto repetida sem convicção, perdeu a força. Há uma revolução em curso nos métodos de educação, com a universalização da informática e da internet, mas estamos na contramão. Em lugar de inovar, de fazer uma educação de base de qualidade, optamos por aumentar o número de pessoas com diploma de curso universitários comercializados, onde nada se aprende. Mais um exemplo da nossa insistência em dar mais importância à forma do que à substancia.
O Brasil deve ter um novo modelo de desenvolvimento? O que este modelo deve contemplar? 
André Lara Resende: Acho que não apenas o Brasil, mas o mundo todo precisa rever seu modelo de crescimento. Já não faz mais sentido associar desenvolvimento exclusivamente ao crescimento e ao aumento do consumo material. A partir de certo nível de renda, onde com certeza já nos encontramos, a qualidade de vida não está mais necessariamente associada ao consumo material. O problema da grande desigualdade persiste, é claro, e é urgente ter uma resposta efetiva, mas se o crescimento material não o resolveu, até hoje, em parte alguma do mundo, é porque por si só não vai resolve-lo. Veja o exemplo do automóvel: a notícia de que as vendas de carro caíram sob o prisma do velho crescimento é negativa, mas para quem vive nos grandes centros urbanos, onde usar o automóvel está se tornando impossível, parece-me positiva. Anos atrás, menos produção de automóveis seria inequivocamente negativo. Hoje é, no mínimo, questionável. Temos dificuldade em rever velhos conceitos, mas quando as circunstâncias mudam, é preciso reavaliá-los. Tenho a impressão que o mundo está numa fase de transição. O velho modelo de crescimento consumista já não faz mais sentido, mas a alternativa ainda não está bem delineada. Posso estar sendo vítima da ilusão ufanista, mas tenho a impressão de que o Brasil, tanto pelo estágio de desenvolvimento em que se encontra, quanto pela alegria coletiva criativa, poderia estar muito bem posicionado para sair à frente do novo desenvolvimento. Um desenvolvimento mais baseado na educação, na saúde, no entretenimento, no esporte e na cultura, do que no consumo material. Por isso mesmo, se a melhora de vida vier a se frustrar, ainda que ou sobretudo porque, o consumo material continua a aumentar, podemos passar por ondas de protestos difusos e de revoltas que podem vir a se tornar incontroláveis.
O senhor defende um modelo baseado em menos consumo, mas como se compatibiliza isso com o desejo das pessoas de consumir e com a necessidade de reduzir a desigualdade? O senhor mesmo coloca que os protesto revelam uma ansiedade das pessoas em melhorar de vida ... 
André Lara Resende: Minha interpretação é diferente. Os protestos indicam que há busca por melhor qualidade de vida. À medida que a pobreza absoluta é superada, passa-se a desejar mais qualidade de vida, que não encontrada, leva à uma grande frustração. Apesar de se ter mais renda e poder consumir mais, a vida continua extremamente difícil, um verdadeiro inferno. O hospital público é um desastre, a escola pública não tem qualidade, faltam creches, não há segurança, o transporte público é de péssima qualidade. Apesar de ter renda para comprar um carro, leva-se até quatro horas para chegar ao trabalho, engarrafado no transito. Estas são as questões por trás dos protestos - e não necessariamente a demanda por mais consumo material. Essa frustração não é um problema exclusivamente brasileiro. Há no mundo uma vaga percepção de que a melhora da qualidade de vida não está mais necessariamente vinculada ao aumento do consumo material. Ao contrário, o aumento do consumo material - como no caso do automóvel nos grandes centros urbanos - tornou-se um detrator da qualidade de vida. Durante muitas décadas houve uma alta correlação entre o crescimento do produto e da renda e o bem estar. Se o PIB crescia, embora a melhora fosse mal distribuída, todos melhoravam. Essa correlação já não é verdadeira, mas há uma grande resistência a rever conceitos arraigados. Ao criticar o aumento do consumo material, somos acusados de pretender negar o acesso dos mais pobres ao consumo. O argumento não procede - apesar do crescimento extraordinário do consumo material, a pobreza persiste e a desigualdade até se agravou nas últimas décadas, tanto nas economias emergentes quanto nos países avançados. A solução não é mais consumo. Estudos mostram que menos desigualdade, uma sociedade mais homogênea, é elemento fundamental para a qualidade de vida. Para os mais pobres, é evidente, mas também para os mais ricos a desigualdade é negativa. Viver numa sociedade, homogênea e equânime, onde há empatia com seus concidadãos, é melhor para todos.
As manifestações, então, mostram que as pessoas já percebem a diferença entre ter mais e viver melhor? 
