Por razões 'obscuras', a imprensa de São Paulo e do Rio (o famoso PIG-Partido da Imprensa Golpista) não estampa mais grandes manchetes na primeira página sobre a operação Lava Jato. Sobrou para a imprensa estrangeira e a imprensa nacional de 'esquerda' cobrir a operação. O que ocorre com o PIG? Tem gente 'deles' envolvida na trambicagem? A prisão do empresariado corruptor chocou a fina flor do empresariado da PIG?
Outra reportagem da 'Carta Capital', listando outras obras na planilha de Youssef:
Outra reportagem da 'Carta Capital', listando outras obras na planilha de Youssef:
- Itaquerão
- Sede Petrobrás de Santos
- Monotrilho de Vila Prudente
- Rodoanel Trecho Sul
Política
Operação Lava Jato
A planilha de Youssef
Os 750 projetos Brasil afora sob a influência do doleiro preso na operação Lava Jato
por Fabio Serapião
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publicado
03/12/2014 06:24
Obras presentes na planilha do doleiro Youssef
Reportagem de capa da edição 828 de CartaCapital
Na busca e apreensão realizada na casa de Alberto
Youssef durante a primeira fase da Operação Lava Jato, em 17 de março, a
Polícia Federal encontrou um documento cujo conteúdo demonstra que a
atuação do doleiro extrapola os limites da Petrobras e estende seus
tentáculos sobre outras estatais federais, órgãos públicos estaduais,
prefeituras e empresas privadas. Apreendida em meio a relógios e canetas
importados, a planilha de 34 páginas, à qual CartaCapital
teve acesso, traz um relatório de 747 projetos vinculados a clientes
diretos, no caso as construtoras, e relacionados a um cliente final, na
maioria empresas públicas e algumas privadas.
“Assim, é claro o envolvimento de Youssef
e seu grupo com grandes empreiteiras, e, através da planilha
apreendida, pode-se deduzir que o doleiro tinha interesse especial nos
contratos dessas empresas, onde de alguma forma atuava na
intermediação”, observam os policiais federais. Somadas, as obras
datadas do período entre 2008 e 2012, alcançam a cifra de 11,5 bilhões
de reais e sugerem uma explicação para o fato de a força-tarefa
envolvida nas investigações afirmar que a organização criminosa “abrange
uma estrutura criminosa que assola o País de Norte a Sul”. Chama
atenção a disciplina e organização do doleiro ao produzir o relatório.
Nele, cada obra é seguida do telefone fixo e celular do contato na
empresa, informações detalhadas sobre o projeto, como espessura e tipo
de materiais a serem utilizados, data e valor.
No caso dos projetos listados na planilha, segundo a
PF, o doleiro utilizava a empresa Sanko-Sider para fechar contratos com
centenas de construtoras e abocanhar obras em órgãos públicos em todas
as regiões do Brasil. Sobre a relação encontrada com Youssef, suas
empresas de fachada, incluídas a MO Consultoria e a GDF Investimentos, e
a Sanko, os investigadores da força-tarefa da Lava Jato observam que
foram “construídas” centenas de contratos fictícios para justificar a
saída de recursos das grandes empreiteiras em direção ao sistema
financeiro paralelo mantido pela organização criminosa. No entendimento
das autoridades, essa não era a única forma de operação do grupo
liderado pelo doleiro. Os outros dois seriam a “entrega física de
numerário” direto pelas construtoras para posterior “distribuição” de
Youssef e o pagamento no exterior em offshore como a
Santa Tereza Services. Agora, o desafio dos investigadores é descobrir
se, no caso dos projetos citados na planilha, assim como ocorreu na
Petrobras, houve pagamento de propina a agentes públicos. Essa busca
tende a resultar em uma avalanche de inquéritos capazes de desnudar o
maior esquema de desvio de dinheiro público da história.
Das obras citadas na lista, nem todas
foram conquistadas pela clientela de Youssef. A planilha indica, no
entanto, a abrangência de seus negócios. Ao menos 59% dos projetos
citados envolvem como cliente final a Petrobras. Aparecem no documento o
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), seis refinarias, uma
fábrica de amônia em Uberaba (MG), uma plataforma de petróleo, a
Petrobras Netherlands, a sede administrativa em Santos, a Transpetro.
Consta no documento até a obra para remoção de dutos no terreno em
Itaquera, na capital paulista, onde foi construído o estádio do
Corinthians, palco da abertura da Copa do Mundo.
