segunda-feira, 28 de julho de 2014

Plano Diretor: São Paulo desenha seu futuro até 2030

São Paulo desenha seu futuro até 2030

O novo Plano Diretor quer uma cidade mais compacta, com prédios mais altos e que cresce ao redor do sistema de transporte público. A votação, permeada de polêmicas, chegou ao fim

Vista aérea de São Paulo. / Bosco Martín


Uma São Paulo mais compacta, onde as pessoas vivam mais próximas de seus trabalhos e mais perto do transporte público, que tenha mais áreas verdes e uma maior quantidade de moradias populares destinadas aos que não conseguem pagar os aluguéis cada vez mais abusivos cobrados na cidade. Assim será a capital paulista em 16 anos, de acordo com as diretrizes do novo Plano Diretor, recém aprovado pelos vereadores, após nove meses de discussões.
A nova legislação definirá como São Paulo poderá se desenvolver nos próximos anos. Contempla itens como: quais áreas da cidade poderão ganhar quais tipos de construções, quais as alturas máximas dos prédios, quantas vagas de garagem cada apartamento terá, onde estarão as áreas verdes e qual o limite de crescimento da cidade.
O Plano Diretor, enviado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) à Câmara Municipal em 26 de setembro de 2013, foi alvo de uma votação bastante tumultuada. Sob a pressão do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), cujos integrantes permaneceram acampados na entrada da câmara desde a última terça-feira, os vereadores votaram o projeto em sessões extraordinárias. Só na última quinta-feira, foram apresentadas 117 novas emendas e quatro projetos substitutivos para tentar inserir ou corrigir alguns dos itens, o que despertou críticas de alguns vereadores sobre o pouco tempo para a discussão dos novos pedidos. Na sexta, sete comissões da casa tiveram que se reunir às pressas para discutir as emendas e os substitutivos e uma audiência pública relâmpago foi realizada à tarde. No final do dia, após uma discussão acirrada entre dois parlamentares, a votação foi adiada novamente. Com quase 400 artigos e mais de 160 páginas, o plano acabou aprovado pela maioria dos vereadores na segunda-feira, sob gritos de comemoração de integrantes do MTST, que conseguiram regularizar três de seus terrenos ocupados na cidade.
O projeto aponta linhas gerais para a cidade. Agora, em 180 dias, os vereadores têm que aprovar os planos para cada um dos distritos de São Paulo pela Lei de Ocupação e Uso do Solo.
A seguir, veja quais são os principais pontos do projeto aprovado nesta segunda-feira pela maioria dos vereadores (44 dos 55) de São Paulo.

1. Uma cidade compacta

Com quase 1.600 quilômetros quadrados de extensão (sete vezes o tamanho de Buenos Aires) e cerca de 11 milhões de habitantes, São Paulo se espalha cada vez mais para sua periferia, cercada, ainda, por faixas de matas nativas e mananciais. O Plano Diretor introduziu o modelo de cidade compacta, que pretende incentivar o crescimento urbano nas áreas próximas a uma rede de transporte coletivo já consolidada ou que ainda será inaugurada, ou seja, nas áreas mais centrais, o que evita que São Paulo continue a se desenvolver na região de preservação. Como isso é feito? Permitindo a construção de prédios maiores (com uma área construída até quatro vezes maior que a área do terreno e sem limite de altura) no entorno das linhas de metrô, trem e corredores de ônibus. A ideia é aumentar a quantidade de pessoas vivendo nessas regiões e incentivar o uso do transporte público –esses prédios poderão ter apartamentos de até 80 metros quadrados e só uma vaga na garagem.
Mapa mostra área (verde) onde não será estimulado o crescimento e a cinza, que deve concentrar o adensamento.
Essa questão é uma das mais polêmicas do plano. Alguns urbanistas e vereadores da oposição argumentam que isso poderá saturar as já superlotadas linhas de transporte público e que pode descaracterizar regiões como as ruas do entorno da Vila Madalena, que, atualmente, só têm casas.
Os parlamentares governistas, entretanto, dizem que regulações posteriores, feitas pela Lei de Ocupação e Uso do Solo, vão determinar as questões específicas de cada bairro. Assim, é possível que não se permita a construção de prédios altos em determinada rua, por exemplo. Além disso, está prevista a ampliação da rede de transportes da cidade.
Por outro lado, enquanto perto dos eixos de transporte os prédios serão mais altos, nos miolos dos bairros os novos prédios só poderão ter até oito andares, menos nos locais onde 50% dos imóveis já ultrapasse essa altura.

2. Quem constrói mais, paga mais

O novo plano determina que o coeficiente básico de aproveitamento da cidade agora passa a ser 1. Ou seja: se uma pessoa tem um terreno de 100 metros quadrados, ela só poderá construir nessa área um imóvel de, no máximo 100 metros quadrados. Se ela quiser construir acima disso (prédios com muitos andares geralmente têm área construída bem maior do que a do terreno), terá que pagar uma taxa para a Prefeitura, chamada de outorga onerosa. Esse dinheiro vai para o Fundo de Desenvolvimento Urbano (Fundurb), que será revertido para a construção de casas populares. A estimativa é que somente essa medida arrecade meio bilhão de reais por ano. O modelo, entretanto, pode elevar o preço dos imóveis na cidade, já que as construtoras deverão repassar o valor da outorga para os compradores, argumentam alguns vereadores.
Outra mudança é que para implementar grandes projetos urbanísticos, as construtoras terão que financiar a construção de habitações para a população mais pobre. O plano prevê as chamadas cotas de solidariedade, que obriga construções com 20.000 metros quadrados ou mais destinem 10% dessa área para implantação de moradias para famílias com renda de até seis salários mínimos no próprio terreno ou em terreno na mesma região. Ou doem um valor referente a 10% da área para o Fundurb, para que a Prefeitura construa esses imóveis.

3. Mais casas populares

O plano urbanístico não previu apenas mecanismos de arrecadação de dinheiro para as moradias de baixa renda. Ele também aumentou o número de áreas onde só poderão ser construídas habitações populares em 117%, são as chamadas ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social). Além disso, destina 60% dessas áreas para famílias que recebem até três salários mínimos. Uma crítica feita a medida, entretanto, é que a maioria das áreas reservadas fica na periferia, enquanto existem quatro milhões de metros quadrados de áreas ociosas em apartamentos abandonados no centro, de acordo com o vereador Police Neto, que apresentou um projeto de lei para reverter essas áreas centrais para a população de baixa renda, o que também foi aprovado.
O projeto obriga ainda que 30% das verbas do Fundurb sejam destinadas para a aquisição de moradias populares.

4. Uma cidade mais verde

Serão criadas mais áreas verdes, garantidas em ZEPAMS (Zonas Especiais de Proteção Ambiental), que também criarão mais 164 parques em diversas regiões da cidade, mais que o dobro dos 105 atuais, que somarão 82 quilômetros quadrados. Os proprietários de terrenos que por ventura estiverem dentro dessas ZEPAMS serão remunerados pela Prefeitura por preservarem as áreas verdes, muitas remanescentes de Mata Atlântica.
Também será criado um Fundo Municipal dos Parques, que servirá para criar essas novas áreas verdes. Ele também permitirá um financiamento coletivo de empresas e cidadãos e, a cada um real doado, a Prefeitura fica obrigada a destinar o mesmo valor para o fundo.
Além disso, há a criação de áreas que serão denominadas Zonas Rurais, o equivalente a 25% da cidade, onde o adensamento fica mais restrito e onde serão adotadas medidas por parte da Prefeitura para incentivar a agricultura familiar.

5. Carro não é prioridade

Em consonância com a ampliação de corredores exclusivos para ônibus, o plano prevê que 30% do Fundurb seja destinado obrigatoriamente para o investimento em mobilidade, incluindo transporte coletivo, ciclovias e a locomoção de pedestres. Além disso, nos eixos de transporte público, as calçadas terão que ser mais largas, com cinco metros. Também será criado o sistema de transporte hidroviário na cidade, para ligar o extremo sul ao centro da cidade mais rapidamente, por meio de barcos na represa Guarapiranga –hoje, moradores dessas áreas depois da represa chegam a demorar até duas horas para chegar à região central.
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http://brasil.elpais.com/brasil/2014/06/30/politica/1404156826_074730.html

Haddad ao El País: "A minha métrica do sucesso não é a reeleição."

“A minha métrica do sucesso não é a reeleição”

Ao fim do primeiro ano de mandato, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, defende suas medidas polêmicas e credita à luta de classes as derrotas sofridas na administração


