Excelente artigo de Roberto Pompeu de Toledo, sobre o grande flagelo de uma democracia fraca: no Congresso, um cidadão de São Paulo vale 10 vezes menos que um cidadão de Roraima
Onde está a democracia?
obtido de: http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/politica-cia/roberto-pompeu-de-toledo-o-teto-para-o-numero-de-deputados-para-os-estados-distorce-completamente-a-representacao-popular/
O GRANDE AUSENTE
O limite para o número de deputados para os Estados distorce completamente a representação popular
O grande ausente das atuais cogitações sobre a reforma política é o
dispositivo constitucional que estabelece o mínimo de oito deputados e o
máximo de setenta para cada bancada estadual.
A “crise de representatividade” é alardeada sempre como motivo
central para a reforma do sistema. No entanto, não se fala nesse grande
fator de distorção na representatividade que é o artigo 45 da
Constituição, ao estabelecer um mínimo de oito deputados e um máximo de
setenta por estado.
Para citar o exemplo clássico, São Paulo, que bate no teto
constitucional, tem um deputado para cada 600.000 habitantes, enquanto
Roraima, o menos populoso dos estados, tem um para cada 58.750.
Resulta daí uma sub-representação de São Paulo, uma
super-representação de Roraima e, computadas todas as outras distorções,
entre tais extremos, uma Câmara dos Deputados capenga, muito longe de
espelhar equitativamente a população brasileira.
Voto distrital
é feito para eleger representantes de uma comunidade de eleitores, não
de um Estado. Misturar populações de Estados diferentes para formar
distritos viria ao encontro do espírito que o anima.
Costuma-se culpar o “pacote de abril”, funesta reforma baixada pela
ditadura, em 1977, pela distorção. O pacote de abril é culpado por muita
coisa, inclusive pela grotesca instituição do “senador biônico” (não
eleito, mas nomeado), mas não por isso.
Os limites vêm desde a Constituição republicana de 1891 (mínimo de
quatro e máximo por um cálculo variável) e vieram se agravando (a
Constituição de 1946 previa mínimo de sete e máximo também por um
cálculo variável) até chegar ao ápice na Constituição de 1988,
justamente a mais democrática de nossa história.
Segundo teoria geralmente aceita, interessa aos governantes conferir
maior representatividade a regiões menos populosas por serem de mais
fácil manipulação. A imposição de limites seria portanto um freio de
espírito conservador contra as aspirações dos setores sociais mais
avançados.
A questão não vem de agora, nem é apenas daqui. No Japão agora mesmo a
má distribuição dos distritos pelos quais são eleitos os deputados
levou a Suprema Corte a declarar a Câmara em “estado de
inconstitucionalidade”.
Em toda parte do mundo, as relações entre regiões, estados,
municípios ou até bairros são embaraçosas e difíceis de superar. A
equidade é ainda mais reclamada, e a distorção fica mais evidente,
quando o sistema de eleição dos deputados é o majoritário em distritos
reduzidos — o sistema conhecido no Brasil por “voto distrital”. Caso
fosse instituído entre nós, sem mexer com os limites constitucionais
vigentes, cada distrito de São Paulo teria 600.000 eleitores, contra
58.750 em Roraima — receita certa para uma Câmara estapafúrdia, em que a
carência de representatividade ficaria ainda mais exposta do que na
atual.
É difícil estabelecer negociações entre unidades federativas quando
de algumas se pede que abram mão do que supõem sejam conquistas. O
Tribunal Superior Eleitoral determinou em abril, com base nos resultados
do Censo de 2010, uma atualização das bancadas que implicaria, nas
eleições de 2014, o aumento delas em cinco Estados e a diminuição em
oito.
Maior ganhador, o Pará ficaria com quatro deputados a mais, mas a
maioria ganharia ou perderia apenas um. O presidente da Câmara avisou de
pronto que o assunto era delicado e demandava reflexão. Nunca se
procedeu à atualização das bancadas, desde a Constituição de 1988; a
tendência é sempre deixar as coisas como estão.
Se é assim com os pequenos ajustes, imagine-se com um maior, como o
que revogaria os limites máximo e mínimo. E, se os ajustes são difíceis
assim no sistema atual, imagine-se no caso de ser implantado o voto
distrital.
Uma possível estratégia para quebrar o impasse seria radicalizar o
conceito de que deputado é representante do povo. O conceito já está
escrito na Constituição: radicalizá-lo significaria precisar que, sendo
representante do povo, não é do Estado. Nas regiões fronteiriças,
haveria distritos que misturariam populações de um lado e de outro; e
Estados de escassa população, como Roraima, se juntariam a vizinhos para
formar um distrito.
Voto distrital é feito para eleger representantes de uma comunidade
de eleitores, não de um Estado. Misturar populações de Estados
diferentes para formar distritos viria ao encontro do espírito que o
anima. De quebra, com isso se valorizaria o papel do Senado, esta sim a
Casa de representação dos Estados, hoje tão redundante com relação à
Câmara.
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