André Lara Resende: Me parece que sim, mas como a alternativa não está bem delineada, fica difícil afirmar. Acredito que nem mesmo os manifestantes saibam claramente o que desejam. Por isso os protestos são desfocados. Deseja-se mais qualidade de vida, mas o que é qualidade de vida? É sobretudo tempo com os amigos, tempo com a família, tranquilidade, ausência de estresse, inserção numa comunidade com a qual se tem empatia. Por isso a melhora do transporte público é a primeira medida para a melhora da qualidade de vida. Reduzir o tempo de deslocamento e o estresse do trânsito, aumentar o tempo com a família e os amigos, significa um ganho inequívoco de qualidade de vida. O automóvel ainda está no imaginário coletivo como símbolo de sucesso, mas é ilusório. O uso do automóvel exige gastos públicos expressivos na infraestrutura urbana. É um subsídio ao uso do transporte individual, recursos públicos que poderiam ter melhor uso. Para abrir avenidas, viadutos e elevados as cidades foram desfiguradas. Ficou quase impossível se deslocar por qualquer outro meio que não o automóvel. Não é fácil mudar o modelo. Veja a resistência aos corredores de ônibus implantados pelo Haddad. Acho que ele está certo, mas a iniciativa provocou indignação. Como a alternativa não está claramente delineada, é importante dar exemplos concretos do que seria a cidade do futuro, depois do automóvel. A High Line de NY é um desses exemplos. Todas as cidades bem sucedidas do mundo são as que têm bons transportes públicos e estão criando alternativas para que se ande a pé, estímulos ao convívio. É o caso de Barcelona, Paris e NY.
Quais outras políticas públicas devem ser adotadas para mudar o modelo de desenvolvimento? 
André Lara Resende: Não tenho a pretensão de fazer uma agenda detalhada, mas antes de tudo é preciso rever o conceito de desenvolvimento. O que se busca? Apenas vender mais, não importa o que? Vamos garantir que todos possam ter mais coisas inúteis, sem descriminar ninguém, ou vamos procurar o bem estar? A busca do bem estar exige revisão das políticas públicas. Rever os objetivos não significa que a renda deva parar de crescer, mas que haveria um mudança na composição do produto, um aumento do peso dos serviços - mais entretenimento, mais esporte, mais educação, mais saúde, mais musica. A demanda por serviços de saúde é infinita. São essas industrias que irão liderar o crescimento do futuro e não as indústrias baseadas no consumo material.
O senhor acha que o governo precisa ter metas a partir de 2015 para o superávit, para a dívida e para o gasto público? 
André Lara Resende: Metas são importantes para o balizamento, tanto do governo, como do setor privado, mas mais importante do que ter metas quantitativas anunciadas, é o compromisso com elas. Creio que é pior ter metas, sem acreditar nelas, do que não tê-las. As três metas a que você se refere dizem respeito ao custo do Estado. O Estado no Brasil tem uma longa história de patrimonialismo, de confundir o seu interesse com o da sociedade. Só em alguns períodos excepcionais houve tentativas de adotar reformas modernizadoras. A tendência secular é de um crescimento burocrático patrimonialista. Tendência que foi claramente acentuada na última década. O Estado no Brasil de hoje é um criador de dificuldades de toda ordem, tanto para os indivíduos como para as empresas, um detrator da qualidade de vida e da produtividade. Toda crítica ao Estado tende a ser identificada com um liberalismo econômico radical e equivocado, segundo o qual o mercado tudo resolve, e assim é desqualificada. É um falso dilema. O Estado - assim como o mercado - é fundamental nas sociedades contemporâneas, mas é preciso ter um Estado inteligentemente organizado, eficiente, a serviço da sociedade, e não a serviço de seus próprios interesses, contra a população. 
Qual deve ser a postura em relação ao câmbio?
André Lara Resende: No mundo contemporâneo, no que se pode chamar de período pós Bretton-Woods, consolidado nas últimas décadas, as taxas de câmbio são flutuantes. Não completamente livres, mas uma flutuação administrada, para evitar a alta volatilidade de curto prazo, que é perturbadora da atividade econômica. A taxa de câmbio não é, portanto, uma variável de controle direto das autoridades monetárias, mas consequência da política econômica como um todo. A valorização do câmbio, nos últimos anos, percebida como excessiva, é decorrência da combinação perversa da baixa produtividade da economia, da poupança interna insuficiente - ou seja, alto consumo público e privado - com uma política monetária obrigatoriamente apertada para manter a inflação sob controle. É preciso rever toda a política econômica para que o câmbio encontre um equilíbrio menos punitivo para a produção nacional. Ao contrário do que pode parecer, não é possível corrigir problemas da política econômica com a manipulação do câmbio - é preciso corrigir o câmbio com a revisão da política econômica.