    O prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT). / Bosco Martín

    São dez e meia da manhã do último dia de 2013 quando o prefeito petista Fernando Haddad, 50, recebe a reportagem do El PAÍS na sede da Prefeitura de São Paulo, no centro da cidade. O semblante de esgotamento e o par de tênis nos pés permitiriam confundi-lo, facilmente, com um maratonista da São Silvestre, corrida que naquele momento passava pela porta da administração municipal. Mas o aparente cansaço do administrador da maior cidade da América Latina tem outras causas. É o resultado de um ano intenso, permeado por derrotas políticas que devem trazer um impacto significativo nas finanças e nos investimentos de 2014.
    Em junho, uma série de protestos contra o aumento de 20 centavos na tarifa de transporte público ganhou força depois de uma violenta repressão policial. Sob pressão popular, Haddad e o governador Geraldo Alckmin (que gerencia o sistema de trens e metrô) anunciaram a volta da tarifa para os 3 reais.
    Mas os protestos continuaram e impactaram a imagem de Haddad: o número de pessoas que consideram seu governo bom ou ótimo caiu de 34%, no início de junho, para 18%, em novembro, segundo pesquisa Datafolha. E quando a situação parecia melhorar, veio um novo golpe: ao tentar reajustar o IPTU, imposto que incide sobre os imóveis, Haddad foi barrado pela Justiça após uma ação comandada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que tem como presidente Paulo Skaf, provável candidato pelo PMDB nas eleições para o Governo de São Paulo neste ano.
    O resultado dos dois golpes foi um congelamento de ao menos 800 milhões de reais que seriam usados pela prefeitura para seus investimentos de 2014. Um impacto definido por um Haddad especialista na doutrina de Karl Marx como a vitória da Casa Grande perante a Senzala, uma referência ao livro do sociólogo Gilberto Freyre, que analisa a formação do Brasil. “Para aqueles que acreditam que o nosso problema de bem estar social é falta de investimento público, [a derrota do IPTU] trará consequências."
    Pergunta: Como é ser prefeito da maior cidade da América Latina?
    Resposta: Uma experiência desafiadora. Mas há também a sensação de que você consegue dar resposta aos problemas, desde que você tenha alguma determinação para mudar a realidade da cidade. Em geral, os prefeitos que deixam uma marca na sua cidade foram os que tomaram as providências que todo mundo sabia que precisavam ser tomadas, mas eram postergadas em função de circunstâncias conjunturais. A questão da mobilidade é clássica no mundo inteiro. Todo mundo sabe que deve priorizar o transporte público, mas tomar a decisão de priorizá-lo é difícil porque incomoda aqueles que estão comodamente utilizando o transporte individual. Já tínhamos anunciado na campanha que faríamos, mas impulsionados pelas manifestações de junho, fizemos em seis meses o que faríamos em quatro anos [com o aumento das faixas exclusivas de ônibus], o que resultou em um incremento na velocidade do ônibus, superior a verificada em Nova York e Paris, que tomaram a mesma decisão.
    P: Mas as pesquisas mostram que pessoas não deixaram o carro em casa, que o número dos que usam ônibus não aumentou muito.
    R: Mas deixou de cair. Vinha caindo consideravelmente. Essa mudança não se faz em meses.
    P: Há uma forma de estimular as pessoas a deixarem o carro?
    R: É a perseverança. O trânsito em São Paulo piorou menos em 2013 do que em 2012, quando não se investiu um centavo em transporte público. O trânsito aumentou 11% de 2011 para 2012, sem uma faixa, sem um corredor. E de 2012 para 2013, 7%. Óbvio que é uma mudança de cultura, talvez geracional. No meu tempo, o presente de quem entrava na faculdade era um carro. Outro dia, meu filho me disse que pensava em se desfazer do carro, em função dos custos associados. Paga-se muito mais de seguro de carro em São Paulo do que de IPTU.
    P: Esse é um valor percebido por um grupo mais crítico. A população, em geral, ainda não vê assim.
    R: Mas os 70% que usam transporte público entendem.
    P: E isso não deveria se refletir em apoio ao seu nome?
    R: Vamos dissociar essas duas coisas. O apoio à medida [implementação das faixas] foi medido por dois institutos de pesquisa, e está na casa dos 90%. Uma coisa é aprovar a medida, outra coisa é aprovar o político. Estamos num ano muito atípico do ponto de vista de aprovação aos governantes, de maneira geral. A aprovação da nossa reforma educacional é na casa dos 90%. De mobilidade, 90%. Se perguntarem sobre as medidas para combate à corrupção, certamente vai ser de 100%. E isso tudo pode não se refletir em apoio político.
    P: Isso é uma sina em São Paulo, onde poucos prefeitos reelegeram sucessores?
    R: É um contexto geral de mau humor em relação à política, que é mais grave em São Paulo. Porque a cidade vive uma crise financeira há 20 anos. São Paulo está investindo menos da metade das capitais do Sudeste [Belo Horizonte, por exemplo, investe três vezes mais]. Não tem como. Tem uma hora que a política tem que fazer a concessão à matemática.

    Ninguém que é pessimista pode entrar na política. A política já é tão difícil sendo o que ela é. O pessimista tem de fazer outra coisa… Tem que ser jornalista
    P: O problema é a dívida de 56 bilhões de reais, que não dá margem para investimento?
    R: Não é só isso. Tem os precatórios. O Supremo declarou inconstitucional o parcelamento dos precatórios, isso já está se refletindo nas contas municipais. Tem um problema novo, o do congelamento da tarifa de ônibus. E um mais novo ainda, que é a suspensão de uma prática comum a todos os governantes que me foi sonegada, que é a atualização da planta de valores do IPTU.
    P: E por que o senhor acha que, agora, pela primeira vez, foi negada a atualização do IPTU?
    R: Eu não sei.
    P: É uma questão política?
    R: Não sei. Eu acompanho finanças públicas desde criancinha, vamos dizer. Eu nunca vi uma decisão dessa, de negar uma prefeitura de atualizar a base de cálculo.
    P: Está claro, há um problema...
    R: Não há um problema. Havia um, agora são quatro (risos).
    P: O seu cenário é muito pessimista pelo jeito. Quais são as soluções possíveis? Reajuste da tarifa de ônibus em junho?
    R: Antes das manifestações de junho, eu já havia dado uma declaração de que eu era a favor da municipalização da CIDE [Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico], um tributo que incide sobre a gasolina, para baratear o preço da mobilidade em São Paulo. No mundo inteiro discute-se isso. Em Bogotá, por exemplo, tem uma espécie de CIDE municipal. O prefeito tributa a gasolina e subsidia o transporte público. Eu entendo que 2014 é um bom ano para discutir esse tema, em termos nacionais.
    P: Mas em um ano eleitoral?
    R: Justamente. É em ano eleitoral que se discute esse tipo de coisa. Se o Brasil quer o barateamento da tarifa, então temos que discutir a fonte desse barateamento. Por que você vai prejudicar outros setores do governo para baratear o transporte? Saúde, educação, moradia? Essa pergunta será feita aos candidatos. Ninguém que é pessimista pode entrar na política. A política já é tão difícil sendo o que ela é. O pessimista tem de fazer outra coisa… Tem que ser jornalista (risos).
    P: Mas a prefeitura teve que congelar boa parte da verba por mais um ano. Como implementar os projetos?
    R: A suspensão da tarifa e a falta de correção da tabela do IPTU implicam na redução do investimento na cidade. Mal ou bem, essas decisões foram tomadas. Foi o resultado do campo de forças que atuou sobre a cidade. Uma cidade que já investe metade do que as demais capitais do Sudeste investem vai ter mais restrições de investimentos. Esta cidade que pede mais creche, mais qualidade do transporte, mais leitos hospitalares, que se façam mais cirurgias eletivas, precisa encontrar um padrão de financiamento. Isso passa por muitas ações, pela repactuação da dívida do município com a União, que ao contrário do que se vem retratando, está bem encaminhada.
    P: Mas existe um consenso no mundo econômico de que repactuar a dívida da prefeitura com a União pode gerar um endividamento e prejudicar o ajuste fiscal do país.
    R: Discordo desse entendimento. Primeiro, porque não tem impacto fiscal no curto prazo. Segundo, nós estamos buscando um reequilíbrio do contrato. Não é farra fiscal. A União não pode enriquecer às custas dos entes cujas dívidas foram renegociadas. Não posso pagar uma dívida de 17% [de juros] para a União, enquanto ela rola as dívidas dela a 10%. Numa Federação, um ente não pode lucrar às custas de outro. Acho incrível um economista sério defender um contrato totalmente desequilibrado como este. O que estão dizendo é o seguinte: já que você assinou um contrato infeliz, paciência. Você vai colaborar com o esforço fiscal da nação porque você fez um mau negócio. Mas esse negócio foi feito entre o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-prefeito Celso Pitta (nos anos 2000). É uma excrescência do ponto de vista jurídico.
    P: O senhor acredita, então, que isso pode mudar neste ano?
    R: Eu confio na regra de bom senso. Não há como prevalecer o entendimento de que um contrato totalmente desequilibrado deva ser mantido porque um grupo de fundamentalistas entende que isso coloca em risco a estabilidade financeira do país. Estamos falando de um município!
    P: Mas que é o maior município do país...
    R: O que é pouquíssimo perto da União.
    P: Mas a mudança do indexador afetaria outros municípios e Estados.
    R: Mas é justo que a mudança do indexador ocorra. Não é razoável imaginar que Alagoas, por exemplo, um dos Estados com os piores indicadores sociais, talvez do mundo, subsidie a União. Esquece São Paulo. Para Alagoas é justo?
    P: Mas, de qualquer forma, ainda estamos falando de uma expectativa de mudança. E, de concreto, ainda não tem verba.
    R: Quando uma bola está na marca do pênalti, tenho uma boa expectativa de que vai sair o gol.
    P: Tem o Roberto Baggio para mostrar que ela sempre pode ir para fora....
    R: Óbvio que pode. Mas com uma bola na marca do pênalti, uma expectativa de gol não é otimismo exacerbado.