Além da petroquímica, os projetos
listados têm como clientes diretos companhias paulistas como Sabesp e o
Metrô e estatais de saneamento de Minas Gerais (Copasa), Maranhão
(Caema), Alagoas (Casal), Ceará (Cagece), Rio de Janeiro (Cedae), Goiás
(Saneago), Diadema (Saned). Do Nordeste, aparecem o Departamento
Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), ligado ao Ministério da
Integração Nacional, e o Porto de Suape, empreendimento do governo de
Pernambuco. Entre as empresas privadas, destacam-se a Vale, a Fiat e
empresas do Grupo X de Eike Batista. Surgem ainda no documento projetos
em países como Angola, Uruguai e Argentina.
Além das construtoras citadas na fase
Juízo Final da operação, integram a coluna da planilha destinada aos
clientes diretos cerca de cem empresas. Entre elas, a Delta Engenharia, o
Grupo Schahin, a IHS Engenharia, a Potencial Engenharia e a CR Almeida.
Empresas públicas que figuram como clientes diretos, a exemplo das
companhias de gás de Bahia (Bahiagás), Ceará (Cegás), Mato Grosso do Sul
(MSGás), Paraíba (PBGás) e Sergipe (Sergas), têm negócios
detalhadamente organizados no documento.
Um dos alvos do doleiro eram as obras contra a seca
no Nordeste, em especial as administradas pelo Dnocs. O órgão é ligado
ao Ministério da Integração Nacional, que durante o período abarcado na
planilha era comandado pelo ministro Fernando Bezerra Coelho. Nas
interceptações telefônica da Lava Jato, o irmão do ex-ministro e
ex-presidente da Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco e
do Parnaíba, a Codevasf, Clementino de Souza Coelho, surge a pedir
dinheiro ao doleiro. Ao menos duas obras envolvem contratos com a Galvão
Engenharia e a Camargo Corrêa, ambas investigadas por formação de
cartel na Petrobras. A obra da Camargo Corrêa, de 9,4 milhões de reais,
traz a anotação “adutora Guadalupe”. É uma referência ao Perímetro
Irrigado Platôs de Guadalupe, realizado pelo Dnocs com recursos do
Programa de Aceleração do Crescimento. O projeto da Galvão tem o valor
de 42,9 milhões de reais e é acompanhado da citação “sistema adutor do
agreste”, referência a um projeto inaugurado pelo governo alagoano em
agosto e que beneficia 400 mil habitantes de dez municípios. Nos dois
casos, as construtoras citadas de fato participaram de parte das obras.
Uma proposta de contrato ainda maior, de 141 milhões de reais, está ao
lado da citação da Construtora Passarelli como cliente direto para a
“implantação da 1ª e 2ª etapas do Sistema Adutora Gavião Pecém”. O
sistema é, na realidade, a interligação do sistema de reservatórios de
água da região metropolitana de Fortaleza ao Complexo Portuário e
Industrial Gavião Pecém.
Como na Petrobras, cujas obras com participação do
doleiro apresentaram problemas de superfaturamento e atraso na entrega,
alguns dos projetos relacionados ao relatório encontrado na casa do
doleiro deixaram rastros da falta de zelo com o dinheiro público. No
Maranhão, onde o doleiro foi preso em março, uma auditoria do Tribunal
de Contas da União apontou irregularidades na obra realizada pela
companhia de saneamento estadual para remanejamento da adutora de água
tratada, no trecho do Campo de Perizes. Segundo os fiscais, o maior dos
desvios ocorreu na licitação vencida pelo consórcio formado pela EIT
Construções e Edeconsil. Na planilha apreendida, o consórcio aparece em
dois momentos como cliente de Youssef e atrelado a um contrato de 58
milhões de reais.
Outro caso parecido é o trecho do
monotrilho entre a estação Oratório e Vila Prudente, na capital
paulista, integrante da linha 15-Prata do Metrô. No documento
apreendido, a Construtora OAS, consorciada com a Queiroz Galvão e a
canadense Bombardier, seria o cliente do doleiro em um contrato de cerca
de 8 milhões de reais. Prometida pelo governador Geraldo Alckmin para
janeiro deste ano, o monotrilho ainda não entrou em operação. O
presidente da OAS, José Aldemário Pinheiro Filho, o vice-presidente do
setor Internacional, Agenor Medeiros, e mais três dirigentes foram
presos pela PF. Na planilha aparecem ainda outros projetos de estatais
paulistas, a começar por duas adutoras da Sabesp e obras no trecho Sul
do Rodoanel. No caso da construção do anel rodoviário, em 2009, o TCU
havia apontado ao menos 79 irregularidades graves, inclusive sobrepreço.
