segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Dois editoriais e o mesmo caminho fácil: culpar o PT pela corrupção e fisiologismo. Será?

No mesmo dia:
Estadão diz que o financiamento de campanha de políticos por empresas não aumenta a corrupção. O problema é o PT.
Globo diz que o problema da 'venda' de cargos não está associado à complexa complexa formação de coalizão para haver mínima governabilidade. O problema é o PT.

Estadão:
O Estadão aumenta a confusão ao não deixar claro o assunto: afinal, o financiamento de candidatos por empresas aumenta ou não aumenta a corrupção? O Estadão não responde, com a clara intenção de induzir o leitor a associar a corrupção como uma invenção criada pelo PT.
Afinal, de onde vem essa 'coincidência' de temas?

Confusão intencional




Jornal 'O Estado de S.Paulo'

02 Novembro 2014 | 02h 04
A presidente Dilma Rousseff e o Partido dos Trabalhadores (PT) têm introduzido no debate público uma não pequena confusão, quando tratam do financiamento de campanha e corrupção. Uma coisa é o fim do financiamento das campanhas eleitorais por parte de empresas, que está no momento em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e já conta com 6 votos a favor da sua proibição. Outra coisa - porque sua causa não é o sistema atual de financiamento, mas o modo como se lida com a coisa pública - é a corrupção, cujas denúncias envolvem cada vez mais extensamente o PT e as empresas estatais por ele aparelhadas. Por que, então, confundir, tratando uma como causa da outra?
O último porta-voz dessa intencional confusão foi Miguel Rossetto, ex-ministro do Desenvolvimento Agrário e um dos coordenadores da campanha de Dilma Rousseff. Em entrevista ao jornal Valor, Rossetto afirmou: "Esse modelo (de financiamento pelas empresas) se tornou um grande instrumento que financia a corrupção no nosso país. Permanentemente eu assisto a bons empresários dizendo que se sentem escorchados por nós, políticos. (...) Cresce a compreensão de que grande parte da agenda da corrupção que envolve o Estado brasileiro é estimulada por um sistema de financiamento que liga de uma forma equivocada o interesse empresarial e a estrutura pública. A democracia não pode ser um momento de investimento econômico por parte de empresas e nem de agentes públicos".
Atribuir a culpa pela corrupção ao atual sistema, que permite que empresas financiem campanhas políticas, é um argumento falso. Todo e qualquer sistema é passível de corrupção. Achar que a proibição das doações de empresas assegurará campanhas eleitorais eticamente puras não é ingenuidade - é uma tremenda falsidade. Além de isentar de culpa os que vêm praticando corrupção - seriam vítimas do sistema -, fazer essa associação é, por tabela, afirmar que todos os atuais participantes do jogo político são igualmente corruptos. E isso beira a calúnia.
Acabar com a possibilidade de que empresas financiem campanhas políticas é uma medida institucionalmente saudável, mas não pelo argumento de combate à corrupção. O motivo é simples: as empresas não têm direito a voto. E as suas contribuições para as campanhas influenciam o voto de quem detém o direito a ele - o cidadão. Permitir que empresas façam doações às campanhas eleitorais é atribuir-lhes um protagonismo político a que elas não têm direito. Os direitos políticos pertencem às pessoas físicas.
Outro legítimo motivo que sustenta o fim do financiamento das campanhas pelas empresas - o que não significa a extinção do "financiamento privado de campanha", pois é legítima a possibilidade de as pessoas físicas fazerem doações - é a relação que se estabelece entre empresas e governo.
Na prática, as grandes doadoras de campanha são as empresas com forte atuação em projetos públicos, ou seja, o dinheiro das campanhas acaba vindo indiretamente do governo. Essa relação não envolve necessariamente corrupção, mas tal proximidade de interesses também não é desejável numa democracia - e, portanto, é melhor evitá-la.
Reconhecer a legitimidade da proibição do financiamento das campanhas políticas por parte das empresas nada tem a ver com o argumento do PT, que na prática é uma tentativa de considerar inevitável a corrupção. Por que será que estão levantando esse tema do financiamento - que já está nas mãos do STF - logo agora, após as eleições vencidas por eles e nas quais receberam vultosas doações?
Até parece que isso é uma cortina de fumaça criada para esse momento, quando se começam a investigar atos concretos, de pessoas concretas e de partidos concretos, com base em denúncias cujas dimensões tornam o mensalão um caso de jardim de infância.
É um grave desserviço à democracia misturar coisas diversas, usando maliciosamente uma boa medida - o fim das doações de empresas às campanhas políticas - para tentar explicar ou mesmo justificar a corrupção. A democracia brasileira já amadureceu e não aceita esse tipo de jogada.