    São Paulo não é uma cidade conservadora, é uma cidade onde atuam fortemente forças conservadoras. A cidade é melhor do que parece.  Ela quer aflorar, mas não deixam. É o cabresto da Casa Grande
    P: Mas o senhor conta com mais verbas da União? Ela já aumentou em 3.000% para os investimentos na saúde na sua gestão...
    R: São Paulo se mantinha isolado. Nós estamos aderindo a todos os programas federais. Na área da saúde, educação, cultura, mobilidade, do Minha Casa, Minha Vida. Agora, óbvio que nós temos constrangimentos. Quando o programa federal exige contrapartida, o aumento da arrecadação própria do município é essencial para honrar essa contrapartida. Por isso a nossa preocupação com o IPTU é tão grande.
    P: Como assim?
    R: Porque ao contrário do que a Fiesp alardeou, nós não vamos perder só 800 milhões de reais. Aliás, 800 milhões só não é dinheiro para a Fiesp. Para São Paulo é muito dinheiro. Nós não vamos perder só os 800 milhões, vamos deixar também de fazer obras que exigem a contrapartida. Por exemplo: a União paga a construção de creche para os municípios. Só que, para isso, eu preciso de terreno. Mas como não tenho terreno público em São Paulo, eu preciso desapropriar. E se eu não tenho o dinheiro próprio para a desapropriação, o dinheiro federal não vem. O principal problema são os casos em que preciso desapropriar, como o Minha Casa, Minha Vida, e os corredores de ônibus.
    P: Houve bairros com aumento de 29%, como no caso da Vila Mariana (classe média alta), e redução de 10% em bairros como Guaianases (de baixa renda). Não se poderia ter mantido esses bairros sem desconto, para que outros não tivessem tanto reajuste?
    R: A planta genérica de valores não é uma peça política. É uma peça técnica, elaborada na secretaria de Finanças. Uma lei municipal exige que no primeiro ano de mandato todo prefeito atualize. Eu estava cumprindo a lei. Eu estava fazendo o que todos os prefeitos fizeram no seu primeiro ano. É justo atualizar a base de cálculo do tributo. Se uma jurisprudência como essa se firma, o que eu não acredito, vai ter repercussões em todos os municípios.
    P: Não faltou diálogo, sabendo ainda que o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pode se candidatar a governador em 2014?
    R: Não faltou diálogo, sobrou oportunismo. É minha opinião sincera.
    P: No mundo da política não existem bondades, o jogo não é fraternal...
    R: Debate sobre tributo no Brasil sempre se ganha a posteriori, a priori é muito difícil ganhar. Quando prometeram que os preços das mercadorias iam cair com o final da CPMF (tributo criado para financiar a saúde, extinto posteriormente), lembra? Nós estamos esperando até agora. Os empresários embolsaram lucros maiores e a saúde pública foi prejudicada.
    P: Já que estamos falando de lucro... O senhor deu uma declaração que gerou polêmica recentemente. Disse que a Casa Grande, representada pela Fiesp, venceu a Senzala, que é a população pobre de São Paulo. O senhor acha que há uma luta de classes?
    R: Veja bem, nós estamos num dos países mais desiguais do mundo. Não sei por que lembrar isso ofende alguém. E combater as desigualdades é equilibrar a contribuição que cada um dá para a sociedade se emancipar das mazelas materiais que sofre. Não vejo ofensa nisso.
    P: É difícil ter uma visão mais marxista numa sociedade tão conservadora quanto São Paulo?
    R: Não estou falando de marxismo aqui. Estou falando de Estado de bem-estar social. Como é que São Paulo admite conviver com a miséria que ainda existe aqui, a cinco quilômetros do centro? Como se admite conviver com tanta miséria ainda?
    P: Mas também existe um paulistano que rejeita a miséria, que quer uma cidade mais humana. Como o senhor percebe isso?
    R: Sempre fui da opinião que São Paulo não é uma cidade conservadora, é uma cidade onde atuam fortemente forças conservadoras. A cidade é melhor do que parece. Agora, muitas vezes esse desejo, essa vontade de mudança, fica subordinada aos donos que impedem essas forças de se manifestarem mais livremente. Por isso que é uma cidade tensa. Ela quer aflorar, mas não deixam. É o cabresto da Casa Grande. (risos).
    COMBATE À CORRUPÇÃO
    P: Existe uma ação da prefeitura, com apoio consensual, que é a Controladoria Municipal. O senhor falou em trabalhar leis internacionais para punir as construtoras, envolvidas na máfia dos fiscais. Como esse assunto foi encaminhado? No Brasil, não se pune o corruptor.
    R: Ainda há muitas distorções que estão sendo corrigidas. Entra em vigor em janeiro uma lei que permite a multa administrativa severa dos corruptores. É uma lei nacional, que pretendemos aplicá-la exemplarmente em São Paulo. Há um projeto de lei desde 2004 no Congresso Nacional, encaminhado pelo ex-presidente Lula, que criminaliza o enriquecimento ilícito. Hoje isso não é crime. Posso te garantir uma coisa: se no Brasil for feito o trabalho que a controladoria do município fez, de cruzamento de dados patrimoniais, com declaração de Imposto de Renda, uma parcela da Casa Grande seria encarcerada. Pode ter certeza.
    P: O combate à corrupção resvalou no seu governo, com o nome do Antônio Donato (secretário de Governo que pediu afastamento ao ser apontado como receptor de propina no esquema de fiscais da prefeitura com construtoras). Como o senhor vê isso?
    R: Só três pessoas podiam prejudicar essa investigação até a sua conclusão exitosa: eu, o controlador e o Donato. Éramos as únicas três pessoas da prefeitura que, por dever de ofício, tinham que acompanhar, desde março, o passo a passo das ações conduzidas. Teve uma determinada circunstância, num determinado dia, que foi crucial. O controlador chegou para mim e para o Donato e falou: ‘olha, tá mapeado o problema.’ Expôs todo o problema, que veio a ser conhecido seis meses depois. Disse: ‘nós temos duas condutas a tomar, ambas com amparo legal. Um processo administrativo disciplinar por enriquecimento ilícito em que esses servidores serão demitidos. E outro muito mais delicado: levar o problema para o Ministério Público, tentar uma ação judicial que abra uma investigação com autorização legal, com quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal e todas as consequências inerentes a essa decisão’. Qual foi a posição minha e a do Donato? Vamos pelo caminho mais difícil, mas que vai resultar na verdade, em saber como essas pessoas acumularam até aqui 80 milhões de reais em patrimônio pessoal.
    P: E por que o senhor acha que o nome dele foi envolvido?
    R: Ah, aí tem que perguntar para quem envolveu... Eu estou dando um testemunho de quem presenciou a cena. A decisão foi tomada ali. Naquele minuto. Ninguém ali piscou. Muita gente não faria isso.
    P: Foi uma perseguição ao senhor?
    R: Não, não lido com esse conceito. Eu só sou uma pessoa, até pela minha formação, que acredita que você explicando os dilemas que o administrador público vive, isso ajuda a empurrar para a direção correta a cidade. Possivelmente alguém consideraria melhor ir no caminho do menor risco para a administração. Nós optamos por um outro caminho. Por um jeito que é mais pedagógico, mais transparente e que envolve mais riscos.
    P: Quer dizer, o grande mérito da Controladoria foi esse cruzamento de dados...
    R: Em 90 dias desbaratamos uma quadrilha que atuava havia oito anos! Agora, veja que curioso, a mentalidade é tão distorcida no nosso país, que boa parte da imprensa local começou a me criticar por não ter feito os cálculos políticos da minha decisão. Como se a ética tivesse de ser subordinada ao cálculo político. E muitos prefeitos, que estavam interessados em criar as suas controladorias, recuaram diante da reação da imprensa à minha suposta ingenuidade. As distorções morais estão em todo lugar.
    P: É verdade que o ex-presidente Lula chamou o senhor para conversar sobre o desgaste dessa ação na aliança com o PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, que é importante para a reeleição da Dilma?
    R: Nunca. Tem reuniões das quais eu participei que eu fico sabendo pela imprensa. (risos).
    PROTESTOS
    P: E na época dos protestos? Houve uma crítica de que a prefeitura demorou para atuar. Se disse que o ex-presidente Lula estava insatisfeito com a sua postura. É verdade?
    R: Sobre esse assunto eu conversei com o presidente Lula. E ele sempre entendeu o problema como um problema que não era local. Ele foi um dos primeiros a fazer essa afirmação: ‘não é a tarifa’.
    P: E hoje como o senhor avalia o que aconteceu em 2013 no país? Eu queria a resposta do cientista político, não do prefeito.
    R: Eu acho que o estopim pode ter sido a tarifa. Deixa eu fazer algumas considerações, já que você está perguntando para um cientista político você tem que me dar tempo (risos). A minha campanha eleitoral se baseou numa tese que se provou vencedora. Mas que explica muito, na minha opinião, as manifestações de junho. Eu dizia que a vida do brasileiro tinha melhorado da porta de casa para dentro. Mas não tinha melhorado da porta de casa para fora. Quis dizer que a vida do trabalhador: renda, acesso à crédito, acesso ao consumo, à educação, à saúde... tudo tinha melhorado, da porta para dentro. Mas que os serviços públicos, da porta para fora, não tinham acompanhado esse ritmo de mudança. A tarefa nossa, portanto, seria essa. Tínhamos que melhorar para o usuário do SUS [Sistema Único de Saúde], para o usuário de escola pública. Acho que junho é um pouco o resultado disso. Com um ingrediente, na minha opinião, que explica muito a forma que a coisa assumiu: a violência policial.

