quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Reforma política é consenso

O PMDB mostra as garras: referendo, 'sim', plebiscito, 'não'.

Reforma política é consenso e deve contar com participação popular, diz presidente da Câmara

quinta-feira, 30 de outubro de 2014 14:18 BRST
BRASÍLIA (Reuters) - A reforma política, tema reforçado pela presidente Dilma Rousseff logo após a sua reeleição no domingo, é um consenso e deve contar com a participação popular, disse nesta quinta-feira o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN).
O deputado, que esteve reunido nesta quinta com o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, disse esperar que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara já inicie a apreciação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) sobre o tema na próxima semana.
“Reforma política é um consenso, tem que ter realmente a participação popular”, disse a jornalistas ao chegar à Câmara após a reunião com o ministro.
“Isso ganha tempo e dá uma resposta imediata de uma reforma política que essa Casa tem que fazer. Já deveria ter feito, não fez, acho que é um mea culpa de todos nós”, afirmou, reconhecendo que a conclusão da discussão da reforma ficará para a próxima legislatura, quando Alves não estará mais na Câmara.
Após ter sua admissibilidade aprovada na CCJ, a PEC ainda terá de passar por uma comissão especial criada especialmente para analisá-la e só então será enviada ao plenário da Casa, para ser votada em dois turnos. Depois de concluída a tramitação na Câmara, a PEC ainda precisa ser submetida ao Senado. E se for alterada pelos senadores, precisa voltar à Câmara.
Em discurso logo após a confirmação oficial de sua reeleição, Dilma voltou a defender a necessidade de uma reforma do sistema político que envolva a participação popular por meio de plebiscito. Dessa forma, a sociedade seria consultada sobre que temas gostaria de ver contemplados por essa reestruturação política.
Já Alves declarou que defende que primeiro o Congresso se debruce sobre o assunto e depois submeta o resultado dessa avaliação à população por meio de um referendo.
 
O presidente da Câmara defendeu, assim como Dilma em seu discurso da vitória, que haja muito diálogo com o Planalto. O deputado, que se reuniu com Mercadante nesta quinta, deve se encontrar com a presidente na próxima semana.
“Nesta hora, mais do que nunca, exige-se o respeito, é tratamento muito equilibrado, muito sereno, porque o que está em jogo é o Brasil de nossos filhos, de nossos netos”, disse o presidente da Câmara a jornalistas.
“É hora de muita responsabilidade do Parlamento e também do Poder Executivo. Diálogo, diálogo é a palavra mágica”, afirmou.
Alves já havia manifestado sua intenção de votar matérias que podem aumentar os gastos do governo, caso da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata do fim da contribuição dos inativos e outra que aumenta os repasses da União ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM), além de concluir a votação da PEC do Orçamento Impositivo, que obriga o governo a liberar de emendas parlamentares individuais.
Segundo o deputado, Mercadante revelou “preocupação” com as “questões fiscais”. Alves afirmou que será repassada à Casa Civil uma relação de matérias a serem analisadas pela Câmara e que gostaria de colocar Orçamento Impositivo em  votação antes de deixar o Parlamento. Ressaltou, no entanto, que não tomará medidas “irresponsáveis”.
“Eles sabem da minha responsabilidade. Eu não seria irresponsável com a vida longa como eu tenho nesta Casa, conhecedor dos problemas do país, não cometeria nenhum ato de irresponsabilidade neste momento.”
Alves não estará no Congresso a partir de 2015 depois de concorrer ao governo do Rio Grande do Norte na eleição deste ano e ser derrotado por candidato apoiado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo o deputado, ele e Mercadante não trataram da sucessão da Presidência da Câmara. A bancada do PMDB na Casa se antecipou na disputa e lançou seu líder, Eduardo Cunha (RJ), como candidato ao posto, descumprindo acordo de rodízio que vinha sendo feito com o PT, maior bancada da Câmara.
Cunha já protagonizou embates diretos com o governo ao longo do ano, e não cultiva boas relações com o vice-presidente Michel Temer, que também preside o PMDB.

A eleição para presidente da Casa só ocorrerá em fevereiro de 2015, quando os novos deputados tomam posse.

(Reportagem de Maria Carolina Marcello)
 

Obtido de:  http://br.reuters.com/article/topNews/idBRKBN0IJ22R20141030?pageNumber=1&virtualBrandChannel=0

Dilma Rousseff - Os desafios dos próximos quatro anos

Os desafios dos próximos quatro anos

Apesar dos avanços dos últimos anos, o Brasil ainda enfrenta problemas importantes

Saiba quais são os principais desafios

Reeleita para um segundo mandato neste domingo, a petista Dilma Rousseff terá pelos próximos quatro anos desafios importantes para executar a real mudança que explorou em seus discursos. Apesar dos avanços conquistados desde a época da redemocratização, o Brasil ainda enfrenta problemas importantes na economia, na educação, na saúde e terá que realizar a reforma política, já sinalizada pela presidenta em seu discurso. Entenda abaixo qual o cenário que Rousseff deixou após seus primeiros quatro anos de mandato e quais são os desafios que ela terá nos próximos quatro.

A difícil reforma política

Talita Bedinelli

Em seu primeiro discurso como presidenta reeleita do país, Dilma Rousseff destacou qual será a primeira prioridade de seu novo Governo: a reforma política. “Entre todas as reformas, a primeira e mais importante deve ser a reforma política. Meu compromisso é deflagrar essa reforma”, afirmou ela na noite deste domingo.

No último debate, na TV Globo, Rousseff já deu uma pista de um dos pontos que essa reforma deveria trazer: o financiamento público de campanha. Em um documento sobre a reforma política preparado pelo PT, o partido defende que acabar com o financiamento de empresas aos candidatos tem o objetivo de evitar a “reeleição incestuosa” entre parlamentares eleitos e os que pagam sua campanha.

O mesmo documento também defende que essa reforma priorize o voto em lista pré-ordenada, onde cada partido escolhe uma lista de candidatos e os organiza por ordem de prioridade: os eleitores votam nesta lista e não em um candidato específico. Para os defensores do modelo, esse tipo de votação pode garantir a representatividade de minorias cujos representantes não costumam ter votações populares expressivas e que poderiam ser priorizadas nas listas dos partidos. Isso também poderia evitar a desigualdade da representatividade no Congresso, que nesse ano elegeu ainda mais representantes do movimento ruralista e defensores de bandeiras conservadoras e diminuiu, por exemplo, a presença de sindicalistas.

No entanto, como a própria presidenta afirmou no discurso, essa mudança é de responsabilidade do Congresso, que deve ser resistente à ideia. Ela afirmou no discurso que pressionará pela realização de um plebiscito, para que a população decida ou não se quer que a questão entre na pauta dos parlamentares.

A demanda reprimida da reforma agrária

Talita Bedinelli

A reforma agrária foi um dos temas sensíveis no Governo de Dilma Rousseff, que dialogou pouco com o Movimento dos Sem-Terra (MST), organização historicamente ligada ao PT. Dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) mostram que o número de assentamentos diminuiu.

Em 2006, último ano do primeiro Governo de Lula, 136.358 famílias conseguiram uma terra, um recorde histórico. A partir daí, o número de assentados caiu e, em 2012, segundo ano do mandato de Rousseff, apenas 23.075 famílias foram contempladas. Em 2013, últimos dados disponíveis, o número cresceu um pouco, para 30.239. Com a demanda reprimida, o movimento voltou às ruas neste ano. Em julho, tomou a avenida Paulista após uma caminhada de 24 dias até o escritório paulista da Presidência da República, onde os militantes foram atendidos por representantes da presidenta e conseguiram a garantia da demarcação de sete áreas para a reforma agrária no Estado. Eles pediam 12.

A polêmica questão indígena

Talita Bedinelli

Um dos pontos mais fracos da gestão de Dilma Rousseff foi a questão indígena. Os índios, que representam 0,21% da população do país (817.963 pessoas), realizaram inúmeros protestos nos últimos anos para pressionar pela demarcação de terras indígenas que só dependem da homologação da presidenta. Mas a pressão dos parlamentares ruralistas, que querem, inclusive, tirar do Governo federal o poder de demarcar terras, é um dos fatores que dificulta o processo.

Índios e fazendeiros estão envolvidos em um confronto que já se arrasta há décadas. Os índios reivindicam a demarcação das terras às quais têm direito, de acordo com estudos antropológicos que comprovaram que as terras pertenceram aos ancestrais deles. Mas os produtores rurais compraram há muitos anos essas terras, de onde os índios foram expulsos pelos governos locais. E eles só saem se forem indenizados, o que não é previsto pela Constituição brasileira, que diz que eles só podem ser indenizados pelo que construíram na propriedade. Cansadas do impasse, comunidades indígenas que vivem em terras improvisadas e em situação de extrema pobreza passaram a ocupar essas áreas. E os fazendeiros os expulsam, muitas vezes com o uso de violência. Desde 2003, 563 índios foram mortos no país. Resolver esse impasse em meio a um Congresso onde a participação dos ruralistas aumentou será o um grande desafio no próximo governo.

Educação: O desafio da qualidade e do ensino médio

Talita Bedinelli

O Governo de Rousseff conseguiu aprovar em junho deste ano o Plano Nacional de Educação, que deverá quase dobrar a verba para a educação nos próximos 10 anos, com a aplicação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país na área até 2024 –atualmente, aplica-se cerca de 6%.

O novo plano inclui ainda metas para universalização da educação no ensino fundamental, o que já está praticamente cumprido. Mas há um grande desafio: o de universalizar até 2016 o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos. Atualmente, 15% dos alunos da faixa etária estão fora da escola e 42% deles estão atrasados, ainda cursam o ensino fundamental. Com o avanço dos investimentos em bolsas para o ensino superior, como o Fies e o ProUni, o ensino médio continua sendo um grande gargalo no país. Rousseff tem que encontrar uma forma de estabelecer uma parceria mais efetiva com os Estados, responsáveis pela gestão dessa etapa.

Outro desafio importante é a melhoria da qualidade do ensino. Resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), colocaram o país em 38o lugar num ranking com 44 países nas habilidades dos alunos com matemática em um resultado divulgado neste ano. Apenas 2% dos alunos conseguiram resolver problemas de matemática mais complexos. Na versão mais completa da prova, cujos resultados são referentes a 2012, o Brasil ficou em 58o lugar em matemática, 55o em leitura e 59o em ciências, dentre 65 países.

Mais verba para a saúde

Talita Bedinelli

O Sistema Único de Saúde (SUS) é o maior sistema de saúde pública do mundo, disponível para os mais de 200 milhões de brasileiros. Criado pela Constituição de 1988, 26 anos depois ele ainda sofre com a falta de financiamento. Hoje, o país aplica pouco mais de 7% de suas Receitas Correntes Brutas na saúde, mas diversas entidades do setor, reunidas no Movimento Saúde Mais Dez, acreditam que é necessário elevar esse investimento para os 10%, injetando mais de 40 bilhões de reais ao ano. O próximo mandato também terá que lidar com uma classe médica crítica ao programa petista Mais Médicos, que trouxe profissionais formados no exterior para trabalhar em áreas distantes do país.

Outro ponto sensível na área que necessita ser alvo de discussão é a regulação dos planos de saúde, área cada vez mais problemática e que atende a 51 milhões de usuários atualmente. Mesmo após uma resolução da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), de 2011, regular os prazos máximos de atendimento, usuários de planos ainda amargam para marcar consultas e no atendimento do pronto-socorro. Além disso, para fugir das limitações de preço estipuladas pela agência para os planos individuais, muitas operadoras têm deixado de vender esse tipo de plano, investindo nos chamados planos coletivos (feitos para pequenas empresas ou entidades de classe), que podem aumentar livremente.

Uma moradia digna

Beatriz Borges

O número de pessoas sem moradia nas grandes metrópoles brasileiras aumentou. Segundo os últimos dados divulgados em maio pela Fundação João Pinheiro, a cidade de São Paulo, por exemplo, passou de 592.405 famílias sem casa em 2011 para 700.259 em 2012; Belo Horizonte foi de 115.045 para 148.163, a maior variação entre nove metrópoles do país (29%). A principal razão, segundo o estudo, foi o aumento do aluguel nas principais capitais, que chega a comprometer 30% ou mais da renda familiar. Apesar disso, os números do déficit habitacional no Brasil melhoraram nos últimos anos. Entre 2009 e 2012 o país conseguiu reduzir em 8% a quantidade de famílias sem casa graças ao programa federal Minha Casa Minha Vida, de acordo com um estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). O maior impacto foi sobre a habitação precária, que caiu 19%.

O déficit de habitação, porém, ainda é alto: 5,2 milhões de casas devem ser construídas, de acordo com o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea). Essa população atualmente vive em barracos ou favelas – no Brasil, 11 milhões moram neste tipo de construções. Na maioria dos casos, não têm acesso a serviços básicos como saneamento e coleta de lixo. A Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios (Pnad) de 2012 indica que a rede coletora de esgoto atende apenas 58,2% das casas brasileiras, sendo o menor alcance na região Norte (13,9%) e Nordeste (37,2%).

O desafio não é, portanto, apenas construir mais casas para suprir a demanda, mas criar estruturas sociais para uma moradia digna. A coordenadora do setor de construção da FGV, Ana Maria Castelo, explica que falta planejamento para dar continuidade à política habitacional para pessoas de baixa renda que não têm condições de financiar uma casa própria sem os subsídios dados atualmente pelo Governo Federal. “É preciso integrar a construção dessas unidades com serviços básicos como rede elétrica, transporte, creches, rede de água e esgoto”, algo que depende dos Estados e municípios, esclarece.

