COLUNA
A tirania do pensamento único
O que vimos nos últimos meses foram candidatos surdos orquestrando seguidores intolerantes, que, imbuídos de fé messiânica, carregam a Verdade em estandartes
Obtido de: A tirania do pensamento único
Quando domingo, no começo da noite, as urnas apontarem o
nome de quem nos governará pelos próximos quatro anos, teremos chegado
ao fim de um processo que demonstrou, de forma clara, quão débil é a
nossa jovem democracia. Ganhe Dilma Rousseff, ganhe Aécio Neves, o novo presidente terá conquistado apenas metade do eleitorado brasileiro,
ou seja, estará à frente de um país dividido por discursos
maniqueístas, que colocaram de um lado “pobres”, de outro, “ricos”; de
um lado “sul-sudeste”, de outro, “nordeste”; de um lado “esclarecidos”,
de outro, “ignorantes”: reduzindo a vida da nação a uma luta de tribos
que se odeiam.
Democracia é o regime que busca administrar os interesses
divergentes da sociedade e, para isso, vale-se da negociação entre as
partes. O que vimos, no entanto, nos últimos meses, foram candidatos
surdos orquestrando seguidores intolerantes, que, imbuídos de fé
messiânica, carregam a Verdade (com vê maiúsculo) em estandartes,
transportando perigosamente para o campo da política procedimentos
típicos de torcidas de futebol, ou, pior ainda, emulando simulacros de
facções religiosas, que se alimentam de ódio e ressentimento. Nesse meio
tempo, amizades foram desfeitas, amores chegaram ao fim, famílias se
tornaram reféns do rancor.
O processo eleitoral deveria ser o momento em que os candidatos, representando os mais diversos segmentos da sociedade, expõem suas propostas de governo
para convencer-nos a dar-lhes um voto de confiança. Embora tenhamos
problemas gravíssimos a serem resolvidos, não houve ninguém que,
objetivamente, tenha utilizado o espaço da propaganda eleitoral e o
tempo dos debates para apresentar projetos que pudessem pelo menos
minimizá-los. Assistimos a uma espécie de rinha de cachorros, que,
açulados pelos donos, atacam-se com o objetivo de destruírem-se.
Nós, brasileiros, confundimos adversário com inimigo.
Talvez possamos atribuir essa incompreensão à nossa história política,
uma sucessão de golpes de estado e ditaduras totalitárias, que moldaram o
caráter nacional. Por mais que desempenhemos no dia a dia um papel de
homens e mulheres cordiais, somos na essência autoritários – basta que
nossa opinião seja contrariada para deixarmos cair a máscara da nossa
simpatia e vestirmos o uniforme da intransigência.
As eleições de 2014 marcam uma nova época na história
brasileira, a era da tirania do pensamento único. Petistas e
antipetistas manejam seus tacapes com objetivo de enfiar na cabeça dos
adversários/inimigos suas próprias ideias, tomadas como singulares,
autênticas e salvacionistas. Agem como fanáticos que, nos estádios de
futebol, em nome da defesa de bandeiras e escudos, espancam os
torcedores de outros times, ou que nos campos de batalha degolam os
combatentes, em nome da religião. Em todos os casos, são manifestações
fascistas de indivíduos que sozinhos não conseguem refletir e apenas
acompanham a manada, seguindo o raciocínio binário de “quem não está
comigo, está contra mim”.
Eu me recuso a participar dessa orgia de sectarismo. Tenho
parentes e amigos que vão votar em Aécio Neves e tenho parentes e amigos
que vão votar em Dilma Rousseff – e isso não os torna, nem uns nem
outros, pessoas piores ou melhores, apenas demonstram que pensam de
maneiras diferentes, por isso eu as respeito e estimo, porque são belas
em sua complexidade. A verdadeira democracia é o exercício do diálogo
visando à conciliação e não a imposição de opiniões calcadas em
pretensas verdades irrefutáveis.
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