    Eu entendo que do ponto de vista da segurança pública existe ainda um componente mal resolvido de interface com a política, de se criminalizar protesto, por exemplo. Isso é uma coisa muito comum em uma ditadura (...) houve uma reação muito forte da sociedade em relação a esse resquício do período autoritário.
    P: A violência foi o elemento catalizador?
    R: Eu acho que ali houve uma resposta da juventude, que disse: ‘nós não vamos aceitar um retrocesso democrático no país e se formos para a rua para nos manifestar é um direito nosso’. Acho que aquela quinta-feira, 13 de junho, é um turning point. Existia um movimento [pela redução da tarifa] que não era novo, que não tinha grande expressão e, de repente, uma violência muito grande resultou numa situação inédita.
    P: A Polícia Militar foi inábil?
    R: Eu entendo que o Estado ainda não estava preparado do ponto de vista da sua organização, da formação democrática que as forças de segurança têm que ter. Nós saímos da ditadura militar, o Brasil está avançando enormemente na democracia, é uma das democracias mais vibrantes do mundo. Mas eu entendo que do ponto de vista da segurança pública existe ainda um componente mal resolvido de interface com a política, de se criminalizar protesto, por exemplo. Isso é uma coisa muito comum em uma ditadura, onde se criminaliza os opositores do regime. Numa democracia não se aceita. O que me pareceu é que houve uma reação muito forte da sociedade em relação a esse resquício do período autoritário.
    P: O senhor acha que a polícia deve ser desmilitarizada?
    R: Eu não estudei esse assunto. A tendência mundial é a da desmilitarização. Isso é uma tendência no mundo e quanto mais evoluído o país, mais essa é a regra.
    P: Agora, olhando quase seis meses depois, teria alguma coisa que o senhor teria feito diferente em relação às manifestações? A prefeitura demorou para agir?
    R: Demorou-se muito tempo? Acho que não. Na quinta-feira, 13 de junho, houve aquele evento, aquela enorme repressão e na quarta-feira foi feito o anúncio.
    P: Mas as manifestações já tinham sido reprimidas com violência outras vezes antes, tudo vinha crescendo...
    R: Antes daquela quinta-feira, as vítimas retratadas pela própria imprensa estavam mais do lado da polícia. A foto da quarta-feira, 12 de junho, em todos os jornais, é a de um policial sangrando e não a de um manifestante ferido. Não estava claro o que de fato estava acontecendo. Na quinta-feira muda tudo. O que eu vi depois de quinta é que o debate ali estava completamente interditado. Já não era possível debater o assunto. Ainda tentamos. Mas ali já não havia mais nenhum espaço para o debate.
    P: Uma das soluções que vieram foi a Comissão Parlamentar de Inquérito do ônibus (quer seria feita na Câmara Municipal, pelos vereadores, para abrir as planilhas de gastos do transporte público). Isso andou muito pouco.
    R: Eu não vejo condições de um aprofundamento desse tipo de debate numa CPI. CPI em geral é muito boa para apurar uma denúncia. Um fato concreto. Uma auditoria, na minha opinião, só uma auditoria internacional licitada como nós vamos fazer. Estamos no meio do processo de licitação. Como a sociedade está demandando mais transparência, resolvi que não vou licitar o sistema, sem antes auditar.
    P: Vai constar no critério de preferências mais linhas oferecidas?
    R: Primeiro lugar, na minha opinião, é o custo disso tudo. Quando as pessoas falam: ‘corta do empresário’, vamos ver. No primeiro ano da minha primeira administração reduzimos o desembolso em 500 milhões de reais em 2013. A mesma prefeitura está atuando na renegociação dos contratos com os fornecedores, renegociação da dívida com a União, negociação dos precatórios, planta genérica de valores... Fazemos um grande esforço de saneamento para recolocar São Paulo na liderança do investimento público per capita do país.
    P: É possível ter tarifa zero no transporte público?
    R: Vamos fazer uma pergunta diferente: é possível aumentar o subsídio à tarifa até o ponto de chegar a 100%? A minha opinião é que sim, se tiver uma fonte de financiamento.
    P: Que seria...
    R: A municipalização da CIDE. Se os prefeitos forem autorizados a tributar a gasolina para subsidiar a tarifa, você poderia avançar no subsídio e diminuir o preço da tarifa no bolso do trabalhador.
    P: Vai ter aumento de ônibus em 2014?
    R: Não está planejado.
    P: Isso é não?
    R: Isso é não.
    POLÍTICA
    P: Estamos falando de arrumar a casa e, talvez, colher os frutos dessa arrumação muito tempo depois de quatro anos. Todas essas questões demoram um tempo até que se tenha verba para fazer o que realmente aparece aos olhos públicos. Não é um risco político?

    Tem que ter muita paciência para suportar esse processo. Trabalhar calado, aguentando e acreditar que tem uma coisa que vai desabrochar.
    R: É um risco político que eu decidi assumir, conscientemente. Eu vou te dar um exemplo da minha passagem pelo Ministério da Educação: seguramente, nós fizemos a maior reforma educacional da história. Mas nós ficamos dois anos discutindo roubo de uma prova do Enem, um livro que supostamente ensinava o brasileiro a falar errado... Ou seja: do que nós estamos falando? Você promove uma das maiores reformas, inclusive reconhecida pela Unesco, pela Unicef. E nós ficamos presos a esses acontecimentos que a imprensa julgou como os mais relevantes a serem discutidos. É difícil a comunicação.
    P: No longo prazo esses esforços podem ser percebidos? O PT tem tempo de esperar esse longo prazo em São Paulo?
    R: Veja bem. São Paulo precisa ser bem sucedida pela métrica que me interessa. A métrica que me interessa não é a reeleição. Você pode ser mal sucedido e se reeleger. Conheço vários prefeitos ruins que foram reeleitos. A minha métrica do sucesso não é a reeleição. É um projeto para a cidade. A cidade tem um projeto hoje? Não tem. Se essa cidade em 2016 tiver um projeto... E quando eu digo projeto não é o prefeito ter um projeto. É a cidade ter um projeto. Para mim, essa é a vitória da gestão. Para mim, o que significa mudar São Paulo é uma combinação virtuosa entre o projeto e o tempo. É um risco muito grande? É um risco muito grande.
    P: Mas adianta ter um projeto e em 2016 não conseguir a reeleição e entrar um outro prefeito que vai assumir outro projeto?
    R: Foi o que aconteceu com a Marta [Suplicy]. Por que a Marta, à maneira dela, vinha desenvolvendo uma visão de cidade que estava se impondo e que é diferente da São Paulo que nós conhecemos hoje. Na minha opinião, a cidade seria outra. Até porque eu participei da gestão dela e vi que estava se constituindo uma coisa nova em São Paulo. E ela perdeu.
    P: E o senhor não teme isso?
    R: Temo. Mas qual a alternativa que eu tenho? Maquiar? Não sei!
    P: A Marta foi muito bem aceita na periferia e rejeitada nos bairros mais ricos. Ela também teve um embate com a classe média, onde está grande parte do conservadorismo. Não existe uma estratégia para trabalhar a conquista da classe média?
    R: É difícil você convencer alguém de alguma coisa no primeiro ano de governo. Porque as pessoas não conseguem enxergar. É muito difícil, inclusive, comunicar coisas que estão sendo gestadas ainda. Então, tem que ter muita paciência para suportar esse processo. Trabalhar calado, aguentando e acreditar que tem uma coisa que vai desabrochar. Exige um exercício incrível.
    P: A gente vê que a aposta do Kassab para a reeleição foi bem simples. Ele investiu na Cidade Limpa, investiu na zeladoria...

    Não tem ninguém que se pareça mais com um tucano do que eu. Branco, filho de imigrante, bem sucedido academicamente, três diplomas. E o que quer dizer isso? Na hora em que os interesses estão em jogo, é de que lado você fica que importa
    R: A do [José] Serra foi mais simples ainda! Se desincompatibilizou depois de um ano e se candidatou a governador... (risos)
    P: Não seria mais fácil essa aposta mais simples?
    R: É mais fácil! Mas, mutatis mutandis, você está me fazendo o tipo de pergunta que me causava uma certa indignação três meses atrás quando me perguntavam: ‘mas porque você está combatendo a corrupção desse jeito. Você não está percebendo que isso está trazendo prejuízo para o teu governo?’. É o mesmo tipo de cálculo, entendeu. Mas é o jeito que eu sei fazer.
    P: Mas o senhor foi uma aposta do PT para tentar se renovar, trazer quadros novos, já que há preconceito da classe mais conservadora paulista com a questão sindical, trabalhista, historicamente ligada ao partido. O senhor é um intelectual, professor da USP. O ministro da Saúde Alexandre Padilha, que deve ser o candidato ao Governo de São Paulo neste ano, vem com o mesmo perfil...
    R: Não tem ninguém que se pareça mais com um tucano do que eu. Branco, filho de imigrante, bem sucedido academicamente, três diplomas. E o que quer dizer isso? Na hora em que os interesses estão em jogo, é de que lado você fica que importa. Quer mais do que a Marta? Loira, de olhos azuis, quatrocentona, poliglota, estudou na França, nos EUA. O currículo da Marta dá de dez no de qualquer tucano. E daí? Mas ela fez Bilhete Único, CEU na periferia, corredor de ônibus.
    P: Foi um ano intenso. O senhor está cansado?
    R: Sei lá. Oscila muito tua maneira de ver. Não sei. Já vivi anos difíceis na vida. 2005 foi um ano muito difícil na minha vida, quando assumi o Ministério da Educação. Tive anos na vida privada muito difíceis.
    P: O senhor se arrepende?
    R: Não. É um privilégio viver essa experiência.

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    http://brasil.elpais.com/brasil/2014/01/03/politica/1388787506_411833.html

    Haddad ao El País: “Sou mais cobrado por um ano e meio do que o Governo do Estado por 20”

    fernando haddad| prefeito de São Paulo

    “Sou mais cobrado por um ano e meio do que o Governo do Estado por 20”

    Em crise de popularidade, Haddad diz que quer construir uma cidade para “seus filhos e netos”