Energia, apesar da falta de chuvas

Beatriz Borges

Em época de estiagem, a falta de água preocupa tanto quanto a falta de energia elétrica. A previsão de poucas chuvas nos próximos meses prenunciam reservatórios ainda mais baixos – o volume das represas da região Centro-Oeste e Sudeste (70% da reserva brasileira), podem chegar a 16% em novembro, o nível mais baixo desde 2001 – e de um cenário incerto para o setor de energia. “Se as chuvas do verão não forem boas, estaremos expostos a racionamento e blecautes em 2015”, afirma Cláudio Sales, presidente do observatório do setor elétrico Instituto Acende.

A dependência de hidrelétricas – responsáveis por 69% da energia que consumimos – não é algo ruim, já que se trata de uma fonte renovável. Porém, na falta delas, são acionadas as termoelétricas, que têm um alto custo operacional apesar de contribuir com 28% da eletricidade fornecida. Como atualmente estão funcionando com o total de sua capacidade pela defasagem das hidrelétricas, podem encarecer a conta do consumidor. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) já aprovou a aplicação de reajuste mensal na fatura de acordo com as dificuldades de geração de energia a partir do ano que vem. A medida serve para compensar o setor que foi obrigado a reduzir o valor da tarifa em 20% pela polêmica Medida Provisória 579, aprovada pelo Senado em 2012. O Governo ainda tem pendente uma indenização no valor de 20 bilhões de reais às transmissoras, geradoras e distribuidoras de energia elétrica que renovaram suas concessões sob os termos da MP.

Outra fonte são as centrais eólicas, setor onde o investimento cresceu: dos 187 empreendimentos em construção previstos para 2016-2018, 127 são de geradoras deste tipo. Porém, esses é um sistema mais complexo: depende de capacidade de armazenamento e não pode ser acionado a qualquer momento. A energia produzida pelo vento representa apenas 3% do total de fontes, mas em 2023, segundo projeções do Ministério de Minas e Energia, passará a contribuir com 13,5%.

Como deixar o posto de sétimo país mais violento do mundo

Afonso Benites

Ano após ano, o Brasil vê suas taxas de homicídios aumentarem. Em 2012, último em que os dados estão disponíveis, chegou aos 29 assassinatos a cada grupo de 100.000 habitantes. Dez anos atrás era de 28, conforme o Ministério da Saúde. Isso quer dizer que 56.337 pessoas foram vítimas de homicídios dolosos (intencionais) naquele ano. São 154 assassinatos a cada dia. Com esses números, o Brasil foi alçado ao posto de sétimo país mais violento, entre cem analisados pelo Mapa da Violência.

Em um cenário no qual a criminalidade aumenta a cada dia, cabe ao Governo federal coordenar uma política de segurança que seja capaz de diminuir não só os assassinatos, mas também crimes que muitas vezes não são notificados, como roubo e furto. Pela Constituição Federal, cabe aos Estados fazerem o combate a esse tipo de crime. Mas quando os números mostram que 20 das 27 Unidades da Federação enfrentaram aumentos de suas taxas de violência, fica claro que algo está errado. Os recursos dos Estados são limitados e o crime organizado não respeita as divisas, por isso é comum ver delitos de tráfico de drogas, por exemplo, sendo investigado em São Paulo, mas não no Rio de Janeiro, mesmo que a quadrilha tenha ramificações pelos dois Estados.

Especialistas que estudam o assunto e alguns congressistas já iniciaram debates para alterar a legislação e aumentar a responsabilidade da União nesse quesito. Até mesmo alguns candidatos à presidência sugeriram que seria necessário aumentar a integração entre as polícias, o que, em um segundo momento, poderia ampliar a taxa de resolução dos crimes e consequentemente a punição dos infratores.

Fronteiras secas com pouca fiscalização, falta de continuidade de políticas que deram certo e tratar a questão da criminalidade apenas com aumento do policiamento são outros problemas que interferem no aumento das taxas.

Prisões superlotadas e uma multidão sem ter sido julgada

Afonso Benites

Em um espaço onde caberiam três pessoas, estão cinco. Ao menos duas delas não necessariamente deveriam estar ali. Nesse espaço, nem sempre há colchões, janelas ou banheiros. Apenas um pedaço de papelão, uma fresta perto do teto e um buraco no chão é o que há. Esse é um breve e superficial retrato do sistema penitenciário brasileiro.

São 548.000 presos em 310.000 vagas. Quase 40% deles não foram julgados por seus crimes e, por essa razão, poderiam estar em liberdade, conforme a legislação. Poucos deles trabalham ou estudam. Vivem no ócio e, devido à falta de estrutura ou por conivência dos agentes penitenciários, têm fácil acesso a produtos e equipamentos que não poderiam. É usual encontrar telefones celulares e drogas na maioria das cadeias espalhadas pelo Brasil. Assim como na área de segurança pública, cabe aos Estados controlar os presídios. Ocorre que, sem uma política nacional unificada, dificilmente as ações têm dado resultado. E não é apenas a superpopulação que explicam os recorrentes problemas. Por exemplo, tanto São Paulo, onde há mais de 200.000 detentos, como em Santa Catarina e no Maranhão, que juntos somam 20.000 presos, registraram problemas com facções criminosas que matam nas cadeias e ainda dão ordens para ações externas.

Nos últimos anos, o Governo federal pouco investiu no setor. Entre 2006 e 2009 construiu quatro penitenciárias federais, que totalizam pouco mais de 800 vagas. Nelas, estão apenas algumas lideranças de grupos criminosos. Parte dos Estados evitam transferir seus detentos para elas porque acreditam que, ao fazer isso, assinariam uma confissão de incapacidade de cuidar de seus criminosos.
Controle da inflação e retomada econômica

Carla Jiménez

Há uma urgência por medidas que estimulem a economia, depois que a desconfiança atingiu seu grau máximo no Governo Dilma. No primeiro dia depois do segundo turno, os mercados financeiros deram um duro recado à presidenta reeleita, com a queda drástica do índice Ibovespa nesta segunda-feira. Os papeis da Petrobras, por exemplo, chegaram a ter uma ‘queda livre’ de 13%.

A manobra dos agentes financeiros reflete a impaciência do país por medidas concretas para retomar o crescimento econômico e para garantir o controle das contas públicas. O esperado ajuste fiscal garantiria ao Governo alcançar a meta de superávit primário, que já foi alterada várias vezes, e de quebra ajudaria a controlar a inflação, com a redução dos gastos governamentais. Para isso, é preciso que a presidenta aponte o nome do próximo ministro da Fazenda, que vai substituir o atual, Guido Mantega.

A margem de manobra é estreita, uma vez que os meios para lograr o intento poderiam esfriar ainda mais a economia. Mas, poderiam resgatar a confiança dos investidores depois de uma relação turbulenta nos últimos tempos.

O controle inflacionário é outra exigência que recai nas costas de Dilma. A inflação está no teto da meta estabelecida pelo BC (6,5%) e a pressão para que ela ceda para os 4,5% (centro da meta) cresce a cada ano. Será um remédio amargo a ser injetado, mas que se bem sucedido, pode colocar o país na rota do crescimento.
O cobertor sempre curto da cultura

Camila Moraes

Como é comum na arena política brasileira, a campanha presidencial de 2014 não se deteve muito sobre as propostas para a cultura. Ainda que estas eleições tenham sido disputadas a cada fio de cabelo, o que será da área nos próximos quatro anos permanece no ar.

É verdade que o orçamento do Ministério da Cultura cresceu. De 2010, quando Dilma Rousseff assumiu a presidência, para 2013, ano em que foi aprovado o valor de quase três bilhões de reais, o incremento foi de 83%. Mesmo com um aumento orçamentário, o cobertor da cultura sempre é curto e, quando há cortes por ajuste fiscal, é também o primeiro a ser encolhido em benefício de outros setores.

Durante a gestão Dilma, o departamento priorizado foi o do audiovisual, que recebeu maior injeção de recursos e contou ainda com a criação de uma lei que estimulou nos últimos anos a produção nacional independente – a Lei 12.485, de 2011, que prevê cota de exibição de programas brasileiros na TV paga e foi bem recebida até por opositores. Tudo caminhou relativamente bem para o cinema e a TV, mas agora outras áreas culturais, como a música, o teatro e a literatura certamente disputarão com eles uma maior atenção do Governo.

Em todos os âmbitos, o grande cartão de visita do MinC continua sendo a Lei Rouanet, a Lei Federal de Incentivo à Cultura criada em 1991, cuja reforma tramita atualmente no Congresso para que seja equilibrado hoje seu forte peso estatal – criticado por muitos. Só no ano passado, a lei injetou 1,3 bilhão de reais em 3.459 projetos realizados via renúncia fiscal. De cada 10 reais investidos, 9,50 saíram dos cofres públicos, e agora o esperado é que o setor privado tenha maior participação nesse rateio. Sob Ana de Hollanda e sob Marta Suplicy – a atual ministra, que substituiu a anterior em 2012 –, a pasta passou a desembolsar também o Vale Cultura, benefício de 50 reais mensais para trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos, muito questionado pela oposição, como outros benefícios de amparo social criados por Lula e Dilma.

Desafios específicos que vêm aí incluem debates sobre a lei de direitos autorais, cuja reforma da lei está em curso no Executivo, e sobre a crise de instituições como a Biblioteca Nacional, que responde, entre outros, por políticas ao redor do livro e da leitura e pela difusão da literatura, e a Cinemateca Brasileira, responsável pelo arquivo histórico, pela restauração de filmes e outras questões ligadas ao cinema. Isso, no plano concreto. No geral, falta muito para que valorize os potenciais econômico e social da cultura no país e para que ela, em toda a sua dimensão, seja associada à educação e aos direitos humanos, contribuindo de fato para uma vida melhor.
Meio ambiente: um retrocesso por falta de fiscalização

Afonso Benites

Enquanto o desmatamento na floresta amazônica cresce, o Brasil passa a emitir mais gases poluentes. A política voltada ao meio ambiente enfrentou um retrocesso nos últimos anos.

Quando o desmatamento aumenta, conforme as ONGs ambientalistas, há um claro sinal de que a fiscalização afrouxou. No caso da Amazônia, em 2013, a alta foi de 28%, a primeira elevação em quatro anos. Já com relação às emissões de gases poluentes, o Brasil, juntamente com outras nove nações é responsável por 2/3 das emissões do mundo. Muito disso se deve ao maior uso das usinas térmicas geradoras de energia e ao pequeno investimento em fontes menos poluentes, como energia eólica, solar ou hidrelétricas. Nesse último caso, um empecilho é a desapropriação e o alagamento de áreas onde seriam construídas as geradoras de energia.

Algo que ainda pesa contra o país é que neste ano o Governo se negou a assinar um acordo mundial pela redução do desmatamento. O argumento foi o de que o Brasil não teve acesso ao texto final que foi votado pelos membros das Nações Unidas. Assim, não pode defender uma diferenciação entre o desmatamento legal e o ilegal.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

'30 Berlusconis' - O controle da mídia brasileira por 7 famílias




Os '30 Berlusconis' do Brasil

(nota: Silvio Berlusconi é um bilionário empresário do ramo da mídia e político italiano. Foi presidente do Conselho de Ministros (primeiro-ministro da Itália) da Itália entre 1994 e 1995, de 2001 a 2005, entre 2005 e 2006 e de 2008 a 2011.)

Foi dessa forma que o Repórteres Sem Fronteiras se referiu às sete famílias brasileiras que dominam 90% dos meios de comunicação – a mídia - do país.  E a diferença de tratamento aos candidatos à presidência novamente volta a desestabilizar a campanha eleitoral para a presidência.


Ao ler os grandes jornais brasileiros pode-se supor que a economia entrou em colapso, não há mais investidores interessados e só há um culpado de qualquer escândalo de corrupção: o Partido dos Trabalhadores (PT). Ao mesmo tempo em que esses meios publicam que a taxa de desemprego caiu para 5%, a mais baixa dos últimos 24 anos, denunciam que os brasileiros têm dificuldade em encontrar trabalho.

Durante a campanha eleitoral presidencial, que neste domingo enfrenta aos candidatos Aécio Neves e Dilma Rousseff, pelo segundo turno, esse quadro vêm se acentuando. O discurso da oposição de Aécio Neves é um claro reflexo dos meios de comunicação: "Agora que eles vêm possibilidades reais do Partido Social Democrata Brasileiro (PSDB) voltar ao poder, o que era um desgaste progressivo normal passou a ser um massacre. A guerra de baixa intensidade é agora um bombardeio indiscriminado ", reclama Guilherme Boulos, professor de Filosofia na Universidade de São Paulo.

O site Manchetômetro publicou na semana passada uma pesquisa referente às notícias favoráveis e desfavoráveis da semana sobre ambos os candidatos que aparecem nos grandes meios de comunicações. Entre os três principais jornais impressos (Folha de São Paulo, Estado de São Paulo, Jornal Globo) as reportagens positivas sobre Dilma foram 4 e, para Aécio Neves, 32. As reportagens negativas para Dilma Rousseff foram 176 e para Aécio, 31. No principal noticiário de TV da noite do país, o Jornal Nacional, a cobertura de notícias de televisão favorável  à candidata do PT foi de 4 minutos e 14 segundos. Para o candidato do PSDB chegou a 9 minutos e 52 segundos. Quanto às notícias desfavoráveis, para Dilma Roussef foi de 53 minutos, enquanto para Aécio Neves foram  dedicados sete minutos e seis segundos.