Há um represamento na inflação de preços administrados? Como deve ser feito um eventual ajuste para adequar esses preços à realidade de mercado?
André Lara Resende: Há efetivamente um represamento, como fica claro ao comparar a variação do índice de preços livres com a do índice de preços administrados. Em particular, o preço do petróleo e de seus derivados tem sido corrigido muito abaixo do necessário para manter a paridade com os preços externos corrigidos pela taxa de câmbio. Todo o processo, cujo objetivo é tentar manter a inflação dentro das metas, sem sobrecarregar a política monetária e subir demais os juros, apesar do excesso de gastos do governo, tem alto custo. Entre outros, o absurdo de subsidiar o consumo de combustíveis fósseis, derivados do petróleo. Acredito que o ajuste deva ser feito o mais rápido possível, desde que todas as demais incongruências da política econômica, sobretudo o gasto público excessivo, sejam corrigidos e percebidos como uma decisão de longo prazo. Assim, o impacto inflacionário da correção teria fôlego curto, dada percepção da correção de rota da política macro. Mais uma vez, é a distorção da política macro, sobretudo da política fiscal, que pressiona a inflação. Corrija-se a fonte do problema e as distorções periféricas se corrigem naturalmente, ou podem ser revistas sem grandes perturbações.
Há um certo mau humor dos investidores internacionais com o Brasil. O que o senhor acredita que está havendo? 
André Lara Resende: Durante alguns anos, houve uma lua de mel dos analistas e dos investidores internacionais com o Brasil. É compreensível. Nos governos Fernando Henrique Cardoso, a inflação crônica foi vencida e as contas públicas, nas suas várias instâncias, equilibradas. Eleito, Lula manteve inicialmente o curso da política macroeconômica e soube dar a um programa criado por Ruth Cardoso a dimensão merecida, o que incorporou um enorme contingente da população à classe média. O país fez efetivamente progresso, parecia estar pronto para o salto definitivo para o primeiro mundo. Com sua conhecida e tradicional obsessão por simplificar e caricaturar, analistas e investidores desconsideraram a vasta gama de gravíssimos problemas que ainda temos, fecharam os olhos ao primeiros sinais de que a política macroeconômica, sob a desculpa de minorar o impacto da grande crise financeira internacional de 2008, havia tomado outro rumo. Desde 2008, a política econômica brasileira é uma versão anacrônica e incompetente do velho desenvolvimentismo dos anos cinquenta do século passado, que teve seu período áureo durante o regime militar, até meados dos anos 70. De uns dois anos para cá, uma vez percebido o corporativismo estatista da política econômica, a incompetência para modernizar a infraestrutura e aumentar a produtividade da economia, os investidores, mais uma vez bem ao seu estilo volúvel e emotivo, passaram de um extremo ao outro. O Brasil agora lhes parece à beira do colapso econômico. Não acho que seja o caso. Ao menos ainda não.
O Senhor apoia algum candidato? 
André Lara Resende: Acredito que a alternância no poder é elemento fundamental da democracia. Uma década parece-me suficiente para que um governo diga a que veio. Mesmo quando o governo é bom, é preciso alternar. Muito tempo no poder desvirtua, leva à perda de foco, a confundir os interesses dos governantes e do partido com os interesses do país e da população. É importante ter novos ângulos, novos pontos de vista, sobre os problemas e os desafios do país. A alternância entre o PSDB e o PT, nas últimas décadas, foi positiva. O PT mostrou sua cara, suas qualidades e seus vícios, desmistificou-se. Foi importante. Acho que agora é hora de mudar. Tenho certeza de que Aécio Neves faria um excelente governo, como já demonstrou no governo de Minas. Na economia está muitíssimo bem assessorado e saberia como reverter o quadro delicado, decorrente dos erros da política econômica nos últimos anos. Não será fácil, sobretudo por conta do aparelhamento do Estado, promovido pelo governo nos últimos anos. Em nome da alternância e da mudança de ângulo, gostaria de ver um governo de Eduardo Campos e Marina Silva. Não apenas me identifico com uma nova visão do desenvolvimento, que dá mais importância à qualidade de vida do que exclusivamente ao crescimento material, como acho saudável que o pais transcenda um sistema bipolar, PT e PSDB, que tende à radicalização.
O senhor pode falar um pouco sobre a sua relação com a Marina Silva? 
André Lara Resende: Eu tive fiz alguns contatos com a Marina na eleição passada e conheço pessoas que conversam com ela. Converso muito com o Eduardo Giannetti. Recentemente, estive uma vez com a Marina e com o Eduardo Campos em um encontro da Rede. Eu não o conhecia, nem conhecia o pessoal dele. Fiquei bem impressionado. Mas não participo de campanha e não tenho nenhum engajamento.