Ignacio Berdugo
"O mundo exige alunos com formação global"Ignacio Berdugo é um dos maiores especialistas do mundo em ensino superior. Foi reitor da Universidade de Salamanca e, atualmente, é diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca e presidente do Comitê Organizador do III Encontro Internacional de Reitores Universia. Berdugo defende a validação sem burocracia de cursos feitos no Exterior e diz que o Ciência sem Fronteiras dará resultados a longo prazo.
por Camila Brandalise e Revista Isto É

FOCO
"Se queremos favorecer o intercâmbio, é preciso
investir no ensino de idiomas", diz ele
Uma universidade precisa garantir aos seus
alunos educação de qualidade, oferecer boa formação profissional e
possibilitar pesquisas inovadoras. Mas para o espanhol Ignacio Berdugo,
63 anos, reitor da Universidade de Salamanca, na Espanha por dez anos e
um dos maiores especialistas do mundo em ensino superior, há, hoje, um
novo desafio: internacionalizar o aprendizado dos estudantes.

"Há ótimas universidades aqui, como a USP e a UnB (foto). Não devem nada
às europeias. Um dos pontos fortes do Brasil é a pós- graduação"
“É uma maneira de contribuir com a
mobilidade do conhecimento e também com a geração de profissionais
capacitados para atuar tanto local como globalmente”, afirma Berdugo,
diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca e
presidente do Comitê Organizador do III Encontro Internacional de
Reitores Universia, que reunirá mais de mil reitores do mundo esta
semana no Rio de Janeiro. Doutor honoris causa por dez instituições,
Berdugo falou à ISTOÉ sobre a necessidade de possibilitar o intercâmbio
de alunos e de pesquisas, o Ciência sem Fronteiras e a estrutura
educacional do Brasil.

