Sempre é bom lembrar. Em 1997, o jornalista Paulo Francis denunciou
esquema de roubalheira na Petrobras num programa de TV. O presidente da
empresa, Joel Rennó, em vez de tomar alguma providência, abriu um
processo de US$ 100 milhões contra Francis.
Tampouco ocorreu ao governo de então –primeiro mandato de FHC– realizar
qualquer esforço investigativo para coibir práticas conhecidas por gente
da alta roda e mesmo empresários medianos. Era mais fácil intimidar o
jornalista com uma multa impagável do que apurar. Como efeito colateral,
o esquema contava silenciar a imprensa em geral. Sabe-se como tudo
acabou.
Foi preciso que a antiga situação e hoje oposição saísse do Planalto,
pelas urnas, para que a roubalheira espalhada na estatal viesse a
público. Ironia, não? Mas é isso que vem acontecendo. De forma inédita,
empresários desse tamanho são investigados e detidos por ligações
suspeitas com financiamento eleitoral, pagamento de propinas e
superfaturamento ancorados em negociatas com empresa pública.
Apesar do espalhafato costumeiro de parte da PF, é óbvio que a Lava Jato
lancetou um tumor instalado há tempos. O estrago ainda está para ser
medido, tanto o financeiro quanto o político. No pinga-pinga dos
vazamentos, sobra para quase todo mundo, de PT, PMDB e PP a PSDB e PSB.
Não à toa houve rapidinho um acerto multipartidário para impedir a
convocação de políticos acusados.
Agora vai? Ao menos duas razões recomendam o ceticismo. A primeira está
nos antecedentes. Em operações similares, a Satiagraha e a Castelo de
Areia, réus de bolso cheio de repente viraram vítimas, delegados foram
afastados e juízes, removidos. Pagas a peso de ouro, bancas de advogados
estrelados pinçaram erros formais sem tocar no mérito das denúncias. A
ponto de não se saber qual escândalo foi maior, se o que motivou as
operações ou a missão de abafar os casos. Toda vigilância é pouca para
evitar a repetição do enredo, respeitando-se, claro, o direito pleno de
defesa (algo que nem sempre ocorre quando os réus são uns, e não
outros).
A outra razão é o envenenamento presente nas investigações. A reportagem
da jornalista Julia Duailibi dando conta do grau de partidarização da
Polícia Federal provoca frio na espinha. Trata-se de uma corporação
armada, não de profissionais liberais debatendo posições políticas. Que
delegados tenham preferências eleitorais ninguém discute. Mas o teor de
suas mensagens eletrônicas, associado ao vazamento seletivo de
depoimentos supostos ou verdadeiros, fere o limite que separa convicções
ideológicas da utilização tendenciosa de um processo oficial.
Fora de dúvida, por enquanto, é a urgência de mudança no financiamento
da política brasileira. Sem prejuízo da ação da Justiça contra réus de
culpa provada, evidente que se vai ficar enxugando gelo a se manterem as
regras atuais.
Impressionante é notar justamente um juiz da Corte mais alta travar uma
providência que, se não resolve, ao menos pode dar alguma transparência à
dinheirama das campanhas: a proibição do financiamento por parte de
empresas. Embora a maioria do STF já tenha se manifestado pela
proibição, o ministro Gilmar Mendes resolveu, em abril!, pedir vistas
durante um prazo, ao que tudo indica, a perder de vista.
Ricardo Melo, 59, é jornalista. Na Folha, foi editor de
'Opinião', editor da 'Primeira Página', editor-adjunto de 'Mundo',
secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do 'TV Folha',
entre outras funções. Também foi chefe de Redação do SBT (Sistema
Brasileiro de Televisão), editor-chefe do 'Diário de S. Paulo', do
'Jornal da Band' e do 'Jornal da Globo'. Na juventude, foi um dos
principais dirigentes do movimento estudantil 'Liberdade e Luta'
('Libelu'), de orientação trotskista.
Obtido de: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/ricardomelo/2014/11/1549177-agora-vai.shtml
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