Em 2013, a organização ‘Repórteres Sem Fronteiras’ (RSF) publicou um relatório, conhecido como  Os 30 Berlusconis do Brasil para se referir às sete famílias que dividem 90% dos meios de comunicação do país. "As características de desempenho dos meios de comunicação impedem o livre fluxo de informação e o pluralismo. O Brasil tem um nível de concentração da mídia desproporcional ao potencial de seu território e a diversidade da sociedade civil", denunciou o relatório.


Os sete grupos de poder dividem-se entre Rio de Janeiro e São Paulo, e muitos deles já existiam antes da ditadura. Alguns, como Globo ou Folha de São Paulo, colaboraram com a ditadura,  conforme assinala em sua tese de doutorado sobre a censura da mídia, a historiadora brasileira Beatriz Kushnir.

No setor audiovisual, a família Marinho, proprietária do grupo Globo, ocupa o primeiro lugar. Os irmãos Marinho não são apenas grandes magnatas da televisão e da imprensa brasileira, mas são considerados, de acordo com a Forbes, o clã mais rico do Brasil com uma fortuna  que chega a US$ 29 bilhões. Em seguida no domínio do meio audiovisual, vem o grupo SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), cujo proprietário Silvio Santos,  apresenta o mesmo programa na TV há mais de 40 anos.
A família Saad é responsável pela Rede Bandeirantes e a TV evangélica Record é parte da fortuna do presidente da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo. Em relação à imprensa, o Grupo Globo mantém uma posição privilegiada junto a outros diários como Folha de São Paulo, da família Frias Filho e o Estado de São Paulo, da família Mesquita. A editora Abril, da família Civita, é proprietária de 70% dos semanários do Brasil, com a revista Veja como o carro-chefe do grupo.

"Neste país, os nomes das pontes e estradas são para essas famílias. Existe a Ponte Octavio Frias, a avenida Roberto Marinho e a Praça Victor Civita. Nossas oligarquias dos meios de comunicação são as elites brasileiras, que decidem quem governa o país e aqueles que ficam com os nomes das nossas ruas ", disse a jornalista brasileira Cynara Menezes.

Um inimigo comum

Desde que Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao poder em 2002, o ex-presidente não tem deixado de denunciar os ataques que sofre por parte dos grandes meios de comunicação. “Quem faz oposição neste país é um determinado tipo de imprensa e se dependesse dela , eu teria 0% de aprovação, argumentava na campanha eleitoral passada. Há duas semanas, em outro ato afirmava: “Estou cansado, todos os anos é igual, dizem que o país está quebrado, em crise, usam informações não confirmadas para acusar-nos de corrupção, mas agora está sendo muito pior, pois estão disseminando um ódio contra o Partido dos Trabalhadores – PT, que tem superado todos os limites.”
O cientista político do Instituto de Pesquisas do Rio de Janeiro, Marcos Figueredo diz que a imprensa brasileira tem um duplo discurso. Por um lado presume-se seguir uma linha de jornalismo americano, objetivo, e por outro estão os resultados de suas publicações: "Ao final, o que vemos são diferenças no tratamento a cada candidato, aprofundam algumas questões negativas associadas a Lula ou Dilma, enquanto se mostram benevolentes quando se trata de lidar com questões espinhosas dos adversários que estão na oposição. "

Os ataques não são tão duros quanto as omissões. Durante a campanha atual, a grande imprensa tem insistido no escândalo do desvio de dinheiro pela direção da Petrobras, escolhida por Dilma Rousseff. O diretor está em julgamento e continua a prestar declarações, mas alguns meios de comunicação publicaram novas acusações não confirmadas. Por outro lado, os escândalos de corrupção ligados ao candidato Neves, como a construção de um aeroporto privado na fazenda de seu tio com dinheiro público, ou o desvio de recursos na construção de linhas de trem e metrô em São Paulo envolvendo o PSDB, passam despercebidas.

A reportagem de capa da revista Veja publicada há um mês, ligava diretamente Dilma Rousseff ao escândalo da Petrobras, mas não apresentava nenhum dado para confirmar esta afirmação. Após esta publicação, o jornalista Ricardo Kotscho escreveu em sua coluna no News Record (R7) uma passagem do candidato falecido Eduardo Campos: "Eu não pensava em dizer isto, mas depois da capa deste domingo, eu me lembrei do que disse Campos em 2012. Quando ele entrou no escritório de Roberto Civita, ficou surpreso ao ouvir do proprietário do grupo Abril, a seguinte frase: “Está vendo todas essas capas de Veja? Esta é a única oposição real ao PT, o resto comete apenas bobagens. Só nós podemos acabar com essa gente e iremos até o fim."

O neto de João Goulart, o último presidente brasileiro antes do golpe militar de 1964, saiu em defesa de Dilma, na semana passada: "É incrível a campanha de terrorismo econômico sistemático do oligopólio dos meios de comunicação que buscam desestabilizar o governo Dilma. É muito parecido com o que fizeram com o meu avô ", disse João Alexandre Goulart ao Diário do Centro do Mundo.
Internet é a instrumento utilizado para compensar o desequilíbrio frente aos grandes meios de comunicação. Portais de notícias como o 'Fórum', 'Diário do Centro do Mundo', 'O Cafezinho', ou blogs como 'Conversa Afiada' oferecem uma perspectiva diferente, principalmente do PT. Muitos deles têm em suas redações, jornalistas que trabalharam na grande imprensa e decidiram sair, e outros que trabalharam apenas para meios alternativos. "Eu trabalhei mais de oito anos na Folha de São Paulo e nunca me censuraram, o único lugar onde alteravam meus textos foi na revista Veja. Mas sei de muitos amigos jornalistas que foram demitidos quando seus chefes suspeitavam de que eles poderiam ser do PT ", disse a jornalista Cynara Menezes da revista Carta Capital, a única publicação semanal nacional que se declara favorável ao Governo.

Regulamento da Lei de Imprensa

Um dos cânticos mais entoados durante as manifestações em junho de 2013 foi "Fora Rede Globo". Além de melhorias nos serviços públicos, principalmente educação e saúde, os brasileiros exigiam a democratização das comunicações. Dilma Rousseff prometeu durante a campanha que, se ele fosse reeleita, levará a cabo uma Regulação da Lei de Imprensa. A Constituição de 1988 proíbe a criação de monopólios e oligopólios de mídia, mas até agora ninguém a cumpre.

"De nada adianta agora o PT se lamentar. Tiveram 12 anos para discutir a democratização dos meios de comunicação e não tiveram coragem", disse o professor Guilherme Boulos, acrescentando um artigo do jornal Outras Palavras: "O massacre a que estamos assistindo e vamos ver até 26 de outubro, revela a adesão em bloco da elite à candidatura de Aécio Neves e seu compromisso com a polarização. Se eles vencerem, eles podem consolidar uma onda conservadora no Brasil e na América Latina. Se perderem, pagarão por ter exagerado na dose de polarização, já que isso não é algo que se desfaça com facilidade. " Cynara Menezes está na mesma linha: "Seu inimigo número um é o Lula, e cada vez estão insuflando mais ódio ao PT, e isto está escapando do controle. Como se diz em Espanha, “Cría cuervos y te sacarán los ojos”.


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Tradução da reportagem publicada na Espanha em 25/10/2014 de AGNESE MARRA publicada em:

http://www.publico.es/internacional/552380/los-30-berlusconis-de-brasil

com a colaboração de Carles Martí na tradução.
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PF suspeita de armação em depoimento de Youssef, diz "O Globo"

PF suspeita de armação em depoimento de Youssef, diz "O Globo"

 Para a Polícia Federal, a acusação do doleiro contra Lula e Dilma pode ter sido estimulada pela defesa de Youssef, com intenção eleitoral, um dia antes da publicação de "Veja" 

 

O jornal O Globo traz em sua edição desta quarta-feira 29 uma informação que pode ajudar a elucidar a história por trás da “bala de prata” da oposição contra Dilma Rousseff (PT), a indicação, feita pelo doleiro Alberto Youssef, de que a presidente reeleita e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tinham conhecimento do esquema de corrupção na Petrobras. Segundo o jornal, os investigadores suspeitam que a declaração do doleiro pode ter sido forçada pela defesa para influenciar o resultado do segundo turno das eleições.
A Polícia Federal investiga como o depoimento de Youssef vazou e, segundo a reportagem do Globo indica, suspeita da ação da defesa do doleiro. De acordo com o jornal, Youssef prestou depoimento na terça-feira 21, como vinha fazendo normalmente, e não citou Lula ou Dilma. Na quarta-feira 22, diz o jornal, um dos advogados de Youssef pediu para “fazer uma retificação no depoimento anterior”. No interrogatório, afirma o Globo, o advogado “perguntou quem mais, além das pessoas já citadas pelo doleiro, sabia da fraude na Petrobras”. Youssef disse, prossegue o jornal, “acreditar que, pela dimensão do caso, não teria como Lula e Dilma não saberem”. A retificação acabou exatamente neste trecho.
No dia seguinte, a quinta-feira 23, antecipando sua circulação semanal em um dia, Veja publicou as declarações de Youssef a respeito de Lula e Dilma. Segundo a reportagem da revista, o doleiro não apresentou provas e elas não foram solicitadas.
A suspeita da PF levanta uma questão temporal curiosa. Enquanto a retificação do depoimento de Youssef teria ocorrido na quarta-feira, segundo O Globo, Veja afirmou em nota que sua apuração "começou na própria terça-feira, mas só atingiu o grau de certeza e a clareza necessária para publicação na tarde de quinta-feira".
A defesa de Youssef é coordenada pelo advogado Antonio Augusto Figueiredo Basto. Por um ano, Basto teve um cargo de conselheiro do Conselho de Administração da Sanepar, a Companhia de Saneamento do Paraná. Como consta no site da empresa, ele assumiu o cargo em 17 de janeiro de 2011, 16 dias após a posse de Beto Richa (PSDB) como governador do Paraná. Em 25 de abril de 2012, a carta de renúncia de Basto foi lida em assembleia geral da Sanepar, como consta em ata também publicada no site da companhia. No último 23 de outubro, no mesmo dia da publicação de Veja, Basto disse ao mesmo jornal O Globo que desconhecia o teor do depoimento dado por Youssef na terça-feira 21. (Leia a íntegra da reportagem do jornal O Globo ao final do texto).


A notícia veiculada pelo Globo, apurada de Brasília e Curitiba e que não tem assinatura em sua edição imprensa, apenas na versão online, foi relegada à parte inferior da página 6 do periódico, uma escolha que chama atenção diante da repercussão que teve a capa da revista Veja. No horário eleitoral do dia seguinte, a sexta-feira 24, Dilma Roussef disse que iria processar Veja, e prometeu investigar a corrupção na Petrobras "doa a quem doer". Na Justiça, o PT conseguiu proibir a editora Abril de veicular propagandas de sua capa, considerada "propaganda eleitoral", e também o direito de resposta diante da reportagem.
Na sexta-feira e no sábado, véspera do segundo turno, panfletos com a capa impressa de Veja foram distribuídos em várias cidades do Brasil. Na madrugada de sábado 25 para domingo 26 começou a circular pelas redes sociais o boato de que Youssef, internado em Curitiba, teria sido envenenado. A Polícia Federal e o hospital em que ele esteve desmentiram a informação, que circulou pelas redes sociais em uma velocidade impressionante, assustando a militância petista na reta final da votação e provocando um impacto que dificilmente poderá ser mensurado.
Também na imprensa brasileira houve repercussões. No domingo 26, um colunista da Folha de S.Paulo, que publicou reportagem de teor semelhante ao de Veja a respeito do suposto conhecimento de Lula e Dilma sobre a corrupção, acusou a TV Globo de ter "medo" ao não repercutir as denúncias dos dois veículos no Jornal Nacional. Em resposta, o diretor de jornalismo da Globo afirmou que as fontes da emissora não confirmaram "com suas fontes o sentido do que fora publicado" pela revista e classificaram como "distorcida" da reportagem da Folha.
(Por José Antonio Lima)

Obtido de: http://www.cartacapital.com.br/blogs/midiatico/pf-suspeita-de-armacao-em-depoimento-de-youssef-diz-jornal-3259.html?utm_content=buffer30c9a&utm_medium=social&utm_source=twitter.com&utm_campaign=buffer

 Todos os direitos reservados à Carta Capital e ao jornalista José Antonio Lima. 

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Reportagem no jornal 'O Globo'.