O jornal 'O Globo' associa o fisiologismo, ou o 'toma lá - da cá' ao PT e não ao sistema político do Brasil que dificulta o poder Executivo em  montar uma coalizão em prol da governabilidade sem a cessão de cargos a outros partidos. 

O Globo:

Em vez de discutir o processo de coalizão para a governabilidade, o jornal 'O Globo' prefere culpar o PT pelo fisiologismo, se 'esquecendo' de que a venda de cargos em troca de apoio político é velha como o segunda república. Como dizia o nada saudoso político bahiano, Antonio Carlos Magalhães, 'é dando que se recebe'.
 
 À espera de mais fisiologismo

É difícil que o PT mude o estilo de fazer alianças que adota há 12 anos, e além disso a vitória apertada deve fragilizar a presidente nas negociações

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Em condições normais, presidente reeleito não tem trégua depois da vitória. A rotina do expediente continua a mesma, até mais pesada, porque às questões do cotidiano se soma a agenda do próximo mandato — a necessidade de formular ajustes de políticas prometidos na campanha, administrar demandas para a reformulação de equipes etc.
No caso da presidente Dilma Rousseff, a passagem do primeiro para o segundo mandato é ainda mais complexa, porque a economia do país se encontra em delicada situação. Tanto que o discurso de campanha da candidata contra apertos ortodoxos a fim de debelar a inflação foi rapidamente esquecido, e o Banco Central pôde elevar os juros para 11,25%, por inevitável, diante de uma pressão séria nos preços.
A missão mais estratégica da presidente reeleita é mesmo na área econômica, com a indicação de um nome para o Ministério da Fazenda que sinalize credibilidade. É preciso, afinal, fazer ajustes para restaurar os fundamentos da economia, e assim, de imediato, evitar o rebaixamento da nota de crédito no país no exterior para aquém do “grau de investimento”.
Há outra agenda pesada à frente da presidente, a remontagem do inchado Ministério de 39 Pastas, uma quantidade de cargos talvez pequena para o Planalto atender a tantas demandas.
Isso se considerarmos que continuará em vigor a prática fisiológica do toma lá dá cá. Mas se este é o estilo de fazer alianças do PT, adotado nos últimos 12 anos, seria irrealismo prever mudança radical no segundo governo Dilma. A própria característica da vitória nas urnas — a mais apertada da história republicana, por apenas três pontos percentuais — deve fragilizar ainda mais a presidente nas negociações.
Os nove partidos da coligação vitoriosa elegeu 304 deputados, dois terços da Câmara. Mas, como aconteceu no primeiro mandato, a vantagem numérica nem sempre se traduz em supremacia política nas votações no Congresso. Tudo depende do tema, dos interesses específicos em jogo.
Para tornar mais duro este jogo, o PMDB, muito hábil em se posicionar à espera de trocas de guarda no poder — uma vitória da oposição em 2018 —, perdeu menos cadeiras na Câmara que o PT. Continua o segundo maior partido da Casa, com 66 deputados, cinco a menos que na atual legislatura, contra 70 do PT, a maior legenda, mas com a perda de 18 cadeiras. Com o fortalecimento do PSDB na Câmara — mais dez deputados, de 44 para 54 — e no Senado — neste, devido ao crescimento político de Aécio e à volta de Serra e de Tasso Jereissati, além da permanência de Aloysio Nunes —, o panorama parlamentar para o segundo governo Dilma não parece risonho.
São fatores que fragilizam o Planalto nas negociações para a distribuição de vagas e orçamento. Sem considerar a existência de companheiros demitidos pelas urnas em busca de bons empregos públicos. O segundo mandato já começou.

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