"Cada geração quer introduzir seu próprio desenho na sociedade.
A mobilização estudantil é sinal de uma geração saudável,
que sabe pensar e argumentar"
Istoé - Como modernizar a universidade?
Ignacio Berdugo -
Tornando-a globalizada.
Criando centros de línguas, desenvolvendo a área de informática. Também é
preciso fazer as coisas de um jeito diferente. Muitas universidades têm
atitudes conservadoras, mantêm-se como estão. Uma instituição de
qualidade tem que ter autocrítica sobre o que precisa melhorar. Por isso
é um desafio. É preciso mudar para ter novas respostas.
Istoé - Por que é preciso internacionalizar a educação?
Ignacio Berdugo -
O mundo exige alunos com
formação global. Acredito que é papel das universidades responder às
demandas das sociedades em que estão inseridas. E entre as necessidades
mais importantes e recorrentes da atualidade está a universalização do
conhecimento e da formação prática e sociocultural. A
internacionalização contribui com a mobilidade do conhecimento e também
com a formação de profissionais capacitados para atuar tanto local como
globalmente. No mundo de hoje, esse é um fator que define um bom
profissional. Quem tem que possibilitar isso? Todos os agentes da
educação. A educação interessa à sociedade, ao Estado. É um direito, não
um privilégio. E quem garante os direitos? O Estado. Nesse caso me
refiro ao setor público em geral, em todo o mundo. Interessa a todos que
a educação seja de qualidade, inclusive às empresas. Então, se para ela
há benefícios nisso, também precisa investir.
Istoé - O que deve ser feito?
Ignacio Berdugo -
Estabelecer relações que
possibilitem a mobilidade. Criar centros de pesquisa, políticas internas
que facilitem as trocas de alunos e pesquisadores e de conhecimento. Se
queremos favorecer o intercâmbio, é preciso investir no ensino de
idiomas. São mercados que lidam com pessoas que falam diferentes
línguas. Também significa reconhecer os estudos no Exterior. Se eu sair
do Brasil e for estudar em Buenos Aires, não deve haver empecilhos para
validar minhas aulas, a responsabilidade da universidade brasileira é
reconhecê-las.
Istoé - Esse parece ser um grande entrave para a internacionalização do ensino no Brasil.
Ignacio Berdugo -
O reconhecimento de
títulos de outro país é sempre um problema, não apenas no Brasil. Para a
União Europeia, por exemplo, esse foi um fator-chave, pois se
objetivava a mobilidade de profissionais e de capitais.
Istoé - Na Europa há muita interação entre as universidades. Por que o mesmo não acontece na América Latina?
Ignacio Berdugo - Na União Europeia são 23
línguas, na América Latina, duas, que se parecem, e a princípio seria um
elemento facilitador. Mas na comparação há um fator político lá que
favorece essa internacionalização: o projeto da própria União Europeia.
Um médico formado na Finlândia pode trabalhar na Bélgica. Um arquiteto
espanhol pode construir na Alemanha. É preciso internacionalizar os
conteúdos de formação de carreiras e na Europa houve esforço político
para que os cursos se pareçam.
Istoé - O programa Ciência sem Fronteiras está atendendo às expectativas?
Ignacio Berdugo -
Acho que o Ciência Sem
Fronteiras trará uma resposta a longo prazo. Dentro de dez, 15 anos,
assim como a maioria das políticas educativas. Não é uma ponte, uma obra
pública. Não se pode ver. Mas, se a ideia é reformar a universidade
brasileira ou favorecer a internacionalização, esse é um começo. Os
efeitos gerais sobre a sociedade não vão ser vistos de imediato. Mas são
necessários, também, programas bilaterais. Seria bom, por exemplo, que o
Ciência sem Fronteiras favorecesse os dois lados não só para enviar
alunos brasileiros, mas também para receber estudantes de fora do
Brasil. Nesse caso, os governos dos outros países teriam de pagar.
Istoé - Qual é sua visão sobre o ensino superior no Brasil?
Ignacio Berdugo -
Acredito que a história de
cada país é um condicionante básico da realidade atual. A história da
educação superior no Brasil é muito curta, a primeira instituição de
ensino superior é do século XIX. O que havia antes? A elite ia para
Portugal e se formava em Coimbra. Quando houve a independência, foram
criadas faculdades de medicina e de direito. Outro condicionante é o
positivismo, a ideia de que interessam soluções de curto prazo. Depois
houve a conversa sobre a criação de universidades, não só faculdades
profissionalizantes. Trata-se de uma discussão no Brasil que se divide
entre formar um profissional no sentido estrito ou no sentido mais
amplo. Há universidades de um lado e, de modo ilhado, centros
universitários, institutos, escolas... É uma peculiaridade do sistema
brasileiro.
Istoé - Como vê o ensino superior brasileiro?
Ignacio Berdugo -
Há ótimas universidades
aqui, como a Universidade de São Paulo, a Universidade Estadual de
Campinas, a Universidade de Brasília. São de primeiríssima qualidade e
não devem nada às europeias. Um dos pontos fortes do Brasil é a
pós-graduação. A Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior), o CNPq (Centro Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico), a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo) são instituições reconhecidas internacionalmente. São chaves para
o desenvolvimento do pesquisador. A qualidade do mestrado aqui também é
alta. Mas ainda faltam políticas para a dupla titulação: estudar em
duas universidades, uma no Brasil e outra fora, que dividem o programa
de formação, e quando acaba a formação ter o diploma reconhecido nos
dois países.
Istoé - Como garantir vagas em universidades públicas para um maior número de pessoas, como ocorre na Europa?
Ignacio Berdugo -
Na Europa, o sistema, em
sua maior parte, é público. É uma consequência da estabilidade
demográfica. Mas aqui também há várias universidades privadas de ótima
qualidade. Mas o tamanho da população é um problema. São muitas pessoas
concentradas de maneira nada homogênea. Isso, de fato, dificulta.
Istoé - Muitas faculdades privadas têm sido abertas, mas várias delas de qualidade duvidosa. O que pensa disso?
Ignacio Berdugo -
Essa é uma questão muito
complexa. Há universidades privadas de ótima qualidade. Mas e se fecho
as universidades privadas que não são de tão boa qualidade? Pior é não
tê-las. Esse é um debate ideológico que não se resolve de um dia para o
outro. Uma coisa que chama a atenção no Brasil quando se fala em
educação é a falta de coordenação do sistema educativo: o ensino básico é
municipal, o médio estadual e o superior federal. E o ensino público
dos níveis inferiores não é de grande qualidade. Os colégios privados
são melhores. Mas as universidades públicas têm mais qualidade. Isso
justifica políticas de reservar vagas para alunos de escolas públicas,
por exemplo. É preciso criar mecanismos de organização entre os níveis
de educação.
Istoé - O sr. acha que as políticas de cotas são uma saída para garantir a inclusão e o acesso ao ensino superior?
Ignacio Berdugo - Meu conhecimento sobre a
realidade brasileira não é o mesmo de um brasileiro que vivencia as
oportunidades e suas disparidades. Mas posso dizer que as políticas de
inclusão são ações destinadas a reduzir a desigualdade e, portanto, as
considero positivas. Assim, para aspirar à igualdade, é preciso garantir
que todos tenham acesso à educação, independentemente da classe social.
E, no Brasil, a questão racial e a origem socioeconômica direcionam as
pessoas para diferentes rumos no sistema educacional, principalmente
primário e médio, resultando em diferentes chances de entrar em
determinadas instituições de ensino superior. Acredito que as ações
afirmativas tenham resultado nesse sentido.
Istoé - Estudantes brasileiros
ocupam reitorias para exigir mudanças nas estruturas de ensino. No Chile
há um movimento estudantil forte. As universidades precisam ouvir mais
os alunos?
Ignacio Berdugo -
Um dos temas para o
encontro de reitores é esse: estamos dando respostas adequadas aos
questionamentos dos nossos alunos? Mas há dois pontos distintos: existe
um pedido por resposta política quando o único lugar onde eles podem
fazer política é a universidade, exigindo mudanças no País. Por outro
lado, há o debate educacional puro, sobre ser gratuita ou não. Cada
geração está vinculada a mudanças e quer introduzir seu próprio desenho
na sociedade. Não se pode limitar a liberdade, isso é um risco.
Garanti-la é uma forma de melhorar o mundo em que vivemos. A mobilização
estudantil é um sinal de uma geração saudável, que sabe pensar e
argumentar. Mas sem recorrer à violência, porque aí seria a não razão.
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Obtido de: http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/374673_O+MUNDO+EXIGE+ALUNOS+COM+FORMACAO+GLOBAL+
Todos os direitos reservados à revista Isto É e à jornalista Camila Brandalise. Este post tem finalidade educacional a comunidades carentes que não tem ou tem acesso limitado à internet e à Revista Isto É. Caso não seja o seu caso, prefira acessar o link acima.
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