PF investiga vazamento de depoimento de Youssef

Objetivo é saber se houve intenção de influenciar resultado das eleições

por

BRASÍLIA E CURITIBA — A Polícia Federal abriu inquérito para investigar as circunstâncias do vazamento de trechos de um depoimento em que o doleiro Alberto Youssef cita a presidente Dilma Rousseff e o ex-presidente Lula. Investigadores da Operação Lava-Jato suspeitam que Youssef foi estimulado a fazer declarações sobre Dilma e Lula, numa manobra que teria, como objetivo, influenciar o resultado das eleições presidenciais.
Trechos do depoimento foram divulgados pela revista “Veja”, quinta-feira passada. Dois dia antes, Youssef prestara um depoimento, como vinha fazendo desde o início da delação premiada. No dia seguinte, um de seus advogados pediu para fazer uma retificação no depoimento anterior. No interrogatório, perguntou quem mais, além das pessoas já citadas pelo doleiro, sabia das fraude na Petrobras.
Youssef disse, então, acreditar que, pela dimensão do caso, não teria como Lula e Dilma não saberem. A partir daí, concluiu-se a “retificação” do depoimento. No dia seguinte, trechos do depoimento foram publicados pela revista, com a informação de que o doleiro teria dito que Dilma e Lula sabiam das fraudes na Petrobras.
Youssef segue internado no hospital Santa Cruz, em Curitiba, onde está desde sábado. Segundo boletim médico divulgado ontem, Youssef iniciou tratamento de fisioterapia e reposição de nutrientes, por estar debilitado; seu quadro é estável, mas sem previsão de alta.

Todos os direitos reservados ao jornal 'O Globo'. Caso vc tenha acesso, prefira acessar o link acima.

Editorial de 'O Estado de São Paulo' de 29/10/2014 - O temor ao plebiscito

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Evidentemente, as famílias que controlam a mídia no País estão trabalhando de forma coordenada contra a reforma política. Primeiro, foi o jornal 'O Globo' se colocar contra o plebiscito, 1 dia após a vitória de Dilma Roussef. Dois dias depois, é a vez do jornal o 'Estado de São Paulo'. O plebiscito é ato previsto na Constituição de 1988. O fantasma para os donos da mídia é a reforma eleitoral. Chama o plebiscito de 'armadilha'. Por que? De que forma a reforma eleitoral através do plebiscito pode ser daninha às suas demandas? Afinal, democracia só é boa quando atende a meus interesses das donas da mídia?

A armadilha do plebiscito

O Estado de S.Paulo 

29 Outubro 2014 | 02h 05 

O PT está com pressa. Sabe que ganhou esta eleição presidencial por pouco e não quer correr o risco de receber o bilhete azul na próxima. Urge, portanto, "aperfeiçoar" o sistema representativo de modo a garantir um futuro sem surpresas desagradáveis nas urnas. É essa a razão pela qual Dilma Rousseff enfatizou, em seu discurso de vitória, a prioridade com que se dedicará doravante, entre todas as reformas que há muito tempo o País reclama, à reforma política. Com um detalhe que faz toda a diferença: uma reforma política cujo conteúdo será definido por plebiscito.
Não é de hoje que o PT questiona, à sua maneira, o sistema representativo em vigor no País, pelo qual o povo elege representantes que têm a responsabilidade de propor e aprovar as leis que regem a vida em sociedade, além de fiscalizar as ações do Poder Executivo. Assim, uma reforma política, que depende de novas leis, é responsabilidade constitucional do Congresso Nacional, como Dilma teve a prudência de observar em seu discurso.
Para o PT, esse sistema representativo não funciona. O presidente do partido, Rui Falcão, manifestou claramente essa convicção no dia seguinte ao da eleição, ao comentar o discurso de Dilma e a relação de suas propostas com as manifestações de rua do ano passado: "Nós, como partido que tem relações com os movimentos sociais, só vamos obter a reforma política com essas mobilizações. Pelo Congresso Nacional, seja na atual configuração, seja na futura, é praticamente impossível". Impossível é ser mais claro. Para o PT, o que funciona é a "democracia direta", aquela em que os donos do poder cuidam para que as pessoas não façam as escolhas erradas.
A Constituição brasileira prevê duas formas de consulta popular: o plebiscito e o referendo. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) define clara e sucintamente em seu site o que significam um e outro: "Plebiscito e referendo são consultas ao povo para decidir sobre matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa. A principal distinção entre eles é a de que o plebiscito é convocado previamente à criação do ato legislativo ou administrativo que trate do assunto em pauta, e o referendo é convocado posteriormente, cabendo ao povo ratificar ou rejeitar a proposta".
O PT insiste no plebiscito, claro, porque quer exercer sua influência como partido do governo para definir previamente o que deverá ser submetido ao escrutínio público. É importante lembrar que, quando, em resposta às manifestações de junho de 2013, Dilma propôs cinco itens prioritários para a reforma política, o primeiro deles era a reforma do sistema eleitoral. E o debate dessa proposta no meio político resultou em seu engavetamento, com o apoio dos aliados do governo, especialmente o PMDB, pela razão óbvia de que o PT a concebera na medida exata de suas próprias conveniências.
É natural, portanto, que mais uma vez Dilma Rousseff volte a propor, agora sob o impacto de sua reeleição, o uso desse instrumento: "Com o instrumento dessa consulta, o plebiscito, nós vamos encontrar a força e a legitimidade exigidas neste momento de transformação para levarmos à frente a reforma política".
Falta agora o PT combinar o jogo com seus aliados. Não será tarefa fácil, principalmente porque o mais importante deles, o PMDB, está muito satisfeito com o espaço que ocupa e não cogita de colocá-lo em risco. No ano passado, o vice-presidente Michel Temer, peemedebista, teve um papel decisivo na tarefa de fazer Dilma recuar na ideia do plebiscito. E outro importante líder do partido aliado e presidente do Senado, Renan Calheiros, já adiantou a opinião de que seria melhor pensar, talvez, num referendo.
Uma coisa é certa: a reforma política é necessária e urgente para corrigir as distorções que comprometem o sistema representativo e aperfeiçoá-lo em benefício da democracia brasileira. Mas é preciso evitar que essa reforma seja maliciosamente colocada a serviço do projeto de poder do lulopetismo. Este é um dos desafios que se colocam para a liderança oposicionista cuja responsabilidade será doravante cobrada por mais de 51 milhões de brasileiros.

Obtido de: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-armadilha-do-plebiscito-imp-,1584725
http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,a-armadilha-do-plebiscito-imp-,1584725

O Editorial do 'O Globo' após as eleições: temor ao plebiscito

O Editorial raivoso do 'O Globo' após as eleições e o temor ao plebiscito

Guardo com 'carinho' o Editorial do 'O Globo', pela truculência contida no texto. Li pela primeira vez no site do Clube Militar, onde pensei que fosse um texto do próprio Clube Militar, o que até fazia sentido, já que boa parcela dos militares apoiou o adversário de Dilma nas eleições. Minha surpresa ficou ao saber que o texto era uma transcrição do editorial do 'O Globo' no dia seguinte à eleição de Dilma Roussef.

Além de analisar de forma parcial o resultados das eleições, ratifica a divisão de 'Norte' e 'Sul', principalmente ocasionado pela 'clientela do Bolsa-Família' (sic) e se esquece de mencionar a massiva votação para Dilma Roussef no Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Aliás, o 'O Globo', culpa os tucanos pela baixa votação em Minas Gerais, por terem escolhido um candidato 'já desligado do Estado' (sic), esquecendo de expor os méritos da votação de Dilma.

Além disso, faz menção ao fato de Dilma e Lula usarem a cor branca em vez do vermelho após a vitória em tom ameaçador: "Que continue assim."

O pior fica por conta da sua posição contrária à reforma política, colocando-se contra o plebiscito pois sabe que essa forma de consulta para as reformas escaparia ao controle da família proprietária da Rede Globo. Afinal, democracia é boa quando é a meu favor.

 Editorial de 'O Globo', de 27/10/2014.

A mensagem das urnas

A eleição presidencial mais parelha dos 125 anos de República deixa o país dividido entre os que produzem e pagam impostos e os beneficiários de programas sociais

por

A 21ª eleição presidencial direta ganha o merecido destaque nos 125 anos de história da República brasileira. O seu desfecho foi não só o mais parelho desde 1989, quando Collor venceu Lula, como de todos os tempos, com a vitória da candidata petista à reeleição, Dilma Rousseff, por apenas 3,2 pontos percentuais sobre o oposicionista tucano Aécio Neves, metade da já estreita margem observada em 89: 51,64% contra 48,36%, uma diferença, em grandes número, de 3 milhões de votos, equivalente a um eleitorado pouco maior que o da Paraíba. O desenho esboçado no primeiro turno, com a divisão do país em dois grandes blocos, recebeu traços mais fortes: grosso modo, o Norte-Nordeste perfilado ao PT, o Sudeste-Sul-Centro/Oeste com a oposição. Fica evidente que o país que produz e paga impostos — pesados, ressalte-se — deseja o PT longe do Planalto, enquanto aquele Brasil cuja população se beneficia dos lautos programas sociais — não só o Bolsa Família —, financiados pelos impostos, não quer mudanças em Brasília, por óbvias razões.
Este comportamento eleitoral previsível foi explorado pelo PT. A campanha de Aécio denunciou uma série de golpes baixos desfechados para aterrorizar beneficiários desses programas — considerando os dependentes, apenas o Bolsa Família congrega uma clientela de 50 milhões de pessoas, um quarto da população brasileira, muitos deles eleitores. Há registro de mensagens recebidas por bolsistas de que Aécio acabaria com o BF, o mesmo tendo ocorrido com participantes do Minha Casa Minha Vida. Quem teria acesso a esses cadastros a não ser gente do governo? A arma do terrorismo é peça de artilharia da marquetagem eleitoral já conhecida. Mas, desta vez, seu emprego teria aumentado de escala.
Partidos do governo, num país como o Brasil, de grandes desníveis sociais e regionais, costumam cavar trincheiras nas áreas mais pobres, por serem elas as mais dependentes de repasses de recursos públicos. Não é novidade. A ressalva está na demarcação de um forte sentimento antipetista no Sudeste, Centro-Oeste e Sul, mais que em outros pleitos.
A avassaladora antipetização do Estado de São Paulo, o mais populoso e rico da Federação, leva mensagem que precisa ser decifrada pelo Planalto e partido. O mais otimista tucano não poderia esperar que um mineiro receberia 15,3 milhões de votos no estado, 64,3% do colégio eleitoral paulista, contra 35,6% confiados a Dilma. Foi dura a derrota do PT no estado em que nasceu, inclusive na região específica do ABC, na qual o movimento sindical dos metalúrgicos, na década de 70, gerou Lula e outras lideranças do partido e da CUT.
Em contrapartida, o mais pessimista tucano não imaginaria que Aécio perderia na própria Minas, no primeiro turno e no segundo. No primeiro, além de ficar atrás de Dilma, não conseguiu que seu candidato Pimenta da Veiga impedisse Fernando Pimentel (PT) de vencer a eleição para governador no primeiro turno. No segundo, o máximo que o tucano conseguiu foi reduzir danos, perder para Dilma por uma diferença menor (52,4% a 47,6%). O equívoco na escolha para disputar Minas de um político já desligado do Estado, uma demonstração de excesso de confiança, se somou à enorme e nada surpreendente vitória de Dilma no Nordeste e Norte para explicar a derrota de Aécio, na maior chance que a oposição teve de voltar ao Planalto desde a primeira vitória de Lula, em 2002.
Foi, portanto, com justificada alegria que Dilma, Lula e correligionários subiram ao palco, num hotel em Brasília, na noite de domingo, para comemorar a difícil vitória. O fato de Dilma e Lula estarem de branco, e uma bandeira do Brasil ficar exposta no púlpito, foi um símbolo positivo: os dois fizeram questão de não trajar o vermelho partidário, forma de sinalizar uma adequada preocupação em engavetar, pelo menos naquela hora, a paixão partidária. Que continue assim.
No primeiro discurso como candidata reeleita, a presidente reforçou a mensagem simbólica ao dar um importante aceno, mesmo sem admitir a divisão do país: “algumas vezes na história, os resultados apertados produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas. (...) Minhas primeiras palavras são de chamamento da base e da união. (...) Esta presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo."
O discurso, infelizmente, teve partes contraditórias, como se houvesse sido escrito por dois redatores diferentes. Esta parte da proposta de diálogo, e uma outra, em oposição ao entendimento, de defesa de uma reforma política por meio de plebiscito, já rejeitada pelo Congresso, no ano passado, quando a ideia foi gestada em frações nacional-populistas do PT, em meio às manifestações de junho, e levadas a Dilma.
Ora, se em 2013 a ameaça de inspiração chavista de escantear o Congresso por meio de uma consulta popular para viabilizar projetos petistas — eleição em lista fechada, financiamento público de campanha, etc — já não prosperou, na próxima legislatura é que não vingará mesmo. Afinal, no Congresso que assume em 2015, o PT continuará o maior partido da Câmara (70 deputados), porém com a supressão de 18 cadeiras. O PMDB, contra o plebiscito, perderá menos deputados — 66 contra 71 —, e ainda haverá um PSDB com 54 cadeiras, dez a mais que no Congresso que está em fim de legislatura. Isso sem considerar a forte bancada que a oposição terá no Senado, com a volta dos tucanos José Serra (SP) e Tasso Jereissatti (CE), que se juntam a Aloysio Nunes e Aécio, donos de ainda quatro anos de mandato, tendo o candidato derrotado por Dilma saído da eleição como forte líder das oposições. A melhor alternativa é negociar alterações tópicas e eficazes: cláusula de barreira e fim das coligações em eleições proporcionais.,
Erra Dilma ao anular seu aceno de diálogo com a reafirmação de uma proposta que crispará os ânimos a partir de 2015. Entende-se que ela, no domingo, precisava animar a militância. Mas exagerou. Em vez de semear conflitos, a presidente reeleita deve tratar de começar a desatar nós cegos que existem na economia — razão pela qual os mercados regiram ontem com mau humor aos mais quatro anos deste governo. Esta urgente lição de casa passa pela escolha de nomes para postos-chave da área econômica que mostre que a presidente não cometerá o erro fatal de dobrar a aposta numa política fracassada. Os sinais são gritantes: inflação engessada em torno do limite superior da meta (6,5%), estagnação na produção com inexoráveis reflexos no mercado de trabalho — um trunfo eleitoral que se esvai —, contas externas em sério desequilíbrio e contas públicas desalinhadas e em total descrédito.
Este quadro também foi denunciado pela metade do país que ficou na oposição. Faz parte da mensagem a ser entendida.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

Duas versões para a mesma crise - Por Carlos Melo

Duas versões para a mesma crise

 por Carlos Melo

27 outubro 2014 | 11:18

Duas versões de um mesmo artigo para o resultado da eleição: mudam os atores, muda-se as vontades; não mudam os problemas.