    Um ano e seis meses após ter tomado posse, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), afilhado político do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, enfrenta o pior momento de sua popularidade. Em um mês, a insatisfação ao seu Governo foi de 36% para 47%. Entre os jovens, parcela da população que foi às ruas em junho contra a alta da tarifa, sua aceitação caiu 35 pontos percentuais de antes dos atos para o mês passado, embora tenha voltado a crescer neste mês, após a inauguração de uma série de ciclovias.
    Sua baixa aceitação acendeu um alerta no PT, que em outubro quer emplacar Alexandre Padilha como governador do Estado e quebrar os 20 anos do comando do PSDB. O partido de Dilma Rousseff nunca teve boa aceitação no principal Estado do país, visto como bastião da elite conservadora, refratária à imagem do sindicalismo de Lula.
    A rejeição ao prefeito e sua dificuldade de se comunicar com a população têm gerado críticas no partido, que pressiona para que ele mude de postura. “Temos uma questão a resolver, que é como fazer o cidadão perceber [que a cidade está mudando]”, assume o prefeito, que defende suas realizações, como a construção das ciclovias e de corredores de ônibus, uma estação de lixo que vai triplicar a coleta seletiva, e a reabertura de ícones da cidade, como o cinema Belas Artes, na rua da Consolação, região central de São Paulo.
    Entre elas, está ainda o Plano Diretor, aprovado no início do mês, e visto por muitos urbanistas como o projeto mais importante de São Paulo nos últimos anos. O plano dobra o número de áreas para habitações populares, incentiva construções perto do transporte público e cria mecanismos como a cota de solidariedade (grandes empreendimentos terão que destinar parte do terreno ou verba para casas populares) e padroniza o limite de um coeficiente máximo de construção igual a 1 (um terreno de 100 metros quadrados só pode construir um imóvel com até 100 metros quadrados; mais do que isso, deverá pagar a chamada outorga onerosa, taxa que vai para o fundo de construção de casas populares, praças e transporte).
    Pergunta. O plano diretor está claro para as pessoas?
    Resposta. O que tem de mais inovador no plano não foi discutido pela imprensa. A dinâmica da cidade vai se alterar completamente. O plano habitacional que é viabilizado pelo plano não foi discutido. O município está se apropriando de toda a mais-valia fundiária ao fixar o coeficiente básico [de construção] igual a um. Isso é o sonho dos urbanistas desde os anos 1970 e, 40 anos depois, dizemos: ‘Você não vai mais especular com o seu terreno. Você pode construir uma vez [o tamanho do seu terreno] e tudo o que você construir a mais vai ter que pagar a outorga onerosa’. Esse dinheiro vai para um fundo de urbanização e de desenvolvimento urbano, o Fundurb. Está carimbado para habitação popular, para transporte público, para áreas verdes. É uma enorme transformação.
    P. A outorga já existe...
    R. A outorga não existe, na verdade. Porque o mercado imobiliário introduziu exceções à regra no Plano Diretor anterior, que acabaram gerando em 12 anos um bilhão de reais em receita. Isso não dá para fazer um parque por ano. Você adensa a cidade, mas o município não tem resposta para aumentar os espaços públicos. Agora os novos empreendimentos em São Paulo têm que colaborar com o desenvolvimento da cidade. Ou seja, não se produz mais empreendimento, se produz cidade. Por que a gente aprovou o alinhamento viário da cidade inteira? Para impedir o que aconteceu na avenida Santo Amaro, onde os prédios foram verticalizados a uma distância face a face de 25 metros. Como vai ter calçada, corredor de ônibus e ciclovia em 25 metros nos dois sentidos? Impossível. Estamos fazendo um planejamento que não é de 16 anos. Esse plano vai se constituir na nova dinâmica da cidade pelo século XXI.
    P. A outorga vai ser caixa para a Prefeitura?
    R. Sim, mas não deve impactar minha gestão.
    P. Quais fontes de receita estão encontrando para viabilizar a gestão?
    R. Corte de despesa de contrato terceirizado. Em todas as áreas, já fizemos mais de 800 milhões de reais de economia.
    P. Se o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto [que acampou em frente à Câmara dos Vereadores até o projeto ser aprovado] não tivesse feito pressão, o Plano teria sido aprovado?
    R. Acho que sim.
    P. Da mesma maneira?
    R. Acho que o movimento social, no caso, teve o efeito de jogar luz sobre as conquistas que o plano já trazia na sua remessa para a Câmara. Esse plano é fruto de 40 anos de reflexão sobre a cidade, que não encontrava espaço no marco regulatório do desenvolvimento de São Paulo.
    P. E por que encontrou agora?

    Podíamos ter sido pioneiros no projeto de planejamento da cidade. Não fomos porque o conservadorismo aqui falou mais alto
    R. Primeiro, há um amadurecimento da cidade de que era preciso tomar providências mais radicais. Segundo, porque, com toda a modéstia, eu te digo que tem uma pessoa a frente da cidade que não está preocupada com a vida fácil, que está querendo fazer mudanças estruturais. Uma coisa é você passar pela prefeitura farejando oportunidades políticas para depois do seu mandato. Não é o meu caso. Eu gosto de ser prefeito de São Paulo e quero deixar marcas, independentemente da compreensão de curto prazo que isso possa me trazer. Eu não tenho problemas em comprar boas brigas que vão representar um futuro melhor para os meus filhos e netos.
    P. Qual foi a maior dificuldade para aprovar o Plano?
    R. Não sou a pessoa mais indicada para responder.
    P. Não houve uma pressão imobiliária?
    R. Houve. Desde sempre. Na gestão da Marta [Suplicy] também houve. Ela não conseguiu aprovar o plano que ela queria. Eu consegui. Mas a conjuntura política na época era de muita imaturidade. A direita no Brasil, que tem muita força, é muito inculta, demora a aprender. Às vezes a experiência internacional ajuda mais do que a local. Eu conseguiria implementar 400 quilômetros de faixa exclusiva de ônibus, 400 quilômetros de ciclovia [ambas promessas para até o fim do mandato], duplicar as áreas de ZEIS [para habitação popular], se não houvesse um amadurecimento também de fora para dentro? De Medellín, de Bogotá, de Nova York, de Paris... Nós estamos atrasados. Podíamos ter sido pioneiros, na gestão da [Luiza] Erundina, da Marta, que eram progressistas.
    P. O plano fala em mudar a cidade inteira. A gente já sabe que o centro, de certa forma, já está formado de forma desorganizada...
    R. Já está havendo uma mudança nítida do centro. Uma decisão simples que tomamos: não tinha coleta de lixo aos domingos no centro porque se dizia que o centro fecha no final de semana e não produz lixo. Decidi testar. Foram cem toneladas recolhidas. O centro agora é outro na segunda de manhã. Isso atrai investimento. Quando eu assumi tinha 17 praças ocupadas por barracas, não tem nenhuma. Estava havendo uma favelização das praças em São Paulo. Hoje, se eu tivesse recursos, eu compraria um imóvel no centro. Tende a se valorizar.
    P. Há urbanistas que criticam que o plano colocou poucas regras em áreas que vão ser alvos de especulação, como as margens dos rios, os antigos bairros industriais... Há preocupação para que se evite que o mercado imobiliário faça suas próprias operações urbanas nessas áreas?
    R. Se for bem organizada a operação urbana...
    P. Mas quando ela é colocada pelo mercado imobiliário não vai privilegiar praça, espaços de uso comum.

    A segurança pública é uma atribuição do Estado. Esse modelo tem que mudar. Como o prefeito não opina sobre o assunto?
    R. Será que isso também não mudou?
    P. A interferência do mercado imobiliário nesse plano diretor não foi para tornar a cidade mais humana. Fez com que as cotas de solidariedade mudassem e permitissem que as moradias populares fossem construídas em locais distintos dos grandes empreendimentos, ao contrário do que se previa. O mercado vai pagar para que os mais pobres fiquem longe, segundo a Raquel Rolnik.
    R. Mas qual a cidade do Brasil que tem cota de solidariedade?
    P. Nenhuma. Mas houve essa concessão importante ao mercado...
    R. Eu não fiz concessão nenhuma. Nem estava no projeto original a cota de solidariedade. A gente até avaliou que seria talvez uma proposta polêmica demais para ser feita pelo Executivo. Construímos por dentro da Câmara. A pressão, se existiu, não foi aqui, foi lá. E, se for ver, a Câmara avançou em relação ao projeto do Executivo. Temos chance de avançar mais ainda nas leis de ocupação e nas operações urbanas. As operações urbanas não vão mais poder ser como eram. Não vai mais poder ter operação urbana sem habitação popular.

    POLÍTICA

    P: Há quem comente que é alta a chance de você não ser reeleito em 2016, mas que seria reconhecido no futuro. Como vê isso?
    R: Acho que isso não está dado, nem uma coisa, nem outra. Não está dada qual vai ser a percepção da cidade em 2016. Óbvio que optamos por correr riscos e fazer as mudanças. Eu vou continuar fazendo as mudanças que São Paulo precisa. A cidade precisa de um horizonte de longo prazo, que ela não tem. Eu entendo que tem um tripé da minha administração que é o Plano Diretor, o PAC [Programa de Aceleração ao Crescimento] e a renegociação da dívida com a União que, se tudo der certo, o Senado vota depois da eleição. Isso repercute no dia a dia do cidadão lá de Cidade Tiradentes? Imediatamente não, mas eu vou estar salvando a vida dos filhos e netos dessa pessoa. Se alguém não se preocupar com o longo prazo, o futuro não vai chegar.
    P. Essa sua postura incomoda o seu partido. Tem pessoas que dizem que você tem um estilo de governo “exageradamente reservado e técnico”, pouco populista...
    R. Nos meus oito anos de Ministério da Educação, seis e meio como ministro, a crítica [que recebia] era exatamente essa. No dia que eu sai, eu sai como o ministro mais bem avaliado do governo Dilma. Ela vai para a campanha com as marcas da educação, como o Enem, o Prouni. Mas foram oito anos de trabalho para chegar nisso. O estilo era o mesmo. Eu não fazia pirotecnia, aguardava maturar os projetos, as pessoas compreenderem.
    P. Mas o PT não está no melhor momento na visão dos paulistanos....
    R. O PT quando está no pior momento está melhor do que qualquer partido. No pior momento, está com o triplo de intenções de voto do segundo colocado.
    P. Em São Paulo não é bem assim.