Na planilha do doleiro, a menção ao Rodoanel precede a inscrição do
valor de 1,5 milhão de reais. No caso da construção do estádio do
Corinthians, o cliente de Youssef seria a Sacs Construção e Comércio,
responsável por remanejar a tubulação da Petrobras sob o terreno. A
retirada dos tubos foi um dos motivos do atraso na entrega do
estádio-sede da Copa do Mundo. Na página 19, o projeto está orçado em
1,3 milhão de reais e tem como cliente final a estatal, mas no site da
Sacs, a empresa informa que o clube arcaria com as despesas.
Além do estádio, a Petrobras e suas
subsidiárias aparecem como cliente final em cerca de 400 projetos
exibidos na planilha. Os investimentos vão muito além da Refinaria Abreu
e Lima, alvo de inquéritos e processos da Lava Jato. Destacam-se os
apontamentos sobre projetos da empresa Iesa Óleo & Gás, cujo diretor
Otto Garrido Sparenberg foi preso na Juízo Final. A citação à Iesa está
relacionada a um contrato de 10,5 milhões de reais para obras na
Unidade de Fertilizantes Nitrogenados V, localizada na cidade mineira de
Uberaba. Aparece também na listagem do doleiro a citação a um contrato
com a empreiteira Construcap referente à construção da sede da Petrobras
na cidade de Santos. A construtora confirma ter mantido contratos com a
Sanko, embora afirme processar a empresa por problemas na entrega de
tubulações adquiridas no passado. Sobre o engenheiro apontado citado na
planilha, a empresa diz não empregá-lo atualmente.
Outra companhia a aparecer na lista é a Logum
Logística. Resultado de composição acionária entre a Petrobras,
Odebrecht, Camargo Corrêa e outras três empresas, a Logum foi criada, em
2011, para construir e operar o Sistema Logístico do Etanol. Embora
acionistas, a Camargo Corrêa e a Odebrecht formam o Consórcio Etanol que
venceu uma licitação de 900 milhões da própria Logum para as obras do
primeiro trecho do etanolduto, entre as cidades de Paulínia e Ribeirão
Preto, em São Paulo. Na planilha, o consórcio é citado como cliente
direto de Youssef em ao menos dois contratos que chegam a 140 milhões de
reais. Além dos dutos para o escoamento da produção de etanol, a Logum é
responsável pela construção dos terminais para carregamento das
barcaças de transporte do combustível pela hidrovia Tietê-Paraná. Como
revelou CartaCapital na edição 819, de 1º de
outubro, por conta de possível direcionamento na licitação de 239
milhões de dólares, o Ministério Público pediu o afastamento do
presidente da Transpetro, Sergio Machado. O executivo foi citado na
delação de Paulo Roberto Costa por ter entregado a ele 500 mil reais.
Atualmente está afastado do cargo.
Em depoimento à CPI da Petrobras na quinta-feira 27,
o dono da Sanko, Marcio Andrade Bonilho, confirmou ter repassado ao
menos 33 milhões de reais ao doleiro pelos serviços de intermediação de
grandes contratos com construtoras. Segundo o empresário, os repasses
eram comissões de 3% a 15% pagas por serviços que foram prestados
integralmente. “Era dito no setor que ele tinha tráfego bom junto às
construtoras.” As empresas citadas na reportagem negam qualquer tipo de
relação com Youssef e afirmam estar à disposição da Justiça para
qualquer esclarecimento sobre as citações na lista apreendida na casa do
doleiro. O Metrô de São Paulo e a Secretaria de Transportes do
Estado, responsáveis pelo Monotrilho e o Rodoanel, respectivamente,
enviaram nota na qual afirmam que a reportagem tira conclusões
precipitadas baseadas em um documento do inquérito da Lava Jaro. Segundo
as empresas, nenhuma das obras citadas contratou ou subcontratou os
serviços da Sanko Sider.
O relatório de projetos apreendido pela
PF demonstra como o doleiro era capaz de negociar com estatais
comandadas por políticos das mais diversas cores partidárias.
Apadrinhado do ex-deputado José Janene, falecido em 2010 e a quem deve a
abertura das portas em Brasília e nos partidos políticos, conseguiu
aliar sua capacidade de arquitetar engrenagens financeiras paralelas
para dificultar o rastreamento do dinheiro pelas autoridades à astúcia
na tarefa de corromper agentes públicos. A expertise nascida dessas
qualidades transformou o antigo operador de câmbio preso no caso
Banestado em um dos maiores lobistas do Brasil, capaz de complicar a
vida de grande parte da República. Caso estejam dispostas a mapear a
ação do doleiro, o primeiro passo sugerido às autoridades da Lava Jato é
instaurar um inquérito para cada obra citada na planilha. Quem sabe
assim o País terá pela primeira vez um panorama da corrupção e suas
engrenagens em todas as esferas de poder.