Na sexta-feira passada, a  moçada da Editoria de Política, do Estadão, pediu um artigo para hoje, segunda-feira, dia seguinte à eleição. Queriam uma análise sobre o quadro e os desafios do novo mandato. Incapaz de prever o resultado, resolvi, é claro, escrever duas versões: a “Versão Dilma” e a “Versão Aécio”.
Fiz um texto em 4 parágrafos. E percebi que dois deles: o primeiro — o quadro de terra arrasada da eleição — e o último — os desafios do(a) próximo(a) presidente — não mudariam qualquer que fosse o eleito, ou mudariam muito pouco. Diferentes seriam mesmo os dois parágrafos do meio, o das condições específicas de cada um.
No domingo, o eleitor escolheria a “Versão Dilma” e foi este que o jornal publicou em seu impresso de hoje.
Creio que estamos fazendo história — mesmo sem perceber que a fazemos –, e por isso, aí embaixo publico as duas versões que produzi, para que o leitor perceba o tamanho dos problemas; a dificuldade do país. Fosse um sujeito desses modernos, de informática, diria que o hardware é o mesmo para os dois; os softwares é que são diferentes. Como sou um tipo mais antigo, digo apenas que mudam as moscas.
Vamos em frente — sem saber ao certo para onde!

VERSÃO DILMA
Que não haja ilusão: a eleição não somou, dividiu — se não fragmentou. Qualquer que fosse o resultado, seria assim: agora, o desafio para reunir os cacos do diálogo e de algum consenso que a intemperança dos últimos tempos estraçalhou. A oposição teria sinal trocado, apenas; mas igualmente de dedo em riste e faca nos dentes; ressentida, esperando a volta. Que não haja ilusão: o pleito definiu o vencedor ao estilo Machado – “ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. Esta é uma eleição que não termina com a votação, continua hoje seguirá e pelo amanhã, com temperatura e pressão elevadas.
A presidente reeleita não é a Dilma de 2010, cercada de boa vontade e esperança. As expectativas a respeito de seu novo governo são defensivas: defender o emprego, a inclusão, o partido; defender o governo. Terá a desconfiança de setores econômicos que não se limitam aos “banqueiros”, demonizados na campanha. Há também a classe média, a mídia, os críticos melindrados. E, claro, um Congresso mais fisiológico e fracionado por interesses diversos, divergentes, difusos; com muito menor margem fiscal para alimentar e saciar apetites fisiológicos.
Atender e recompor a credibilidade demandará morder a língua, desdizer o que se disse; capitular ao inimigo que venceu. Há pouco espaço politico para isso, pois a base social, criada e cevada na crença de soluções simples, não compreenderá a complexidade da política, obliterada pelo debate. Dilma não é Sarney, para, no dia seguinte, praticar estelionato e passar o resto do mandato com cara de paisagem. Seus custos e princípios são maiores. Ao mesmo tempo, fazer suavemente o ajuste não contornará os espíritos mais sectários. “Crise” é o nome dessa sinuca.
Os desafios econômicos são grandes, mas os obstáculos políticos são maiores ainda — a política mal manejada pode pôr a perder avanços econômicos. Limitar o necessário ao medíocre possível não é mais saída; cindido, o país pressionará por mudança logo. O desafio requer uma presidente que de modo algum aguce divergências e divida a galera em duas torcidas, mas que recomponha a difícil unidade do cristal trincado. Que não haja ilusão, o país carecerá de liderança política de altíssimo nível. Para isto, a presidente terá que reinventar a si mesma.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.

VERSÃO AÉCIO 
Que não haja ilusão: a eleição não somou, dividiu — se não fragmentou. Qualquer que fosse o resultado, seria assim: agora, o desafio para reunir os cacos do diálogo e de algum consenso que a intemperança dos últimos tempos estraçalhou. A oposição teria sinal trocado, apenas; mas igualmente de dedo em riste e faca nos dentes; ressentida, esperando a volta. Que não haja ilusão: o pleito definiu o vencedor ao estilo Machado – “ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas”. Esta é uma eleição que não termina com a votação, continua hoje seguirá e pelo amanhã, com temperatura e pressão elevadas.
O presidente eleito, Aécio Neves, contará com apoios da classe média, da mídia, do mercado. Mas, contra si terá o peso da desconfiança de grande parcela temerosa de seu ajuste; uma oposição ressentida e mobilizada por movimentos e corporações desalojados, no novo governo; mais organizada e orgânica do que enfrentou FHC, em seu tempo. Com mais recursos e conhecimento; mais rancor e plena de desejos de voltar, em 2018. Ao mesmo tempo, um Congresso cevado no fisiologismo, fragmentado e insensível a apelos fiscais, por mais racionais que sejam.
Se o ajuste é inevitável e fundamental, também serão reais seus efeitos colaterais deletérios: cortes, fim de incentivos e privilégios que – no curto prazo, pelo menos – afetarão também os empregos. Os efeitos sociais que despertarão já nos primeiros tempos a saudade e a impressão de que nos governos anteriores tudo era melhor. A agenda positiva de Aécio pode ser atropelada pela agenda negativa paralela e igualmente inevitável. Ajustar é preciso, mas sobreviver é igualmente necessário: tudo será mais cuidadoso, por isso lento e incremental do que o prometido.
Os desafios econômicos são grandes, mas os obstáculos políticos são maiores ainda — a política mal manejada pode pôr a perder avanços econômicos. Limitar o necessário ao medíocre possível não é mais saída; cindido, o país pressionará por mudança logo. O desafio requer um presidente que de modo algum aguce divergências e divida a galera em duas torcidas, mas que recomponha a difícil unidade do cristal trincado. Que não haja ilusão, o país carecerá de liderança política de altíssimo nível.  O novo presidente rapidamente terá que provar que a possui.
Carlos Melo, cientista político. Professor do Insper.


 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

A elite da mídia brasileira bate cabeça: caso Youssef indispõe Globo e Folha de São Paulo

Petrobras

Caso Youssef indispõe Folha e Globo

Diretor da Globo, Ali Kamel afirma que emissora não conseguiu confirmar denúncias de "Veja" e classifica reportagem da "Folha" como "distorcida" 
 
A reportagem publicada pela revista Veja na quinta-feira 23, na qual constava a acusação de que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a presidenta reeleita Dilma Rousseff (PT) sabiam do esquema de corrupção na Petrobras, provocou uma indisposição entre a Folha de S.Paulo e a TV Globo.
Alberto Youssef está preso em Curitiba, sob os cuidados da Polícia Federal. Ele era o responsável por lavar o dinheiro do esquema de corrupção na estatal

No domingo 26, o colunista Nelson de Sá publicou na Folha uma análise sobre o comportamento da emissora na qual destaca o fato de a Globo não ter repercutido a capa de Veja no dia seguinte à publicação da reportagem, a sexta-feira 24 (ver texto abaixo). O colunista lembra que a capa da revista Veja só apareceu no Jornal Nacional, o carro-chefe do jornalismo global, após o protesto da União da Juventude Socialista (UJS), entidade ligada ao PCdoB, em frente ao prédio da editora Abril, em São Paulo. O JN deu a notícia no contexto de que as pichações na sede da editora que publica Veja consistiam ataque à liberdade de imprensa. Para Nelson de Sá, o fato de a Globo não ter repercutido a capa de Veja e não ter colocado em seus programas jornalísticos o conteúdo do último debate entre Aécio Neves (PSDB) e Dilma Rousseff (PT) seria uma indicação de que a Globo estava com "medo".
 Nelson de Sá



Ali Kamel

Nesta segunda-feira 27, a Folha traz uma carta de Ali Kamel, diretor de jornalismo da Globo, na qual ele rebate o texto de Sá e faz duras críticas ao jornal e ao colunista (ver texto abaixo). De acordo com Kamel, a Globo não repercutiu a capa de Veja na sexta-feira pois não "confirmou com suas fontes o sentido do que fora publicado" pela revista. Da mesma forma, diz Kamel, a Globo não repercutiu a capa da Folha de sábado 25 – também sobre a suposta ciência de Lula e Dilma a respeito dos desvios – pois não apenas não conseguiu confirmar seu teor como recebeu de suas fontes o diagnóstico de que ela estava "distorcida". Por fim, afirma o diretor da Globo, "ao confundir equilíbrio com medo, Nelson de Sá talvez se valha da própria experiência nos jornais em que trabalha ou trabalhou".

A reportagem de Veja foi considerada a última "bala de prata" da oposição para tentar evitar a vitória de Dilma Rousseff. A revista trazia a acusação em declarações do doleiro Alberto Youssef à Polícia Federal, que o prendeu durante a realização da operação Lava-Jato. Youssef assinou um acordo de delação premiada com a Justiça para detalhar o esquema de corrupção em troca de benefícios. A própria revista afirmava que Youssef não apresentou provas das acusações, no entanto.

No horário eleitoral da sexta-feira, a candidata do PT prometeu processar Veja, e prometeu investigar a corrupção na Petrobras "doa a quem doer". Na Justiça, o PT conseguiu proibir a editora Abril de veicular propagandas de sua capa, considerada "propaganda eleitoral", e também o direito de resposta diante da reportagem.

Na sexta-feira e no sábado, panfletos com a capa impressa de Veja foram distribuídos em várias cidades do Brasil. Na madrugada de sábado 25 para domingo 26 começou a circular o boato de que Youssef, internado em Curitiba, teria sido envenenado. A Polícia Federal e o hospital em que ele esteve desmentiram a informação, que circulou pelas redes sociais em uma velocidade impressionante, assustando a militância petista na reta final da votação e provocando um impacto que dificilmente poderá ser mensurado.
 
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Globo toca no assunto apenas no sábado, talvez por medo

NELSON DE SÁ DE SÃO PAULO Vinte e cinco anos depois, ao que parece, o debate na TV Globo foi novamente um dos pontos de inflexão na intenção de voto -quando o candidato do PT, antes Luiz Inácio Lula da Silva, agora Dilma Rousseff, parou de crescer, revertendo a tendência.
Segundo o Datafolha, 60% dos eleitores viram o programa na sexta (24), inclusive a pergunta inicial de Aécio Neves (PSDB) para Dilma, sobre a capa da revista "Veja" com a denúncia de que Lula e ela sabiam dos desvios na Petrobras.
Não que a Globo possa ser creditada, desta vez. Pelo contrário, a capa saiu via internet na noite da quinta (23), e a emissora atravessou a sexta, no telejornal da tarde e depois no "Jornal Nacional", sem tocar no assunto, olimpicamente.
O programa eleitoral de Dilma, no início da tarde de sexta, já havia levado ao ar uma resposta desproporcional -aliás, em contraste com o de Aécio, que só foi tocar na denúncia à noite e com relativa brevidade.
Apesar da descontrolada reação da propaganda petista e com os sites jornalísticos em peso abordando a denúncia, inclusive os mais favoráveis ao governo, para questioná-la, o "Jornal Nacional" se manteve irremovível.
O que mudou de vez o quadro, inclusive para a Globo e o "JN", foi o que aconteceu, não no debate, mas durante sua transmissão, com a pichação das paredes da Abril, que edita a revista, por um grupo de militantes.
E o tom da cobertura não poderia ter sido mais agressivo. A partir do telejornal da tarde de sábado, a maior rede do país -ainda que com uma fração da audiência que detinha em 1989, quando pôs no ar edição enviesada pró-Fernando Collor de debate com Lula- passou a ecoar a denúncia.
O que foi descrito como ataque à editora por um grupo "que apoia a reeleição de Dilma" serviu então de sustentação para reproduzir afinal a denúncia, tanto visualmente como em narração de uma repórter:
"Segundo a 'Veja', durante interrogatório na Polícia Federal, o doleiro Alberto Youssef, perguntado sobre o nível de comprometimento de autoridades no esquema de corrupção na Petrobras, afirmou que o Planalto sabia de tudo. 'Mas quem no Planalto?', perguntou o delegado. 'Lula e Dilma', respondeu."
Na escalada de manchetes do "JN", Patrícia Poeta leu, sobre imagens das pichações: "Depois da publicação de uma reportagem sobre corrupção na Petrobras, um grupo de 200 pessoas ataca o prédio da Editora Abril".
Mas a Globo mudou, e não só na audiência. A manchete evitou citar Dilma e, antes de chegar à denúncia da revista, mais para o final do telejornal, deu longas reportagens simpáticas à petista e ao tucano, do cotidiano de campanha.
E não, desta vez, como se tornou regra para a emissora devido à repercussão dos desvios de 1989, não houve edição do debate, nem no programa da tarde, nem no da noite, para evitar maiores transtornos. Sua palavra-guia na cobertura foi equilíbrio -ou talvez medo.