    Temos uma questão a resolver, que é como fazer o cidadão perceber que tem uma ordenação
    R. Estou falando do Brasil. Em São Paulo nós sempre tivemos dificuldade, na cidade e no Estado. Depois da eleição do Lula nós só voltamos a ganhar na minha eleição. Perdemos em 2004, 2006, 2008 e 2010 com o Lula com 80% de aprovação, inclusive na cidade de São Paulo. Pra não falar na Marta, que perdeu a reeleição e é hoje considerada a melhor prefeita da cidade. A cidade reage muito por impulso, às vezes vai se apropriar de uma conquista anos depois.
    P. Mas ninguém do partido está pressionando você para mudar?
    R. Sim, tem um debate acontecendo sobre a questão da comunicação. Essa semana [semana passada] o governo municipal entregou a única central de triagem mecanizada da América Latina para triplicar a coleta seletiva da cidade. Anunciamos o parque do Jockey Clube, que é uma demanda de 20 anos. O Belas Artes reabriu e quem foi atrás da Caixa Econômica Federal para isso foi o Juca Ferreira, meu secretário de Cultura. Estou falando dessa semana. E quem sabe? Quem junta lé com cré de que está acontecendo alguma coisa na cidade? Temos uma questão a resolver, que é como fazer o cidadão perceber que tem uma ordenação. São Paulo não inaugura um hospital há dez anos, eu vou inaugurar o meu primeiro agora e licitar mais dois esse ano. Acabei com a aprovação automática nas escolas, depois de 20 anos de debate. Quando eu falo tudo isso para o Lula, ele fala: ‘Como a gente faz chegar nas pessoas o que está acontecendo?’.
    P. E como vão fazer?
    R. É um desafio. Existe um bloqueio em relação ao PT. Eu sou mais cobrado em um ano e meio de governo do que o Governo estadual por 20 anos ininterruptos. É um contexto, nós precisamos compreender o que está acontecendo e tentar estabelecer canais de comunicação com as pessoas. Não é só pelo Governo. É para as pessoas se apropriarem das coisas. Não é uma questão da política partidária propriamente dita, mas da grande política, das políticas públicas, de pra onde vai a cidade.
    P. Será que também não havia uma expectativa enorme de mudança com seu governo?
    R. Eu não tenho problema nenhum com a grande expectativa gerada. Eu tenho preocupação com o tempo que eu tenho que ter para dar consequência para tudo que está em execução (risos). São Paulo ficou oito anos sem entregar um quilômetro de corredor de ônibus. Estou com 37 quilômetros em execução. No começo do ano que vem nós vamos chegar a cem quilômetros em execução e, se Deus quiser, eu termino a execução de outros 50. Mas eu tenho que fazer licenciamento ambiental, desapropriação, licitação, negociar com o Tribunal de Contas do Município, com a Caixa Econômica Federal, fazer financiamento do PAC. Não é uma coisa que você toma posse e dá a ordem de serviço.
    P. A pesquisa Datafolha mostra que despencou a sua aprovação entre os jovens, justamente a parcela da população que tem mais expectativa de mudança.
    R. Tem muita desinformação também. Se tem alguém que ampliou as oportunidades educacionais nesse país pros jovens fui eu.
    P. Mas se a gente fala de cidade... Esses jovens também querem se apropriar da rua. Querem coisas práticas para o cotidiano deles, praça, ciclovia.
    R. A vida inteira que eu conversava com a juventude no Governo da Marta, pediam as praças wi-fi. Até o final do ano vamos instalar 120 praças wi-fi, 24 já estão operacionais. E aí? O cara não associa. Caiu do céu a praça wi-fi (risos).
    P. E por que você acha que caiu a sua aprovação?
    R. Eu não fiz análise de pesquisa. Com todo o respeito, pesquisa é uma coisa importante, mas eu acho que o jornalismo dá importância desmedida para isso. Eu passei a campanha inteira ouvindo que eu seria derrotado, que eu não iria para o segundo turno. Acho pesquisa legal, até olho de vez em quando. Mas vamos relativizar um pouco a importância. Tem vários artigos que eu guardei de recordação na eleição, apostas definitivas de que eu estava fora do segundo turno.
    P. Mantendo o assunto na juventude. A Copa surpreendeu... Foi impressionante o que aconteceu na Vila Madalena. São Paulo não tem preparo para receber tanta gente assim?
    R. Acho que provou o contrário, que tem...

    Eu não fiz análise de pesquisa. Pesquisa é uma coisa importante, mas eu acho que o jornalismo dá importância desmedida para isso
    P. Mas houve momentos de conflito...
    R. Com 70.000 pessoas em um quarteirão, estaríamos pedindo o impossível... São Paulo deu um banho na Copa. Mostrou que é cosmopolita, que está pronta para qualquer desafio, como eu sempre disse.
    P. O policiamento funcionou em relação à criminalidade. Dilma Rousseff disse que houve uma coordenação positiva entre Estado, município, Governo federal. Por que no dia a dia não há essa coordenação?
    R. Porque a segurança pública é uma atribuição do Governo do Estado. Esse modelo tem que mudar. Para a Copa houve todo um arranjo institucional. Quem conhece mais da cidade é o prefeito, por definição. Como o prefeito não opina sobre segurança pública na cidade? O comando da capital só conversa comigo por deferência, não por regras institucionais.
    P. Esse debate de mudança institucional da polícia já começou a ser feito pelos presidenciáveis. É possível mudar rapidamente?
    R. Acho que os candidatos a governador vão apresentar propostas diferenciadas sem a necessidade de mudar a Constituição. A responsabilidade pode continuar sendo do Estado. Mas nas regiões metropolitanas, a governança não pode ser como numa cidade pequena do interior. Aqui precisa ter uma gestão compartilhada da segurança, como foi na Copa. Funcionou. Mas foi excepcionalmente.
    P. E como transformar a exceção em regra?
    R. Depende do Governo do Estado. Tem que cobrar os candidatos. Tenho falado muito com o Padilha, que ele tem a oportunidade de propor um outro tipo de governança da segurança pública.
    P. Se mudasse esse eixo da segurança pública poderia melhorar essa questão dos abusos policiais?
    R. Tudo melhoraria numa gestão mais partilhada com os prefeitos.
    P. Se o PT conseguir o Governo do Estado, o que seria mais urgente fazer?
    R. Acho que o que o Padilha vai propor é, sem sombra de dúvida, [política de] segurança. Ensino médio é outro problema grave. E a questão federativa, sobretudo na região metropolitana. Quando o Padilha fala em lançar o Bilhete Único metropolitano ele sabe que tem muitos trabalhadores que não moram em São Paulo e trabalham aqui. E pagam uma fortuna de transporte porque não há integração.
    P. O Eduardo Campos, candidato à presidência, está falando em tarifa zero para o transporte público. É viável?
    R. Eu já disse que se fossem municipalizados os tributos que incidem sobre a gasolina, seria possível ter uma política de subsídio, que podia representar o congelamento, a redução ou até o passe livre, talvez para alguns segmentos, não necessariamente universal. Fiz uma proposta pública. Se ele abraçar essa proposta tem que dizer como vai viabilizar.
    P. O que mudou desde a última vez que conversamos?
    R. Acho que 2013 foi totalmente atípico. Imagina no quarto mês de governo, uma pessoa presenciar uma mudança de humor. E teve muita politização, no mau sentido da palavra, de temas que poderiam ser conversados com um pouco mais de tranquilidade e que não foram. Foram temas muito apaixonados e que ninguém mediu as consequências para São Paulo, como a revogação aumento do IPTU, da tarifa, uma série de coisas. Não foi um impacto para o Fernando Haddad, foi para a cidade. Vivemos um 2013 assim, em que não era possível aprofundar os debates.
    P. Esse ano é mais fértil para isso?
    R. Até por ser um ano eleitoral, acho que teremos mais oportunidade disso. Quando o espaço de debate está interditado é tudo binário, empobrece a política. Acho que a eleição pode ajudar.

      P. Na outra entrevista, você disse que sua métrica de sucesso não era a reeleição. A eleição do Padilha é uma métrica de sucesso para você?
      R. Essa não é nem a expectativa dele. Não deve ser assim que funciona. Até porque, como eu disse, o Lula era presidente da República e nós não conseguimos nos eleger em São Paulo. Não existe esse vaso comunicante.
      P. Mas não tem como negar que a rejeição a seu governo pode refletir na eleição do Padilha.
      R. Não estou negando que não possa refletir. É natural que isso [rejeição] seja usado [na eleição]. Mas também é uma oportunidade de explicar o que estou fazendo. Qual a oportunidade que os partidos políticos têm de explicar o que estão fazendo? Nas eleições. Então da mesma forma que você me diz isso, eu te digo: tem uma oportunidade da gente convocar na TV, nas rádios, a discussão de políticas públicas. Quem acha que está fazendo uma boa política pública, acha bom.

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      http://brasil.elpais.com/brasil/2014/07/22/politica/1406055126_798704.html

      Entrevista: "O mundo exige alunos com formação global"

      Ignacio Berdugo

      "O mundo exige alunos com formação global"
      Ignacio Berdugo é um dos maiores especialistas do mundo em ensino superior. Foi reitor da Universidade de Salamanca e, atualmente, é  diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca e presidente do Comitê Organizador do III Encontro Internacional de Reitores Universia. Berdugo defende a validação sem burocracia de cursos feitos no Exterior e diz que o Ciência sem Fronteiras dará resultados a longo prazo.

      por Camila Brandalise e Revista Isto É
       

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      FOCO
      "Se queremos favorecer o intercâmbio, é preciso
      investir no ensino de idiomas", diz ele

      Uma universidade precisa garantir aos seus alunos educação de qualidade, oferecer boa formação profissional e possibilitar pesquisas inovadoras. Mas para o espanhol Ignacio Berdugo, 63 anos, reitor da Universidade de Salamanca, na Espanha por dez anos e um dos maiores especialistas do mundo em ensino superior, há, hoje, um novo desafio: internacionalizar o aprendizado dos estudantes.
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      "Há ótimas universidades aqui, como a USP e a UnB (foto). Não devem nada
      às europeias. Um dos pontos fortes do Brasil é a pós- graduação"