Obtido de: Folha de São Paulo: "Globo está com medo."

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Diretor da Globo critica análise de Nelson de Sá

Nelson de Sá, em sua "análise" intitulada Globo toca no assunto apenas no sábado, talvez por medo, mostra do que é capaz um jornalista movido por preconceitos. A Globo não tem medo de nada. Não faz política, faz jornalismo. A própria Folha reconheceu isso, por meio de outros articulistas, ao elogiar as entrevistas que a emissora fez com todos os candidatos: pelo equilíbrio e consistência delas e porque as perguntas eram as que tinham de ser feitas, sem que os entrevistadores deixassem que os candidatos tergiversassem. A Globo segue seus princípios editoriais disponíveis para leitura em todos os seus sites. No capítulo da isenção, letra "Z", diz claramente que só repercute denúncias de outros veículos se puder confirmá-las por meios próprios. Ou se outros fatos de grande impacto advierem delas. Foi o que aconteceu. Na sexta, não confirmou com suas fontes o sentido do que fora publicado por "Veja". E, por isso, não publicou o assunto. Da mesma forma, não confirmou a manchete da Folha de sábado, porque nossas fontes a classificaram de distorcida. Mas o ataque ao prédio da Editora Abril, um ataque à liberdade de imprensa, não poderia ser ignorado. E ao ser noticiado, era preciso explicar que ele fora motivado por uma reportagem, sem endossá-la. Isso foi feito em matéria equilibrada, como regem os nossos princípios. Ao confundir equilíbrio com medo, Nelson de Sá talvez se valha da própria experiência nos jornais em que trabalha ou trabalhou. Ou, quem sabe, ele confunda irresponsabilidade com desassombro. A Globo não se pauta pelo que acham dela. Mas pelos princípios do bom jornalismo. 
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domingo, 26 de outubro de 2014

A tirania do pensamento único

COLUNA

A tirania do pensamento único

O que vimos nos últimos meses foram candidatos surdos orquestrando seguidores intolerantes, que, imbuídos de fé messiânica, carregam a Verdade em estandartes

 Obtido de: A tirania do pensamento único

Quando domingo, no começo da noite, as urnas apontarem o nome de quem nos governará pelos próximos quatro anos, teremos chegado ao fim de um processo que demonstrou, de forma clara, quão débil é a nossa jovem democracia. Ganhe Dilma Rousseff, ganhe Aécio Neves, o novo presidente terá conquistado apenas metade do eleitorado brasileiro, ou seja, estará à frente de um país dividido por discursos maniqueístas, que colocaram de um lado “pobres”, de outro, “ricos”; de um lado “sul-sudeste”, de outro, “nordeste”; de um lado “esclarecidos”, de outro, “ignorantes”: reduzindo a vida da nação a uma luta de tribos que se odeiam.
Democracia é o regime que busca administrar os interesses divergentes da sociedade e, para isso, vale-se da negociação entre as partes. O que vimos, no entanto, nos últimos meses, foram candidatos surdos orquestrando seguidores intolerantes, que, imbuídos de fé messiânica, carregam a Verdade (com vê maiúsculo) em estandartes, transportando perigosamente para o campo da política procedimentos típicos de torcidas de futebol, ou, pior ainda, emulando simulacros de facções religiosas, que se alimentam de ódio e ressentimento. Nesse meio tempo, amizades foram desfeitas, amores chegaram ao fim, famílias se tornaram reféns do rancor.
O processo eleitoral deveria ser o momento em que os candidatos, representando os mais diversos segmentos da sociedade, expõem suas propostas de governo para convencer-nos a dar-lhes um voto de confiança. Embora tenhamos problemas gravíssimos a serem resolvidos, não houve ninguém que, objetivamente, tenha utilizado o espaço da propaganda eleitoral e o tempo dos debates para apresentar projetos que pudessem pelo menos minimizá-los. Assistimos a uma espécie de rinha de cachorros, que, açulados pelos donos, atacam-se com o objetivo de destruírem-se.

Nós, brasileiros, confundimos adversário com inimigo. Talvez possamos atribuir essa incompreensão à nossa história política, uma sucessão de golpes de estado e ditaduras totalitárias, que moldaram o caráter nacional. Por mais que desempenhemos no dia a dia um papel de homens e mulheres cordiais, somos na essência autoritários – basta que nossa opinião seja contrariada para deixarmos cair a máscara da nossa simpatia e vestirmos o uniforme da intransigência.
As eleições de 2014 marcam uma nova época na história brasileira, a era da tirania do pensamento único. Petistas e antipetistas manejam seus tacapes com objetivo de enfiar na cabeça dos adversários/inimigos suas próprias ideias, tomadas como singulares, autênticas e salvacionistas. Agem como fanáticos que, nos estádios de futebol, em nome da defesa de bandeiras e escudos, espancam os torcedores de outros times, ou que nos campos de batalha degolam os combatentes, em nome da religião. Em todos os casos, são manifestações fascistas de indivíduos que sozinhos não conseguem refletir e apenas acompanham a manada, seguindo o raciocínio binário de “quem não está comigo, está contra mim”.
Eu me recuso a participar dessa orgia de sectarismo. Tenho parentes e amigos que vão votar em Aécio Neves e tenho parentes e amigos que vão votar em Dilma Rousseff – e isso não os torna, nem uns nem outros, pessoas piores ou melhores, apenas demonstram que pensam de maneiras diferentes, por isso eu as respeito e estimo, porque são belas em sua complexidade. A verdadeira democracia é o exercício do diálogo visando à conciliação e não a imposição de opiniões calcadas em pretensas verdades irrefutáveis.

 

Por que nossa política é tão burra?

 Por que nossa política é tão burra?

O novato estava tão incomodado com o bate-boca no plenário da Câmara que o veterano foi consolá-lo. "Olha, Tiririca, eu entendo seu nervosismo", disse Bonifácio de Andrada (PSDB-MG), descendente do Patriarca da Independência, cuja família está na política nacional desde 1822. "É que você está acostumado com o circo. O circo é um ambiente de paz, harmonia, alegria. E de organização. Aqui é essa baderna, essa gritaria danada", disse o deputado de 83 anos e nove mandatos. Tiririca concorda. "Nos três primeiros meses, fiquei muito acuado. Mas vi que funcionava assim, e ponto", diz o segundo deputado mais votado da história, com 1,35 milhão de votos (atrás apenas do falecido Enéas). Mas, mesmo com tanta popularidade, Tiririca vai abandonar a política. Quando o Partido da República o convidou a ser candidato, sua mãe o convenceu a aceitar porque assim ele poderia "ajudar muita gente". "Só que não é assim. É interesse próprio, é interesse de partido, é interesse do governo." Na campanha, ele prometeu contar ao eleitor o que fazia um deputado federal. Hoje ele sabe. "É uma pessoa que trabalha muito e produz muito pouco."

Tiririca virou ícone da descrença na democracia brasileira. Da sua eleição ao anúncio de volta à vida circense, a mensagem é a mesma - "pior que está não fica". Mas será que as coisas vão tão mal assim? Comparado aos nossos colegas emergentes, somos até uma democracia admirável. Nossas eleições são livres. Nosso sistema de votação eletrônica, embora peque em transparência, é referência mundial. Nossa imprensa é independente, ao menos nas principais capitais. E temos três poderes bem divididos. Ok, a presidenta tem grande poder - como administrar um orçamento de R$ 2,3 trilhões e criar medidas provisórias com valor de Lei. Mas, para servir de freio a ela há 513 deputados e 81 senadores que estão lá representando o povo e seus Estados. Sem a aprovação deles, no Congresso, o Executivo não faz nada. No papel, é um modelo lindo. Só que na prática eu, você e a torcida de todos os times da pátria sabemos que a verdade não é bem por aí.

Tudo funcionaria bem, não fosse o fato de, em vez de um mandato, o Congresso receber carta branca de seus eleitores. Sim, deixamos nossos representantes fazerem o que quiserem com seus cargos. Passado um mês desde a eleição de 2010, um em cada cinco eleitores havia se esquecido em que parlamentar tinha votado, segundo pesquisa do Tribunal Superior Eleitoral. Já o Estudo Eleitoral Brasileiro, feito pela Unicamp, mostra que 70% esqueceram em 2010 em que deputado votaram quatro anos antes. Não é que o brasileiro não sinta que seus representantes o representem. Ele sequer sabe quem é o seu representante. E, sem isso, o congressista não tem controle. Faz o que quer.

Vamos às urnas a cada dois anos, mas no resto do tempo não participamos das escolhas feitas no bairro, na igreja, no trabalho e nos outros espaços que fazem parte da nossa vida. "A política virou um departamento à parte, dissociado da sociedade", diz o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ). "E o povo a vê como uma instância que não lhe diz respeito." O resultado é que dificilmente a carreira política atrai as pessoas mais capacitadas. Você tem algum amigo talentoso? Pois bem, provavelmente ele não quer ser político. Em geral, pessoas talentosas vão à universidade, escolhem uma profissão e vão brilhar muito em uma empresa ou em qualquer espaço onde lhes deem recompensas mais imediatas e palpáveis. A política é frustrante demais. Para entrar nela, é preciso atravessar a piscina de lama do financiamento eleitoral. Depois, é necessário lutar contra um grupo de pessoas que estão lá por motivos que não são exatamente "a formação de um país melhor". A quem então interessaria a profissão de suas excelências?

PIOR QUE O CONGRESSO, SÓ OS PARTIDOS
Porcentagem de avaliação boa ou ótima por instituição*

Igreja Católica - 68,5%
Rede Globo - 64,8%
Igreja Evangélica - 58,6%
Governo Federal - 49,9%
Grandes empresas - 47,5%
Congresso Nacional - 22,9%
Partidos Políticos - 19,4%

*Estudo Eleitoral Brasileiro, Centro de Opinião Pública, Unicamp, 2010



Bem-vindo ao zoológico

Poucos quilômetros passados desde o aeroporto Juscelino Kubitschek, chega-se a um trevo no qual uma placa indica: "zoológico". Parece piada, mas, se você seguir a indicação, chegará a Brasília. Como um zoológico, a capital federal é isolada do hábitat natural da maioria da população (a única região metropolitana a menos de 12 horas de ônibus é a de Goiânia). Ao mesmo tempo, também reúne num pequeno espaço uma fauna muito representativa da diversidade brasileira. Para garantir essa representatividade, os espécimes expostos passam por uma seleção que acontece a cada quatro anos: as eleições para deputado ou senador.

Em alguns países, como nos EUA, a eleição para a Câmara é como uma competição de 100 metros rasos - cada cadeira representa um distrito, disputado por alguns poucos candidatos próximos ao eleitor. Em outros países, como a Espanha, é como uma prova de equipe - vota-se num partido, que apresenta uma proposta política. Já no Brasil, temos uma ultramaratona. São milhares de candidatos disputando as cadeiras de um Estado inteiro, cada um correndo por si. Segundo o cientista político Barry Ames, da Universidade de Pittsburgh, esse nosso sistema dá espaço para quatro tipos de candidatos - e nenhum deles é aquele seu amigo talentoso. Vamos chamá-los de Líderes de Entidade, Burocratas, Caciques e Pastores.

Em regiões metropolitanas, quem tem mais chance são os Líderes de Entidades: sindicatos, federação de indústrias, associações de comerciantes e conselhos de profissionais. Essas entidades se organizam em torno dos interesses de sua categoria e lançam líderes para defendê-los em Brasília. Já em campanhas espalhadas pelo Estado, ganham uma vantagem tremenda os Burocratas, como os secretários de educação ou saúde. Eles são figuras que, por terem ocupado cargos estratégicos no Executivo, têm uma grande exposição para a população - e acabam lembrados na hora das urnas.

Agora, no eleitorado de municípios menores, quem ganha são os Caciques - geralmente, membros de famílias políticas tradicionais na região. Uma vez no poder, elas conseguem fortalecer sua influência alimentando seu curral eleitoral com verbas federais. E, por fim, há uma última possibilidade: juntar votos de algumas poucas pessoas que tenham algo em comum, mas que estejam espalhados por todo o Estado. A princípio, isso vale para qualquer minoria - vegetarianos, correntes ideológicas radicais, descendentes de imigrantes, LGBTs... Mas para se eleger é preciso mais do que uma identidade. É necessário ter líderes, uma estrutura de campanha e uma rede de seguidores. Hoje, quem tem isso mais bem organizado são os pastores de igrejas evangélicas.

Essa divisão tem um problema sério: o poder se torna um incentivo por si mesmo. Só será eleito quem já tiver poder. Afinal, como competir com um burocrata que tem a máquina pública a seu lado? Ou com um líder religioso que controla as almas de seu rebanho? Diante do moto-perpétuo político, não há espaço para pessoas com talento, nem para os interesses do cidadão comum. Assim, a política deixa de ser um lugar para a discussão de ideias ou para a construção de um país melhor - ela apenas serve para manter as antigas e duvidosas estruturas. Ou seja, melhorar a nossa vida não necessariamente está em debate por lá.

FAMÍLIA, FAMÍLIA
No Congresso, 92 deputados e 30 senadores são parentes de políticos tradicionais. O poder, afinal, circula nas veias.