      “É uma maneira de contribuir com a mobilidade do conhecimento e também com a geração de profissionais capacitados para atuar tanto local como globalmente”, afirma Berdugo, diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca e presidente do Comitê Organizador do III Encontro Internacional de Reitores Universia, que reunirá mais de mil reitores do mundo esta semana no Rio de Janeiro. Doutor honoris causa por dez instituições, Berdugo falou à ISTOÉ sobre a necessidade de possibilitar o intercâmbio de alunos e de pesquisas, o Ciência sem Fronteiras e a estrutura educacional do Brasil.  
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      "Cada geração quer introduzir seu próprio desenho na sociedade.
      A mobilização estudantil é sinal de uma geração saudável,
      que sabe pensar e argumentar"
      Istoé -  Como modernizar a universidade?
      Ignacio Berdugo -
       Tornando-a globalizada. Criando centros de línguas, desenvolvendo a área de informática. Também é preciso fazer as coisas de um jeito diferente. Muitas universidades têm atitudes conservadoras, mantêm-se como estão. Uma instituição de qualidade tem que ter autocrítica sobre o que precisa melhorar. Por isso é um desafio. É preciso mudar para ter novas respostas.
      Istoé - Por que é preciso internacionalizar a educação?
      Ignacio Berdugo -
       O mundo exige alunos com formação global. Acredito que é papel das universidades responder às demandas das sociedades em que estão inseridas. E entre as necessidades mais importantes e recorrentes da atualidade está a universalização do conhecimento e da formação prática e sociocultural. A internacionalização contribui com a mobilidade do conhecimento e também com a formação de profissionais capacitados para atuar tanto local como globalmente. No mundo de hoje, esse é um fator que define um bom profissional. Quem tem que possibilitar isso? Todos os agentes da educação. A educação interessa à sociedade, ao Estado. É um direito, não um privilégio. E quem garante os direitos? O Estado. Nesse caso me refiro ao setor público em geral, em todo o mundo. Interessa a todos que a educação seja de qualidade, inclusive às empresas. Então, se para ela há benefícios nisso, também precisa investir.
      Istoé -  O que deve ser feito?
      Ignacio Berdugo -
       Estabelecer relações que possibilitem a mobilidade. Criar centros de pesquisa, políticas internas que facilitem as trocas de alunos e pesquisadores e de conhecimento. Se queremos favorecer o intercâmbio, é preciso investir no ensino de idiomas. São mercados que lidam com pessoas que falam diferentes línguas. Também significa reconhecer os estudos no Exterior. Se eu sair do Brasil e for estudar em Buenos Aires, não deve haver empecilhos para validar minhas aulas, a responsabilidade da universidade brasileira é reconhecê-las.
      Istoé - Esse parece ser um grande entrave para a internacionalização do ensino no Brasil.
      Ignacio Berdugo -
       O reconhecimento de títulos de outro país é sempre um problema, não apenas no Brasil. Para a União Europeia, por exemplo, esse foi um fator-chave, pois se objetivava a mobilidade de profissionais e de capitais.
      Istoé - Na Europa há muita interação entre as universidades. Por que o mesmo não acontece na América Latina?
      Ignacio Berdugo - Na União Europeia são 23 línguas, na América Latina, duas, que se parecem, e a princípio seria um elemento facilitador. Mas na comparação há um fator político lá que favorece essa internacionalização: o projeto da própria União Europeia. Um médico formado na Finlândia pode trabalhar na Bélgica. Um arquiteto espanhol pode construir na Alemanha. É preciso internacionalizar os conteúdos de formação de carreiras e na Europa houve esforço político para que os cursos se pareçam.
      Istoé - O programa Ciência sem Fronteiras está atendendo às expectativas?
      Ignacio Berdugo -
       Acho que o Ciência Sem Fronteiras trará uma resposta a longo prazo. Dentro de dez, 15 anos, assim como a maioria das políticas educativas. Não é uma ponte, uma obra pública. Não se pode ver. Mas, se a ideia é reformar a universidade brasileira ou favorecer a internacionalização, esse é um começo. Os efeitos gerais sobre a sociedade não vão ser vistos de imediato. Mas são necessários, também, programas bilaterais. Seria bom, por exemplo, que o Ciência sem Fronteiras favorecesse os dois lados não só para enviar alunos brasileiros, mas também para receber estudantes de fora do Brasil. Nesse caso, os governos dos outros países teriam de pagar.
      Istoé - Qual é sua visão sobre o ensino superior no Brasil?
      Ignacio Berdugo -
       Acredito que a história de cada país é um condicionante básico da realidade atual. A história da educação superior no Brasil é muito curta, a primeira instituição de ensino superior é do século XIX. O que havia antes? A elite ia para Portugal e se formava em Coimbra. Quando houve a independência, foram criadas faculdades de medicina e de direito. Outro condicionante é o positivismo, a ideia de que interessam soluções de curto prazo. Depois houve a conversa sobre a criação de universidades, não só faculdades profissionalizantes. Trata-se de uma discussão no Brasil que se divide entre formar um profissional no sentido estrito ou no sentido mais amplo. Há universidades de um lado e, de modo ilhado, centros universitários, institutos, escolas... É uma peculiaridade do sistema brasileiro.
      Istoé - Como vê o ensino superior brasileiro?
      Ignacio Berdugo - 
      Há ótimas universidades aqui, como a Universidade de São Paulo, a Universidade Estadual de Campinas, a Universidade de Brasília. São de primeiríssima qualidade e não devem nada às europeias. Um dos pontos fortes do Brasil é a pós-graduação. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), o CNPq (Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) são instituições reconhecidas internacionalmente. São chaves para o desenvolvimento do pesquisador. A qualidade do mestrado aqui também é alta. Mas ainda faltam políticas para a dupla titulação: estudar em duas universidades, uma no Brasil e outra fora, que dividem o programa de formação, e quando acaba a formação ter o diploma reconhecido nos dois países.
      Istoé - Como garantir vagas em universidades públicas para um maior número de pessoas, como ocorre na Europa?
      Ignacio Berdugo -
       Na Europa, o sistema, em sua maior parte, é público. É uma consequência da estabilidade demográfica. Mas aqui também há várias universidades privadas de ótima qualidade. Mas o tamanho da população é um problema. São muitas pessoas concentradas de maneira nada homogênea. Isso, de fato, dificulta.
      Istoé - Muitas faculdades privadas têm sido abertas, mas várias delas de qualidade duvidosa. O que pensa disso?
      Ignacio Berdugo -
       Essa é uma questão muito complexa. Há universidades privadas de ótima qualidade. Mas e se fecho as universidades privadas que não são de tão boa qualidade? Pior é não tê-las. Esse é um debate ideológico que não se resolve de um dia para o outro. Uma coisa que chama a atenção no Brasil quando se fala em educação é a falta de coordenação do sistema educativo: o ensino básico é municipal, o médio estadual e o superior federal. E o ensino público dos níveis inferiores não é de grande qualidade. Os colégios privados são melhores. Mas as universidades públicas têm mais qualidade. Isso justifica políticas de reservar vagas para alunos de escolas públicas, por exemplo. É preciso criar mecanismos de organização entre os níveis de educação.
      Istoé - O sr. acha que as políticas de cotas são uma saída para garantir a inclusão e o acesso ao ensino superior? 
      Ignacio Berdugo - Meu conhecimento sobre a realidade brasileira não é o mesmo de um brasileiro que vivencia as oportunidades e suas disparidades. Mas posso dizer que as políticas de inclusão são ações destinadas a reduzir a desigualdade e, portanto, as considero positivas. Assim, para aspirar à igualdade, é preciso garantir que todos tenham acesso à educação, independentemente da classe social. E, no Brasil, a questão racial e a origem socioeconômica direcionam as pessoas para diferentes rumos no sistema educacional, principalmente primário e médio, resultando em diferentes chances de entrar em determinadas instituições de ensino superior. Acredito que as ações afirmativas tenham resultado nesse sentido.
      Istoé - Estudantes brasileiros ocupam reitorias para exigir mudanças nas estruturas de ensino. No Chile há um movimento estudantil forte. As universidades precisam ouvir mais os alunos?
      Ignacio Berdugo -
       Um dos temas para o encontro de reitores é esse: estamos dando respostas adequadas aos questionamentos dos nossos alunos? Mas há dois pontos distintos: existe um pedido por resposta política quando o único lugar onde eles podem fazer política é a universidade, exigindo mudanças no País. Por outro lado, há o debate educacional puro, sobre ser gratuita ou não. Cada geração está vinculada a mudanças e quer introduzir seu próprio desenho na sociedade. Não se pode limitar a liberdade, isso é um risco. Garanti-la é uma forma de melhorar o mundo em que vivemos. A mobilização estudantil é um sinal de uma geração saudável, que sabe pensar e argumentar. Mas sem recorrer à violência, porque aí seria a não razão.

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      Obtido de: http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/374673_O+MUNDO+EXIGE+ALUNOS+COM+FORMACAO+GLOBAL+

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      domingo, 27 de julho de 2014

      Fernando Henrique Cardoso: "Povo espera do governo qualidade de vida."



      'Povo espera do governo qualidade de vida', diz Fernando Henrique

      Alexa Salomão, Gabriel Manzano, Ricardo Grinbaum - O Estado de S.Paulo
      27 Julho 2014 | 02h 02

      Para melhorias serem sentidas na ponta, afirma ex-presidente, é preciso aprimorar máquina do Estado

      Seja quem for o presidente eleito em outubro, seu principal desafio será converter a ação do Estado em qualidade de vida para a população, um desejo crescente que se reflete na cobrança por serviços públicos mais eficientes. Para o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, melhorar o funcionamento da máquina pública foi a chave para o Plano Real no combate à inflação, 20 anos atrás, mas o tema ainda é um ponto preocupante.

      "O que importa hoje não é o 'quantos por cento' de inflação temos", diz FHC. "O que assusta agora é perceber que os fundamentos não estão funcionando tão bem quanto deveriam. O conjunto da obra está bamboleante."

      Fernando Henrique vê o País "pagando o preço" pela falta da reforma política, que ele próprio reconhece como uma frustração. Para sair dela, afirma, é preciso um entendimento entre PT, PSDB e PMDB, mas há um empecilho: as incessantes "pedradas" entre tucanos e petistas. "Lula é hegemônico, quer tomar conta de tudo, esmagar o adversário", diz. "Não há como fazer acordo."

      Seu governo ficou marcado pela estabilização. O de Lula, pela distribuição de renda. Como será lembrado o governo Dilma? E qual marca deve buscar o próximo governo?

      Essas marcas são todas parciais, mas enfim, são marcas. O governo Dilma vai ser lembrado como uma espécie de cabra cega. O mundo teve a crise e fizeram uma tentativa de crescimento pela expansão do crédito, pelo consumo e pela ingerência do Estado - como uma volta aos anos 60 e 70. Nada disso está funcionando muito bem. O governo ficou, assim, sem marca. Ela foi apresentada como uma grande gerente e as circunstâncias não permitiram que se visse isso.

      E para a frente, qual seria o norte?

      O Brasil, do ponto de vista material, melhorou muito. Então, por que nos sentimos perdidos hoje? No passado, achamos que bastava fazer a economia crescer e isso nos levaria ao Primeiro Mundo. Ora, estar no primeiro mundo é ter qualidade de vida! Se você for a qualquer pequeno país europeu - Portugal, Dinamarca, Croácia, que seja, são infinitamente menos crescidos que o Brasil em termos econômicos, mas a população se sente no Primeiro Mundo. Porque ela tem educação, segurança, respeito à lei. No futuro, um governo, para deixar uma marca, vai ter que insistir nos intangíveis - o que é difícil, porque as pessoas não vão sentir no começo.