SANGUE AZUL...
O deputado federal mineiro Bonifácio Andrada é do tempo do Império. Seu tio trisavô, José Bonifácio de Andrada e Silva, é o cara que convenceu o então príncipe regente Pedro a dizer ao povo que ficaria. Desde então a família Andrada contou com 15 deputados e senadores, oito ministros de Estado e dois do Supremo, além de governadores, prefeitos e vereadores. Como ele faz isso? "Semanalmente vou a Barbacena, onde fica minha família. Atendo o povo, faço reuniões políticas", diz. E a linhagem segue forte com seus filhos Toninho e Martim Francisco (PSDB), prefeitos de Barbacena, e o caçula Lafayette, deputado.


...OU VERMELHO
Alçada à política quando militava com as Comu-nidades Eclesiásticas de Base em comunidades carentes, a família Tatto conquistou sua base eleitoral na Capela do Socorro - uma região periférica de São Paulo cinco vezes mais populosa que Barbacena. Levando serviços para sua base e colhendo votos, a família tem hoje Jilmar Tatto (PT-SP) como secretário municipal de Transporte de São Paulo, Ênio Tatto (PT-SP), deputado estadual e Arselino e Jair como vereadores.


A corrida do ouro

Certo, sabemos o perfil de quem se elege. Mas, antes de começar a eleição do voto, o candidato precisa vencer uma outra: a eleição do dinheiro. Afinal, uma campanha é muito cara. Envolve gravações em estúdio, organização de comícios, aluguel de carros de som e escritórios em várias cidades. Quanto dá em média? Em 2010, cada deputado federal eleito arrecadou em média R$ 1,1 milhão. Isso legalmente. Já ilegalmente não dá para saber, pois a grana rola fora dos bancos, em maletas e cuecas.

Quais as diferenças entre a eleição do voto e a da grana? Bom, na primeira todo cidadão tem o mesmo valor: um único voto em um único candidato. Já a eleição da grana é desigual. Quanto mais rico o doador, mais ele pode doar - para pessoas físicas, até 10% dos seus rendimentos; para empresas, até 2%. Isso significa o óbvio. Por exemplo, em 2010, o ex-governador e um dos maiores produtores de soja do mundo Blairo Maggi (PR-MT) teve direito a votar com muito mais dinheiro do que você, leitor comum: R$ 779,8 mil do próprio bolso e R$ 435,5 mil do grupo empresarial que ele controla. Hoje é senador, integra a bancada ruralista e preside a Comissão de Meio Ambiente (apesar de ter recebido o nada honroso prêmio Motosserra de Ouro, do Greenpeace, concedido a quem mais destrói, justamente, o meio ambiente). Como é permitido doar a quantos candidatos quiser, a maioria dos grandes financiadores diversifica os donativos. Não quer vincular seu nome a um candidato específico? Basta dar a grana para um intermediário - o comitê partidário -, que depois a repassa para o candidato.

Em 2010, 91,3% do financiamento foi feito por empresas. Mas por que o setor privado doa tanto dinheiro para um político se reeleger? Desejo de fortalecer as instituições democráticas? Uhm, não exatamente. As empresas que mais doam são também as com maiores interesses no governo. Dos R$ 4,2 bilhões totais, R$ 400 milhões vieram de 14 construtoras - sim, aquelas que mais tarde terão contratos para realizar obras públicas. Outros R$ 155 milhões vieram de dez bancos privados, que dependem da política econômica do governo. Ao que tudo indica, as empresas não doam - elas investem.

Qual o impacto disso na política? O primeiro é um golpe na credibilidade. Por que você compra a SUPER? Provavelmente porque você confia nas informações aqui. Sim, os R$ 13 de cada exemplar são salgados, mas é o preço que permite à revista ser independente. Se, para escrever uma matéria, aceitássemos dinheiro de alguma parte interessada, o preço da revista poderia diminuir - só que você deixaria de confiar em nós. É o mesmo com a política. "Eu já recebi uma doação de uma cervejaria. Mas aqui no Senado comprei uma briga para proibir a publicidade de bebida. Os caras vieram falar comigo, me pressionaram. Não mudei de posição", diz o senador Cristovam Buarque (PDT-DF). "Mas duvido que voltem na próxima eleição, né?"

CORONÉIS ELETRÔNICOS
As famílias tradicionais podem ir além de seu reduto eleitoral com uma ajudona: a mídia. Ao menos 60 parlamentares são donos de meios de comunicação. Quem recebeu concessões de TV durante a ditadura e o governo Sarney se destaca.

Família Magalhães (BA):
* Rede Bahia, afiliada à Rede Globo
* Jornal "Correio"

Família Franco (SE)
* TV Sergipe, afiliada à Rede Globo
* "Jornal da Cidade"

Família Collor de Mello (AL)
* TV Gazeta, afiliada à Rede Globo
* Jornal "Gazeta de Alagoas"

Família Maia (RN)
* Rede Tropical de Comunicação, com emissoras afiliadas à Rede Globo e à Record

Família Sarney (MA)
* Rede Mirante, afiliada à Rede Globo
* Jornal "O Estado do Maranhão"

Família Barbalho (PA)
* Rede Brasil Amazônia de Televisão, afiliada à TV Band
* Jornal "Diário do Pará"


Em Brasília, 19 horas

"A figura do político está mais por baixo do que umbigo de cobra. Você vira um leproso quando é candidato. Chega a machucar", diz o deputado federal Guilherme Campos, líder do PSD na Câmara. E depois de eleito? "Aí, todo mundo é seu amigo." Portanto, aos eleitos, parabéns. Agora, o parlamentar receberá uma bela estrutura do Estado para exercer suas atividades. O salário é bom, mas não é de marajá. É próximo ao de diretores de empresa: R$ 26,7 mil. Depois, será sorteado seu gabinete. Se tiver sorte, ele irá para o anexo IV - um prédio com balcões de companhias aéreas no térreo, elevadores exclusivos parlamentares, gabinetes de 39 m2 e banheiro privativo. Se tiver azar, terá de se contentar com o anexo III - o "favelão". Então, receberá belos R$ 78 mil mensais para contratar a equipe de até 25 funcionários em seu gabinete. E, para cobrir gastos com combustível, avião, telefone e divulgação de suas atividades, há o "cotão" - uma ajuda de R$ 21 a R$ 44 mil. Somando tudo, temos o segundo parlamentar mais caro do mundo, depois do americano.

Mas o que ele consegue fazer com tudo isso? Se sua função fosse propor projetos de lei, a coisa iria bem: em 2012 foram apresentados 1.841 projetos. Só que, deles, apenas 13 foram aprovados (e desses, quatro foram originados no Congresso. QUATRO, sendo que um era para aumentar o salário dos servidores do Senado). Em parte isso acontece porque uma infinidade dos projetos é irrelevante - datas comemorativas e propostas estapafúrdias, como a penalização da heterofobia e a obrigatoriedade da plantação de uma árvore a cada criança nascida. "O mais frustrante no Congresso é a incapacidade de realizar aquilo que você promete na campanha", diz Fernando Gabeira (PV-RJ), que, depois de quatro mandatos de deputado federal, abandonou a Câmara para tentar a eleição a governador do Rio de Janeiro em 2010. "Já os grandes temas de porte nacional foram levados ao Tribunal de Justiça, como o aborto de anencéfalos, a união civil e a marcha da maconha".

AS TENTAÇÕES DO PODER
É tudo ladrão? Não. Mas veja como os parlamentares podem usar a política para tirar proveito próprio.

1. O TIRA-GOSTO
Cada parlamentar custa em média R$ 7,4 milhões por ano. Com a verba de gabinete, é comum contratar funcionários domésticos e retribuir cabos eleitorais e doadores de campanha. O senador Fernando Collor (PTB-AL), por exemplo, já chegou a pagar com verba de gabinete o jardineiro da Casa da Dinda e duas arquivistas do "Centro de Memória Fernando Collor". Já o "cotão" pode ser indevidamente usado para comprar jornalistas, pagar material de campanha e contratar empresas-fantasmas.

2. O LANCHINHO
Para continuar na vida política, os caciques regionais precisam manter seu curral eleitoral. Como? Com as "emendas parlamentares" - o direito de remanejar R$ 15 milhões do Orçamento Geral da União. Com elas, o parlamentar constrói creches, compra ambulâncias e fortalece alianças com prefeitos locais. Se quiser se reeleger ou disputar um cargo executivo, meio caminho andado. Mas tem mais. Essas emendas podem ir para entidades-fantasmas, contratos superfaturados, ONGs de amigos...

3. O PRATO COMERCIAL
Políticos podem propor e votar matérias de acordo com os interesses dos setores que os elegeram. Para isso, eles se organizam em Frentes Parlamen-tares - grandes bancadas suprapar-tidárias que defendem causas específicas, como ambiente e porte de armas. Mas há também os interesses de quem pagou a eleição. E é nesse momento que lobistas e financiadores de campanha recebem o retorno de seus investimentos. "Fiz um projeto para proibir embalar bebidas alcoólicas com garrafa PET", diz o deputado Alfredo Sirkis (PV-RJ). "Mas o projeto foi destroçado nas várias comissões em função de lobbies."

4. O BANQUETE
Para que um presidente consiga governar, ele precisa de apoio no Congresso. E o que o Planalto pode oferecer em troca são ministérios. O PMDB ficou com a Previdência, Minas e Energia e outros três. O PDT, com o Trabalho. PCdoB, com os Esportes. O PP, de Maluf, com as Cidades. E por aí vai. Para o governo, isso dói bastante, porque significa comprometer parte do programa de governo. Mas, se não quiser abrir mão, vai precisar utilizar mecanismos menos ortodoxos, como mensalidades em troca de votos. Como no Brasil temos 24 partidos na Câmara, sendo que o maior tem apenas 17% das cadeiras, há muito o que se negociar.


Chega de tanta burrice


Sim, algo deu errado. O que fazer, então? Sonhar com uma bomba no meio do Planalto Central, como pedem certas campanhas de Facebook? Derrubar tudo e começar de novo? Bom, a Rússia fez isso na Revolução de 1917, e a Alemanha também, em 1933. E, se você se lembrar da aula de História, nenhuma das duas tentativas terminou bem. Como disse Winston Churchill ao Parlamento inglês em 1947, "a democracia é a pior forma de governo - exceto todas as outras". Algumas reformas poderiam melhorar bastante a dinâmica da nossa democracia - ainda que não resolvam a raiz do problema. Há quase duas décadas, o Congresso tem prometido isso por meio de uma reforma política. Na prática, só entregaram duas mudanças: a emenda da reeleição, obtida sob denúncias de compra de votos, e a Lei da Ficha Limpa, votada sob a pressão de 1,3 milhão de assinaturas. "Muita gente fala que o sistema não funciona e que é preciso uma reforma. Mas essa reforma não é feita justamente porque deputados e senadores precisam votar nela. Por isso, ela acaba fracassada", diz Gabeira. O principal ponto dessa reforma política é a mudança do sistema eleitoral - aquele sistema maluco que transformou as eleições do Legislativo numa caríssima maratona.

Mas isso seria apenas o primeiro problema a ser resolvido na nossa política. O segundo, tão importante quanto, é a questão da grana. Como já vimos, as empresas têm imenso poder no nosso jogo político. Uma alternativa seria botar o Estado para financiar todo o processo. No financiamento público, pessoas físicas ou empresas não podem doar para nenhum candidato - apenas para um fundo público, que também receberia o dinheiro de impostos. Isso, em parte, já acontece. Em 2012, o horário eleitoral gratuito custou aos cofres públicos R$ 606 milhões em renúncia fiscal e R$ 286 milhões do fundo partidário (uma ajuda de custo a que partidos políticos têm direito). Mas o financiamento público traz alguns pontos importantes. Quanto será dinheiro suficiente e quanto será dinheiro demais? Por que um cidadão seria obrigado a dar o dinheiro de seus impostos para um partido com cujas ideias não concorda?

Foi pensando nessas questões que Lawrence Lessig, professor de direito em Harvard e cofundador do Creative Commons, teve uma ideia. Para ele, a grana do fundo público de campanha deveria virar um "vale-democracia". Digamos que cada eleitor tenha direito a um vale-democracia fixo de R$ 50, deduzido do imposto de renda. É um dinheiro que você iria gastar de qualquer jeito, mas que vai para as eleições, para o candidato da sua preferência. Se você quiser apoiar a campanha de alguém, é só dividir o vale-democracia entre quantos candidatos quiser. Se você não quiser fazer isso, o voucher vai direto ao partido ao qual você é afiliado. E, se você não for afiliado a nenhum partido, ele vai para financiar a Justiça Eleitoral.

O sistema não impede as doações privadas, desde que haja um limite do quanto se pode doar. Se você quiser dar uma ajuda extra a alguém, poderá contribuir com, no máximo, R$ 100 - seja você um estivador, seja você o Eike Batista. O resultado é que vai se dar bem na campanha quem tiver capacidade de mobilizar mais microdoadores (as pessoas), e não quem tiver relações com os grupos econômicos mais interessados em influenciar os rumos da política. Quem vai decidir isso serão muitos cidadãos - e não só algumas empresas. Ou seja, o interesse do povo pode entrar na pauta. Claro que essa ideia também tem seus problemas. Por exemplo, ela democratizaria apenas a superfície do financiamento eleitoral - o mundo das doações não-contabilizadas, os famosos caixa 2, seguiria existindo. E poderia até crescer.