      Um ponto de forte debate é como fazer ajustes no Estado sem ameaçar a distribuição de renda. É possível?

      Quando fizemos o Plano Real, a crítica do PT, do PDT e de não sei mais quem era que os trabalhadores, mais uma vez, iriam arcar com os custos. Não aconteceu isso. Aconteceu o inverso. A taxa de pobreza caiu de 40% para 30% com a estabilização e houve aumento dos salários. Fazer ajustes não quer dizer apertar o cinto do povo. Vou dar outro exemplo. Se for olhar a proporção do PIB que é gasto em bolsas e comparar com a proporção do PIB que é gasto com subsídios para setores empresariais, via BNDES, vai ver que é a mesma coisa. O governo dá para cima e dá para baixo. É mais fácil você parar com o subsídio do que com a bolsa. As bolsas vieram para ficar.

      Qual é o balanço dos 20 anos do Real?
      O Real não foi um plano apenas para controlar a inflação, mas para controlar as causas da inflação. As empresas não estavam em má situação. A economia havia crescido algo como 5%. Quem estava em má situação era o Estado. Se não resolvêssemos a situação do governo, não haveria como controlar a inflação. Isso significava repor a ideia de que contratos valem, que, quem deve, precisa pagar, que Estados e municípios precisam arcar com suas contas. Reorganizar o mecanismo de endividamento interno e o orçamento. A moeda foi a parte imediata. Levamos anos trabalhando para colocar em ordem o mecanismo institucional. A Lei de Responsabilidade Fiscal é do ano 2000. Hoje, o que importa não é o "quantos por cento" de inflação. A inflação é de cinco e pouco por cento. Seis. Não é de assustar. No meu tempo era 20%, 30% ao mês. O que assusta agora é perceber que os fundamentos não estão funcionando tão bem quanto deveriam. O conjunto da obra está bamboleante: a Lei de Responsabilidade Fiscal não é cumprida adequadamente, o gasto público não está sendo controlado, o endividamento é elevado.

      E qual a maior frustração com o Real?

      As reformas ficaram pela metade. Era muito difícil negociar com o Congresso. A reforma política - eu tomei a decisão de não começar por ela, porque se começássemos por ela não sairíamos dali - era importante. Deixamos para o Congresso fazer. Estamos pagando o preço pela falta da reforma política. Se queremos uma democracia bem avaliada pela população, temos que fazer a reforma política. Quando fui à África do Sul (no funeral de Nelson Mandela, em 2013), os ex-presidentes estavam juntos e eu disse a todos: nós somos responsáveis pelo caos. Ninguém acredita nesse sistema que está aí. Por que não chegamos a um denominador comum? O Sarney se sentiu atraído pela ideia. Falei com o Lula. Mas não prosperou.

      E a presidente Dilma, como reagiu?

      Ninguém reagiu. Quando houve a crise, a presidente tentou. Mas a coisa foi mal coordenada. Para fazer isso é preciso realmente liderança - e liderança dos partidos. É preciso de entendimento entre PT, PSDB e PMDB. Assim teremos a maioria. Mas vou colocar o problema de outra maneira. Todos os governos sempre acham que fizeram muita coisa - e incluo o meu. Porém, há um problema sério de gestão no Brasil: o resultado não chega na ponta. Você faz o projeto, monitora os números, faz isso e aquilo. Os que estão no mundo oficial estão felizes, mas o cidadão não sente a diferença. Quando cheguei à Presidência da República, o SUS (Sistema Único de Saúde) era uma proposta da Constituinte, mas não funcionava. Era um inferno. Montamos. Hoje há o SUS. Os governos têm uma série de programas na área da Saúde. As pessoas podem receber medicamento de graça até em casa. O cidadão, porém, não sente que nada disso existe porque funciona mal.

      E qual é a causa disso?

      Falta de gestão. Há um tempo, não agora, me perguntaram no PSDB qual seria um bom slogan para a campanha. Eu disse: em vez do que fez o Barack Obama nos Estados Unidos, com o Yes, We Can, deveríamos ter o Yes, We Care - nós prestamos atenção em vocês, nós cuidamos. O povo se sente descuidado. É preciso ver como essa máquina pública funciona e atacar de frente essa grave falta de gerenciamento.

      Se o seu candidato, Aécio Neves, chegar ao Planalto, o que ele deveria fazer para impedir que a política continuasse a ser mais do mesmo?

      A primeira condição é ter uma agenda. A segunda, fazer aliança para cumprir essa agenda. Terceiro, fazer tudo publicamente. Não quer dizer que no meu governo foi sempre assim, não. Mas eu tinha uma concepção do que queria fazer. Eu queria estabilizar a economia, dar acesso à educação, melhorar a saúde, fazer a reforma agrária, acertar a Previdência, que não consegui. Procurava fazer com critério.

      Como Aécio Neves vai brigar contra o maior tempo de Dilma na TV?

      Os políticos têm uma obsessão pelo tempo de TV. Muito tempo pode ser bom, mas pode ser mau também. O povo ouve, às vezes, mas nem sempre. Tem momento em que ele fecha o ouvido. Hoje, o programa eleitoral terá um peso menor do que no passado, por causa das mídias sociais. Não sei se a campanha vai ser decidida na televisão.

      Como, então, vai ser decidida?

      O importante é que o candidato se desempenhe. Eu costumo fazer o seguinte: começa o programa eleitoral, eu tiro o som. Porque o que você transmite não é só o que fala, é como você fala, qual é o seu jeitão. É subconsciente. E eu acho que o Aécio tem um bom jeitão.

      A economia vai pautar a eleição?

      A economia pauta sempre. O bolso pesa mais que o coração ou, pelo menos, tanto quanto. Mas não é a economia. Não é desses erros que estamos falando. O que vai pautar é a carestia. O bolso gasta mais que a bolsa, quando falamos dos mais pobres. A vida está cara. Isso as pessoas sentem. É a feira que vai pautar a campanha.

      Na luta para chegar ao 2º turno, Eduardo Campos começou a bater em Aécio. Isso vai atrapalhar uma futura aliança entre eles?

      Os dois são racionais. E sabem qual o limite, tanto de bater quanto de apoio. Mas no segundo turno o eleitorado não segue líderes. Veja as pesquisas de opinião. Dilma, no Datafolha, está na frente, 36%, Eduardo 8%, Aécio 20%. No 2.º turno Aécio vai pra 40%, Campos pra 38%. E não teve nenhum líder no meio disso! No segundo turno, o que vai contar muito é a rejeição.

      Na sua relação com o ex-presidente Lula, o sr. falou em parar de jogar pedra um no outro. E as pedradas quase sempre dizem respeito à corrupção. O que falta para superar essas diferenças?

      O que falta é vontade dele. Ele é hegemônico, quer tomar conta de tudo. E quem quer tomar conta de tudo quer esmagar quem? O principal adversário! Quando fizemos a transição do meu governo para o dele, logo eles definiram que o inimigo era o PSDB. Não era adversário, era inimigo. No mesmo dia falaram em herança maldita. É o hegemonismo: "Eu sou tudo. O mundo começa comigo, eu sou o bom, os outros são maus." Esse é um jogo, não há como fazer acordo.

      quarta-feira, 23 de julho de 2014

      Reforma Política - Delfim Netto

      Reforma política

       

      Quando se discute o grave problema da ameaça ao sistema democrático representado pelo financiamento privado das campanhas eleitorais é preciso considerar três fatos preliminares: 1º) não sabemos os efeitos do longo prazo do financiamento público; 2º) é necessário reduzir os seus crescentes custos, o que sugere a utilização de alguma forma de voto distrital, onde o pretendente, além de gastar menos, é submetido a um rígido controle moral e material e, talvez, à ameaça do "recall" e, 3º) é preciso eliminar o "spoil system", onde o vencedor leva as batatas: nomeia milhares de correligionários com competência duvidosa para empregos públicos transitórios.
      Todos os partidos (mesmo os que se pensam "virtuosos") têm quadros permanentes que transferem para onde conquistam o poder (federal, estadual ou municipal). Criaram, assim, castas de funcionários flutuantes que, onde desembarcam, comprometem a eficiência, a qualidade e, frequentemente, a honestidade na prestação dos serviços públicos.
      Uma leitura fundamental sobre as dificuldades de se construir uma administração pública competente e neutra é "Reforming Bureaucracy" (Knott, J. & Miller, G., 1987). O grande economista russo, Victor Polterovich, escreveu o verbete "Armadilhas Institucionais", do "Novo Dicionário de Economia Palgrave", inspirado nela. Não resisto à tentação de traduzir livremente um pequeno trecho para mostrar o eterno retorno:
      "Encontram-se armadilhas institucionais na história de muitos países. Os EUA do século 19 é um exemplo. Entre 1815 e 1840 houve uma intensa modificação política. Deu-se, por exemplo, voto aos não-proprietários, o que é um objetivo saudável. As reformas democráticas tiveram, entretanto, consequências não antecipadas. As máquinas partidárias tornaram-se instrumento de enriquecimento efetivo de alguns de seus chefes. Estes alocavam posições no serviço público para os seus companheiros de campanha, sem nenhuma consideração quando à sua competência ou habilidade. Os trabalhadores de "colarinho branco" eram forçados a contribuir com uma percentagem dos seus salários (e talvez o amealhado na corrupção) para partido político que os nomeara".
      O problema terminou quando, sobre a pressão da opinião pública, os escândalos foram explorados pela imprensa independente que sobrevivera.
      Não há nada de novo sob o sol! Qualquer semelhança com a situação a que chegamos ano Brasil é, obviamente, pura imitação. O que nos resta é eliminar a atual trajetória eleitoral substituindo-a por um caminho moral, social e econômico mais eficiente para construir a sociedade civilizada ínsita na Constituição de 1988.

      antonio delfim netto  
      Antonio Delfim Netto, ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade de São Paulo.

        Obtido de: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antoniodelfim/2014/07/1489813-reforma-politica.shtml


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