A terceira reforma necessária já começou a valer. É a transparência. Desde maio de 2012, todos os órgãos públicos e privados que recebem dinheiro público são obrigados a fornecer quaisquer dados a qualquer pessoa que pedir - sem que ela precise explicar seus motivos (só não vale informação pessoal ou sigilosa.) Também precisam publicar na internet dados como o uso de recursos, editais de licitações, contratos e tantos outros documentos que revelem o andamento da administração. Assim, o Brasil colocou em prática o que já prometeu 23 anos antes em sua Constituição, e se tornou o 90º país a abrir seus dados públicos. Com uma vantagem - fez isso já numa era de democratização da internet e redes sociais.

Só que isso por si só não faz revolução. Dados amontoados não significam muita coisa. Para que eles se transformem em informação, é necessário que sejam interpretados. Ou seja, só servem para algo quando os seres humanos entram na jogada. E é nesse ponto que, finalmente, começamos a encontrar a verdadeira resposta para a embananação da democracia no Brasil: a participação popular. Corrupção, hegemonia de grupos econômicos nas decisões políticas, paroquialismo... Todos as burrices que vimos nas páginas anteriores são apenas reflexos de um único problema: a falta de participação popular na política.


A REGRA DO JOGO
Reformar o sistema eleitoral ajuda? Talvez. Mas qualquer alternativa tem seus problemas.

LISTA ABERTA
Eleitores votam nos candidatos, não nos partidos.
Prós:
- Qualquer pessoa com base eleitoral tem chance.
- Há grande espaço para minorias.
Contras:
- O excesso de candidaturas aumenta o custo de campanha.
- A campanha se foca no candidato, e partidos perdem importância.

EXEMPLOS: países escandinavos, Brasil.

LISTA FECHADA
Eleitores votam nos partidos, que já têm uma lista de candidatos pré-definida.
Prós:
- O foco da campanha são as ideias, não as personalidades.
- Partidos buscam representar vários grupos sociais.
Contras:
- Os candidatos se distanciam dos eleitores.
- Novas lideranças têm poucas chances.

EXEMPLOS: Portugal, Espanha, África do Sul.

VOTO DISTRITAL
Aqui, os Estados são divididos em distritos eleitorais (muito menores que Estados) e cada um pode eleger um candidato.
Prós:
- Candidato tem mais contato com o eleitor.
- O número de candidatos por distrito é limitado.
Contras:
- Interesses locais se sobrepõem aos nacionais.
- Minorias são enfraquecidas.
EXEMPLOS: EUA, Reino Unido, França.


Um sinal retumbante

Enquanto este texto era escrito, milhares de manifestantes se reuniam a menos de um quilômetro da redação da SUPER. Foi o 5º, e maior, protesto organizado pelo Movimento Passe Livre, que conseguiu baixar a tarifa de ônibus na cidade. Desde 13 de junho, quando a tropa de choque da Polícia Militar atacou manifestantes que gritavam "sem violência", o movimento ganhou apoio de pessoas que até então o criticavam pelo vandalismo de uma minoria. Manifestações se espalharam pelo Brasil e por algumas cidades europeias e americanas. Em São Paulo, diga-se, a manifestação contra os R$ 0,20 a mais ganhou como mote a frase ""não são só os R$ 0,20".

É que esse tipo de movimento, organizado em redes, sempre ganha vida própria, sem uma cartilha definida. Os protestos então, acabaram difusos - basicamente "contra tudo". Mas isso é o de menos. Essas manifestações, no fundo, foram algo muito maior: um sinal retumbante de que os cidadãos querem derrubar o muro entre sociedade e política.

Sinais mais silenciosos têm pipocado também, numa velocidade crescente. Um exemplo surgiu em Maringá, Paraná. Durante os anos 90, mais de R$ 100 milhões foram desviados da prefeitura. Quando a mutreta foi descoberta, em 2000, a revolta foi enorme. Mas, em vez de ficar reclamando, a sociedade civil decidiu reagir. Primeiro, lideranças se reuniram e fundaram a Sociedade Eticamente Responsável (SER), em 2004. No ano seguinte, o novo prefeito, Silvio Barros (PP), abriu os dados da prefeitura num portal de transparência na internet. Então, para escrutinar esses dados, o SER formou em 2006 o Observatório Social de Maringá. Sua função era basicamente dar treinamento para que qualquer cidadão sem filiação a partido político monitorasse voluntariamente o uso de dinheiro público do município. Professores, aposentados, estudantes, advogados. Não importa. Em vez de perder tempo compartilhando posts raivosos ou comentando matérias no Facebook, os voluntários puderam usar sua indignação analisando se editais de licitação não eram viciados, divulgando-os para o maior número de empresas possível, fiscalizando os preços, as quantidades e a qualidade dos produtos e serviços licitados, e acompanhando sua entrega. Deu tão certo que, em 2009, o Observatório Social de Maringá venceu um concurso em Inovação Social da ONU para América Latina e Caribe. E a ideia se espalhou para mais de 60 municípios pelo Brasil.
Teste: Que tipo de político representa você?

Open bar da democracia

Outro exemplo vem da Índia. Na maior democracia do mundo, a corrupção generalizada impede que dinheiro do governo chegue à também maior população de miseráveis do mundo. O que a organização MKSS começou a fazer em 1994 no paupérrimo e semidesértico Estado do Rajastão? Pegou cópias dos orçamentos dos panchayats (as assembleias de aldeia, base do sistema político indiano) e começou a lê-los em público para a população - assim todo mundo podia ver o quanto de dinheiro público deixava de chegar a eles. Como o governo se recusava a liberar documentos, a MKSS integrou um movimento por uma lei de acesso à informação - que foi aprovada para o território indiano em 2005, sete anos antes do Brasil.

Esse tipo de auditoria participativa serve de controle do uso do dinheiro público. É bastante, mas a população engajada pode ir além, se quiser. Não só controlar, mas decidir com o que o dinheiro público vai ser usado. Os primórdios dessa ideia surgiram ainda em 1989 em Porto Alegre. Era o Orçamento Participativo. Nele, a população ia a assembleias para definir as prioridades dos gastos do município. Desde então, a ideia se espalhou pelo mundo. Isso, claro, surgiu numa época em que pessoas precisavam ir à prefeitura até para pegar uma segunda via do IPTU.

Hoje, as redes sociais ampliam drasticamente o nível de participação. O passo mais tímido é botar em votação na internet quais obras pré-selecionadas devem ser realizadas - caso do Orçamento Participativo Digital de Belo Horizonte, iniciado em 2007. Mas ferramentas de crowdsourcing podem levar isso muito mais adiante - e bem mais próximo de você.

Quer que a prefeitura resolva a tampa de bueiro aberta? A lâmpada queimada? Revitalize o canto ermo onde você foi assaltado? Ferramentas como o FixMyStreet, do Reino Unido, e o SeeClickFix, dos EUA, permitem que qualquer cidadão identifique num mapa problemas nos serviços públicos. É o crowdmapping (mapa colaborativo). A prefeitura pode então pegar esses relatos, encaminhá-los para os órgãos certos e, quando resolvidos, mudar o status do post para "fechado". A curto prazo, o cidadão ajuda a administração a saber onde agir pontualmente. A longo prazo, é possível constatar padrões em que os problemas aparecem - e, uma vez conhecendo o padrão, dá para traçar planos para resolver o problema antes mesmo que ele aconteça.

Isso abre espaço para o passo seguinte: usar ferramentas de redes sociais para a democracia direta. Algo parecido com isso aconteceu na Islândia. Em 2008, a economia do país desabou - e a descrença na política se tornou tamanha que levou algum engraçadinho a colocar o país à venda no eBay. Dos escombros, os islandeses decidiram criar uma nova Constituição - escrita não por políticos profissionais, mas pelo próprio povo.

Primeiro, reuniram mil cidadãos estatisticamente representativos da diversidade regional e demográfica do país para fazer um brainstorming sobre o que o país queria ser (pausa para imaginar as ideias esdrúxulas que saíram). Então, elegeram 25 cidadãos para redigir um rascunho da Constituição. As conclusões foram publicadas online para que qualquer cidadão pudesse comentar o texto - foram 3,6 mil comentários e 370 sugestões. Depois de referendado, o texto acabou aprovado por 2/3 dos eleitores.

Isso, claro, só é possível porque a Islândia tem um alto nível de escolaridade, uma pequena população (menos da metade do Acre) e uma enorme vontade de mudar o país. E, infelizmente, a democracia direta apenas funciona em casos isolados. Caso contrário, corre-se o risco de tomar decisões baseadas no calor do momento e contra a vontade de minorias. "Tenho 328 mil seguidores no Twitter, mas não posso escrever `digam as leis que vocês querem¿. Cada um desses 328 mil só vai pensar em si mesmo", diz Cristovam Buarque.

Mas a democracia direta pode também ser usada a favor da democracia representativa, que pouco mudou desde o século 19. Ferramentas em rede podem servir de meio de diálogo e pressão contínuo entre a população e seus representantes. Os primeiros passos já foram dados. Um deles são as petições online. Neste ano, por exemplo, o Congresso brasileiro recebeu mais de 1,6 milhão de assinaturas eletrônicas por meio do Avaaz contra a posse de Renan Calheiros na presidência do Senado. Como o regimento da Casa não reconhece esse tipo de documento, nada foi feito. Mas a pressão chegou lá. Se esse tipo de ação continuar a ser ignorado, a legitimidade desses parlamentares será (ainda mais) deteriorada. Outro passo é o surgimento em vários países de partidos que fazem crowdsourcing de suas plataformas políticas - como o Partido Pirata, presente em 28 países, inclusive com dois assentos no Parlamento Europeu e mais de 40 em assembleias estaduais da Alemanha.

As ações feitas com as novas ferramentas tecnológicas podem ser desdenhadas, chamadas de "democracia do sofá". De fato, elas levantam mais bandeiras contra do que a favor de algo. Também são mais influenciadas por comoções do que pelo debate racional. Por fim, tendem a se desmobilizar tão logo o assunto perde o frescor. Mas a tecnologia traz algo que a velha política não permitia: a troca imediata entre o poder público e a população. Se corrupção e crise de representatividade não passam de sintomas de uma doença maior - o distanciamento entre eleitor e eleito -, as redes sociais podem agir direto na raiz do problema. Elas levam a política para a vida das pessoas, em vez de limitar a participação às eleições. E permitem agir em espaços que vão da rua até o Congresso. E se o sofá não bastar? Então, as redes sociais podem mostrar o seu lado explosivo: a mobilização para protestar nas ruas. O mundo árabe descobriu isso. O movimento Occupy Wall Street descobriu isso. A Turquia descobriu isso. E o Brasil também. Bem-vindo ao futuro da democracia.

Cinco iniciativas para renovar a democracia - de baixo para cima

GOVERNO ELETRÔNICO
Para que as ferramentas do governo eletrônico saiam do mundo das ideias e vão para as entranhas do governo, os EUA criaram uma bolsa anual para programadores trabalharem em prefeituras - o "Code for America". Assim, as pessoas que mais sabem programar podem ajudar a transformar prefeituras em órgãos mais transparentes, eficientes e abertos para a participação de seus cidadãos.

PETIÇÃO ALÉM DA INTERNET
Enquanto o nosso Congresso não faz ideia do que fazer com petições do "Avaaz", alguns países usam as votações para criar políticas públicas. No "We the People", da Casa Branca, qualquer cidadão pode abrir uma petição, que terá uma resposta se receber mais de 100 mil assinaturas. Na Finlândia, o Parlamento é obrigado a discutir toda petição que reunir ao menos 50 mil assinaturas.

MAPAS POLÍTICOS
Tudo começou com a eclosão de violência política no Quênia após as eleições fraudulentas de 2007. Um grupo de blogueiros e desenvolvedores criaram o Ushahidi, um site no qual pessoas poderiam apontar casos de violência em um mapa online ou por mensagem de texto. Desde então, a plataforma de cartografia colabo-rativa foi usada para monitorar casos de corrupção e eleições em todo mundo.

PLANEJAMENTO TERCEIRIZADO
Oito anos de poder é pouco para organizar políticas de longo prazo, como o plane-jamento urbano. Por isso, algumas cidades atribuíram esse tipo de discussões a institutos fora da prefeitura. Neles dialogam três grupos que normalmente se odeiam - academia, sociedade civil e iniciativa privada. O primeiro caso no Brasil surgiu em 1973, em Curitiba, o Insti-tuto de Pesquisa e Planejamento Urbano.

OPINIÃO PÚBLICA - E INFORMADA
Uma das ferramentas mais importantes para criar políticas públicas são pesquisas de opinião. Mas essas pesquisas podem mostrar mais a desinformação da sociedade do que sua opinião. Uma alternativa para isso é o "deliberative polling", modelo desenvolvido por James Fishkin, da Universidade Stanford. Nele, são selecionadas pessoas que representem estatisticamente uma população. Elas recebem relatórios equilibrados sobre um assunto a ser deliberado e, depois, se dividem em pequenos grupos de discussão, que debate sob a ajuda de um mediador profissional. Então, são novamente convocadas para emitir sua opinião em relação ao assunto. A ideia é que isso representaria a opinião de toda a população, se fosse possível deixá-la tão bem informada quanto esse grupo.


Para saber mais

Os Entraves da Democracia no Brasil
Barry Ames, Editora FGV, 2003

Republic, Lost: How Money Corrupts Congress
Lawrence Lessig, Twelve, 2012

Obtido de: Por que a nossa política é tão burra